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Apurinãs buscam o resgate da cultura

Página 20-Rio Branco-AC
Autor: ANDRÉA ZÍLIO
17 de Jul de 2003

Índios montam associação e encontram no artesanato o pontapé para retomar as tradições

Com o desafio de resgatar a cultura perdida no mínimo há duas gerações, os índios Apurinã do 45, localizados no quilômetro 165, da BR-317, de Boca do Acre, estão encontrando na comercialização do artesanato o retorno da coletividade e melhor organização da tribo. A principal ajuda veio do Grupo de Pesquisas e Extensão em Sistemas Agroflorestais do Acre (Pesacre), que além de prestar auxílio, viabilizou os cursos de capacitação, para que os Apurinãs melhorassem e expandissem seus produtos, uma das poucas tradições do local, antes feita apenas para uso próprio.

Os Apurinãs vão mais adiante, ao despertarem para o resgate da cultura de seu povo. Hoje, a língua da tribo é disciplina escolar ensinada pelos mais velhos. A decisão é recente, de apenas duas semanas, mas o entusiasmo está dando espaço para novas idéias. A dança tradicional ganhará um local especial no meio da mata. A casa, como chamam, será na verdade uma espécie de lugar sagrado, que irá expor as roupas usadas durante o ritual, que será retomado.

TRIBOS - Ao total são 17 aldeias da tribo Apurinã em todo o Estado do Amazonas, mas grande parte tem maior proximidade com os municípios acreanos. Os Apurinã do 45, formado por 30 famílias, é uma das aldeias mais afetadas com o contato dos fazendeiros, que ocorreu no auge da exploração da borracha. O local parece uma comunidade de colonos. Os mais velhos ainda lembram da língua Apurinã, mas as danças ficaram apenas nas lembranças das histórias contadas pelos pais e avós, que eram impedidos de praticar sua tradição cultural na área dominada pelos fazendeiros para quem trabalharam.

CONFLITO - Eles falam do último conflito, que durou cerca de quatro anos, quando viviam sob a ameaça do fazendeiro conhecido como cabeça branca, para que deixassem as terras. O conflito só acabou quando a Fundação do Índio (Funai) oficializou a área de 26 mil e 240 hectares, como propriedade dos Apurinãs. Hoje, eles são exemplo de um povo que busca melhoria de vida, por meio da tradição.

ORGANIZAÇÃO - Antes, os Apurinãs viviam apenas da agricultura. Com a criação da Associação dos Artesãos Manejadores Indígenas Apurinãs (Asamina) estão se organizando. Dez famílias associadas produzem artesanato para comercialização. O Pesacre é o principal intermediador nas vendas, mas tudo é decidido pelos próprios índios. A pesquisadora Mirna Pinheiro diz que "o trabalho que estamos fazendo é muito cuidadoso, Temos que fazer lentamente. Do contrário acabamos atropelando eles. E a prioridade é o que eles querem. Damos apenas um auxílio". Cada família ganha por produção. Eles já expuseram o trabalho em feiras. A última que participaram foi no Rio de Janeiro. Agora estarão na feira do Empreendedor, aonde deverão apresentar em torno de 500 peças. De 1 a 5 de setembro, irão para a Feira de Produtos da Floresta (Flora). E pretendem, ainda, participar da feira Mão de Minas, em Minas Gerais, em novembro.

Sementes são identificas com GPS

Entre os cursos que o Pesacre realizou na tribo, por meio de convênio firmado com o Fundo Nacional do Meio Ambiente, do qual foi feito também o material de divulgação do trabalho da associação, como Cd-rom e catálogo de amostra das peças de artesanato, foi ensinado o manuseio de GPS, para que fosse feita a identificação da área a ser trabalhada por meio do manejo. Atualmente, os índios trabalham com 20 piques de tucumã - como são chamadas as árvores identificadas de onde colhem as sementes-. A identificação, segundo o tesoureiro da Asamina, Raimundo de Souza, (Taãma), é para estudar a produtividade do local e as novas árvores que surgem em volta. "Identificamos árvores aqui na área de capoeira e na mata virgem para ver qual produz mais. Só que a gente ficou surpreso, porque não tem muita diferença. Então as árvores que estão crescendo aqui produzem até mais que as da mata virgem, por isso temos de identificar e cultivar elas", conta.

Animais facilitam coleta das sementes

O dia-a-dia dos Apurinã mostra que algumas tradições resistiram ao tempo. O respeito que os mais velhos têm pela mata é visto e exercido pelos novos através do manejo, que traz o respeito ao processo natural entre floresta e animais. Na coleta da matéria-prima, feita na maioria das vezes pelos homens, há o cuidado em retirar as sementes do chão (jarina e tucumã) depois que animais como paca, cutia, queixada e quatipuru, se alimentam da massa dessas sementes."Esse é o certo. Os bichos facilitam nosso trabalho se alimentando, porque tiram a massa das frutas', diz o presidente da Asamina, Francisco Marcos de Oliveira Apurinã (Kumãin Yauriru).

APERFEIÇOAMENTO - Depois de colhida a semente, as mulheres entram em ação com o trabalho de limpeza. Na oficina, todos trabalham em horário definido por eles, devido a única fonte de energia ser um gerador, que funciona somente para a confecção das peças. Depois de furada e polida as sementes de jarina, paxiubão, tucumã, inajá, paxiubinha, cibipiruna, mulungu, açaí e murmuru e tecido o cipó de carrapicho, a criação das pulseiras, colares, anéis, brincos e gargantilhas são feitas com a criatividade de cada e na casa dos deles.

O mais antigo da tribo

Um dos índios mais antigos da tribo, Antonio Miranda Apurinã, (Korãma), 85, sempre trabalhou na agricultura, mas diz ser a favor do artesanato, desde que os homens não deixem de plantar. Korãma também ficou bastante entusiasmado com a idéia do resgate da cultura. Disse que tem vontade de ver os novos falando e dançando do jeito que seus pais lhe contaram. "Aqui o pessoal só fala português e daí eu também deixei de falar a nossa língua. Mas agora vamos aprender de novo, porque a gente tem valor", fala o velho índio.

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