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Aquecimento desproporcional

O Globo, Ciência, p. 32
16 de Set de 2009

Aquecimento desproporcional
Mudanças climáticas podem reduzir PIB dos países pobres em até 5%, alerta Bird

Gilberto Scofield Jr.
Correspondente Washington

O aquecimento global é um sério entrave ao desenvolvimento dos países mais pobres e pode custar até 5% do PIB dessas nações, segundo relatório do Banco Mundial divulgado ontem.

Mesmo um aumento de 2 graus Celsius (considerável já inevitável) afetaria o PIB. O documento aconselha esses países a conciliar estratégias de desenvolvimento econômico e combate à pobreza a políticas de redução de emissões de gases do efeito estufa.

Mas alerta que eles precisam de apoio - e financiamentos - para transferência de tecnologias limpas das nações mais ricas.

Chamado "Mudando o clima para o desenvolvimento", o estudo é divulgado três meses antes das reuniões sobre mudanças climáticas das Nações Unidas, em Copenhague, que irá definir um novo acordo para substituir o Protocolo de Kyoto, que expira em 2012.

- Os países precisam agir agora, agir em conjunto e agir de forma diferenciada em matéria de mudança climática - afirmou Robert B. Zoellick, presidente do Banco Mundial. - Os países em desenvolvimento são afetados desproporcionadamente pelas mudanças climáticas, uma crise que não é de sua autoria e para a qual estão menos preparados. Um acordo equitativo em Copenhague é vital.
Sem desculpas para os mais ricos
O estudo não dá espaço para desculpas, nem mesmo a da crise financeira mundial. O documento não apenas cobra dos países ricos a redução de suas emissões de gasesestufa - porque, afinal, com um sexto da população mundial, eles são responsáveis por dois terços das emissões anuais -, como também lembra eles têm condições financeiras e tecnológicas (além de éticas e morais) para ajudar as nações mais pobres a crescer e, ainda assim, emitir menos.

O documento aponta que investimentos em infraestrutura, habitação e saneamento são capazes de elevar o padrão de vida e combater o aquecimento se forem baseados em tecnologias limpas. Para tanto, contabiliza, seriam necessários investimentos em pesquisa e desenvolvimento da ordem de US$ 100 bilhões a US$ 700 bilhões, anualmente.

Trata-se de um valor alto, admitem os economistas, mas nada impossível.

Afinal, lembram, os subsídios públicos dados ao setor petrolífero somam US$ 150 bilhões ao ano, enquanto a pesquisa de novas fontes de energia não passa de US$ 10 bilhões há décadas. O setor privado investe mais, mas ainda assim de forma insuficiente: de US$ 40 a US$ 60 bilhões por ano.

- Existem tecnologias de estocagem de carbono, que usam vento e sol como fonte renovável, e até nuclear que podem ser repassadas a países de renda média e baixa que precisam se desenvolver sem usar tecnologias poluentes, que são mais baratas - disse Ricardo Fuentes, do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas.

O descompasso entre ricos e pobres é grande e tende a ficar maior com o aquecimento. Para mostrar isso, o Bird diz que levar rede elétrica para 1,6 bilhão de pessoas nos países pobres que hoje não possuem eletricidade significaria um aumento na emissão anual de CO2 de 160 milhões de toneladas. Mas se os EUA realizassem a troca de sua frota de 40 milhões de carros utilitários, a economia em emissões de dióxido de carbono seria de 142 milhões de toneladas por ano.

Segundo Ricardo Fuentes, o Brasil é um dos emergentes em melhor posição em termos de uso de fontes renováveis de energia e na transferência da tecnologia de biocombustíveis.

Mas seus problemas mais dramáticos - o desmatamento na Amazônia e a desertificação de áreas no Nordeste - continuam deixando o país em situação de vulnerabilidade.

- As áreas secas do sertão nordestino e regiões da Amazônia, especialmente as fronteiras com Peru e Bolívia, são áreas onde a pobreza mais cresce no Brasil, e este fenômeno está inegavelmente ligado ao clima - diz Fuentes.

Ameaças na América Latina

Savanização da Amazônia: É, de longe, o problema mais dramático da região, que vem perdendo floresta para um agronegócio que nem sempre usa formas de manejo de terras e safras que menos emitem gases poluentes. O relatório alerta para o processo de "savanização" da Amazônia e seus impactos no clima da região e do mundo.

Degelo dos Andes: A capa de neve vem descongelando rapidamente, o que vai afetar o fluxo de água para 77 milhões de pessoas da região até 2020. As hidrelétricas da área, maior fonte de energia local, também deverão ser afetadas com o degelo.

Embranquecimento de Corais do Caribe: A descoloração e a morte de diversas espécies de corais do Caribe já são uma realidade e devem se agravar com o aquecimento dos oceanos.

Maior incidência de furações: Os danos causados às terras úmidas do Golfo do México tornam toda a costa do golfo mais vulnerável a furacões.

Pior: há indícios de que os furacões na região são hoje mais intensos e frequentes em razão do aquecimento das águas.

Aumento da desigualdade social: Assim como no restante do mundo, o fosso entre países pobres e emergentes tende a aumentar na América Latina porque o desenvolvimento econômico não é rápido o suficiente para tirar as populações da pobreza. Mesmo que fosse, sem a adoção de medidas de redução de emissões, os desastres ambientais tenderiam a ser mais custosos a longo prazo, dizem especialistas.

O Globo, 16/09/2009, Ciência, p. 32

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