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Aquecimento ameaça agricultura

OESP, Vida, p. A16
18 de Mar de 2005

Aquecimento ameaça agricultura
Estudo mostra que aumento da temperatura até o fim do século reduzirá pela metade as áreas de plantio no Brasil

Evanildo da Silveira

O aquecimento global vai ter um impacto drástico na agricultura brasileira. Num estudo recém-concluído, pesquisadores da Embrapa Informática, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, do Ministério da Agricultura, e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) mostram que o café, o arroz, o feijão, o milho e a soja terão suas áreas aptas ao cultivo reduzidas praticamente pela metade, assim que a temperatura média da Terra estiver 5,8oC acima da atual.
Esse aumento da temperatura deve ocorrer num prazo de 50 a 100 anos, conforme previsão do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês). "É preciso ressaltar, no entanto, que já há cientistas que dizem que a temperatura do planeta vai aumentar na verdade 11oC nos próximos 100 anos", diz o coordenador do trabalho sobre as conseqüências desse aquecimento global na agricultura brasileira, Eduardo Assad, da Embrapa Informática. "O que é certo é que nos próximos 15 anos a Terra vai ficar 1oC mais quente."
Assad e Hilton Silveira Pinto, do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri), da Unicamp, pegaram os dados do zoneamento agrícola brasileiro, feito pelo Ministério da Agricultura, e em cima deles simularam em computador o impacto do aumento da temperatura.
Esse zoneamento estabelece a melhor época, área e tipo de solo para cada cultura agrícola em cada município brasileiro. Os pesquisadores pegaram essas informações e calcularam a área potencial que o Brasil tem para o cultivo de quatro das cinco culturas estudadas. "Pelos nossos cálculos, o País tem uma área potencial de 3 milhões de quilômetros quadrados para cultivo de soja, 4,8 milhões para o arroz de sequeiro (não irrigado), 3,5 milhões para o feijão e 5,2 milhões para o milho", explica Assad.
Para cada uma dessas culturas, eles simularam o impacto que teria o aumento da temperatura média global de 1oC, 3oC e 5,8oC. Assad explica que o aumento da temperatura altera o regime de chuvas, de evaporação da água e da transpiração das plantas. Assim, áreas que eram próprias para a plantação de determinada cultura deixam de sê-lo e outras que não era adequadas passam a ser.
O ponto comum para as culturas estudadas é que a área potencial para o cultivo de todas elas diminuiu. "Com o aumento de 1oC, as áreas para o plantio de soja, arroz, feijão e milho caem respectivamente para 2,7, 4,1, 3,1 e 5,1 milhões de quilômetros quadrados respectivamente", diz Assad. "Com um acréscimo de 3oC essas áreas diminuem para 2,1, 3,7, 2,2 e 4,7 milhões km2. No pior cenário, com aquecimento de 5,8o C, as áreas aptas para o cultivo de soja, arroz, feijão e milho passam a ser respectivamente de 1,2, 3, 1,5 e 4,3 milhões de km2."
MUDANÇA DE REGIÃO
No caso do café, os dados são de apenas quatro Estados e mostrados em termos de porcentagem da área total de cada um. "São Paulo, por exemplo, tem hoje 39% de seu território apto para o plantio de café", afirma Assad. "Com um aumento de 5,8o C da temperatura média, essa área seria reduzida para apenas 1,1% do Estado." Com o mesmo aquecimento, a área potencial para o cultivo de café cairia de 8,9% do território para 5,8% em Minas, de 38% para zero em Goiás e de 10,1% para 5,4% no Paraná."
Além da diminuição da área cultivável, outro efeito do aquecimento global será a redistribuição das culturas no território. "A soja praticamente desaparecerá do Sul e se concentrará no Centro-Oeste", diz Assad. "O café deixará o Sudeste para o Sul."
De acordo com ele, o objetivo do trabalho é alertar as autoridades e a comunidade científica para a necessidade de adoção de medidas para evitar o que pode vir a ser um desastre para a agricultura e a economia do País. "Temos ainda 50 anos para isso", observa. "Uma forma de evitar a tragédia é começar a pesquisar para aproveitar a biodiversidade do País."
Uma maneira de fazer isso é por meio dos transgênicos. Assad lembra que o Brasil tem enorme reserva de plantas nativas no cerrado resistentes ao calor e à seca. "Podemos pegar os genes que dão essas características às plantas e transferi-los para as espécies que cultivamos. Nenhum outro país tem esse potencial."

Mesmo com menos emissões, haverá mudanças climáticas
EFE
EFEITO ESTUFA: Apesar dos esforços atuais para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, o aquecimento global continuará neste século, afirmam dois estudos publicados ontem na revista Science. O aquecimento aumentará a temperatura média do planeta e elevará o nível do mar em mais de 11 centímetros, causando várias alterações climáticas e topográficas, muitas delas negativas.
Essas conclusões foram extraídas de um modelo climático preparado por cientistas liderados por Gerald Meehl, diretor do Departamento de Dinâmica Global da Central Nacional de Pesquisas Atmosféricas dos EUA. "Já estamos condenados a essa mudança climática. É possível que nos próximos anos se consiga estabilizar as emissões desses gases, mas o nível do mar continuará aumentando, com várias conseqüências", afirmou Meehl.
Segundo os cientistas, mesmo se gases de efeito estufa não forem mais emitidos a temperatura do ar aumentará numa média de meio grau centígrado. Segundo Meehl, esse aumento será semelhante ao ocorrido no século 20, mas a elevação marítima será três vezes superior por causa do fenômeno da "inércia térmica" (a água do mar leva muito mais tempo do que o ar para modificar a temperatura em razão da maior densidade). Para piorar, esses números não levam em conta a quantidade de água doce que se juntará ao mar como conseqüência do degelo das geleiras. Com isso, o nível do mar pode duplicar. Segundo os cientistas, os países que sofrerão o impacto imediato desse aquecimento global serão os que têm litorais extensos e cujo clima é regido pela influência do mar.
As mesmas conclusões foram extraídas de outro estudo, de T.M.L. Wigley, cientista do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica americano, que previu que até 2400 a temperatura do planeta terá aumentado uma média de 2 a 6o C e o nível do mar crescerá numa média de 10 cm por século. "Evitar essas mudanças iria requerer uma redução das emissões em níveis substancialmente menores do que os atuais", diz Wigley.

OESP, 18/03/2005, Vida, p. A16

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