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Aquecimento altera solos

O Globo, Ciência, p. 28
20 de Jul de 2010

Aquecimento altera solos
Regiões isoladas, Trindade e Antártica são afetadas

Renato Grandelle

Dois ecossistemas isolados, aparentemente sem qualquer ligação, compartilham um problema: sua descaracterização pelas mudanças climáticas. O aumento das temperaturas fez a Ilha de Trindade, a 1.167 quilômetros da costa brasileira, e a Antártica registrarem ameaças crescentes à biodiversidade, além de correntes marítimas fora dos padrões e solos cada vez mais frágeis.

A distância dos centros urbanos não foi suficiente para preservar estes dois pontos, estudados pelo especialista em solos Carlos Ernesto Schaefer, do aquecimento global. A elevação da temperatura provocará efeitos opostos em cada cenário.

- Se confirmarmos a tendência de que o Atlântico ficará mais quente, as chuvas aumentarão no litoral, mas não no meio do oceano, onde está Trindade - alerta o pesquisador da Universidade Federal de Viçosa, que apresentará seu estudo semana que vem, em Natal, na reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). - A ilha deve passar por um processo de redução de precipitações. Já verificamos uma redução na evasão dos córregos, algo impensável há 30 ou 40 anos.

Na Antártica, o descongelamento do solo, antes restrito a cinco meses por ano, aumenta gradativamente de duração. Também cresce a área disponível para a ocupação de musgos e liquens - vegetais que hibernam durante o inverno, mas que, mesmo sob a neve, na primavera, são capazes de realizar fotossíntese.

Enquanto o tapete verde se estende, produzindo uma paisagem atípica, a fauna do continente gelado enfrenta seus incômodos. As mudanças climáticas, segundo oceanógrafos, repercutiram nas correntes marítimas do oceano austral, que estão mais quentes, por isso, carregando menos nutrientes. Diminuiu a quantidade transportada de plânctons, fundamentais para a dieta dos peixes.

Não se trata do único golpe à cadeia alimentar daquele ecossistema.

A ação humana encarregou-se de reduzir significativamente o contingente de focas, pinguins e baleias. Houve, assim, um aumento descontrolado do número de krills (o camarão antártico, principal alimento da baleia).

- Esta multiplicação desequilibrada afetou toda a cadeia alimentar - lamenta Schaefer. - Agora, há um restabelecimento da população de baleias, mas, em compensação, aumentou a caça ao krill, depois que foi descoberta uma forma de ingeri-lo sem ser afetado por sua toxina.

Em Trindade, a colonização humana deixou marcas em um ecossistema totalmente diverso àquele encontrado no continente.

- O isolamento geográfico propiciou que as poucas espécies da ilha desenvolvessem características genéticas próprias - explica o pesquisador. - Mas, quando os portugueses colonizaram a ilha, levaram cabras e carneiros e desmataram a vegetação.

Várias aves, que usavam a copa das árvores para montarem seus ninhos, deixaram de reproduzir na ilha.

Segundo Schaefer, o homem também trouxe uma ampla população de ratos, que acabaram com os ninhos depositados em rochas - uma solução adotada pelas aves para suprir a carência de árvores nativas.

A chegada de aves migratórias a ilhas oceânicas também depende das correntes marítimas - que, assim como na Antártica, experimentam mudanças bruscas nos últimos anos. Estas aves são as responsáveis por fertilizar ecossistemas.

Quando elas não vêm, a diversidade da vegetação é posta em perigo.

- O isolamento geográfico, visto na Antártica e em Trindade, nos permite estudar a evolução em seu estágio primário - avalia Schaefer. - É preocupante ver fora de controle processos ecológicos que deveriam estar encadeados.

Até 2% de todo o gelo do mundo sumirá em dez anos
Derretimento das geleiras ajudaria o mar a crescer 1 metro em 100 anos

Em poucos séculos, o homem atingiu algo nunca visto no último milhão de anos: o desaparecimento de 1% do gelo das regiões polares. E este número deve dobrar nos próximos dez anos, segundo Francisco Eliseu Aquino, pesquisador do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A estimativa enterra a hipótese, aventada cinco anos atrás, de que apenas as geleiras de grandes montanhas contribuiriam para o aumento do nível do mar. Hoje, sabe-se que a Antártica e a Groenlândia também farão com que os oceanos cresçam de 60 centímetros a 1 metro nos próximos 100 anos.

- A Groenlândia, que conta com 7% do volume de gelo do planeta, tem um derretimento superficial muito maior do que o esperado - ressalta.

- Chegamos a pensar que a massa de gelo havia se estabilizado, mas nos enganamos. E esta região contribui para o aumento do nível do mar, assim como o norte da Antártica.

Grupo faz perfurações para analisar mudanças glaciais

O gelo marinho flutuante do Ártico não contribui para o aumento dos oceanos, porque sua massa já está na água. Mas, como reflete a luz do Sol, ele é fundamental no equilíbrio térmico da região. Se derreter, os termômetros registrarão temperaturas maiores.

Para estudar as consequências das mudanças climáticas e glaciais aqui e no continente gelado, o glaciologista Jefferson Cárdia Simões fundou o Projeto Casa (abreviação, em inglês, para "Clima da Antártica e América do Sul"). Ele apresentará seus novos estudos na reunião da SBPC.

- Fizemos perfurações nos Andes e na Antártica para, através das amostras de gelo, colher dados sobre o clima de até cinco mil anos atrás - explica Aquino, integrante do projeto. - Assim, conseguiremos identificar os ciclos de fenômenos como o El Niño, além da velocidade de outras transformações. Quando elas acontecem há muito tempo, são ciclos naturais. Se tiveram uma aceleração brusca, devemos atribuí-las à ação humana. (R.G.)

O Globo, 20/07/2010, Ciência, p. 28

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