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Apoena Meirelles é assassinado em Rondônia

O Globo, O País, p. 5
11 de Out de 2004

Apoena Meirelles é assassinado em Rondônia

Sertanista levou dois tiros em assalto num caixa eletrônico; PF investiga envolvimento de garimpeiros no crime
O sertanista e ex-presidente da Funai Apoena Meirelles foi morto com dois tiros após um assalto na noite de sábado, quando deixava a agência do Banco do Brasil em Porto Velho, capital de Rondônia. A Polícia Federal trabalha com a hipótese de crime encomendado. Apoena, de 55 anos, foi o primeiro branco a fazer contato com os cintas-largas na década de 60. Era um dos últimos representantes de uma geração de sertanistas que teve nomes como o pai de Apoena, Francisco Meirelles, e os irmãos Villas-Bôas.
O sertanista era coordenador-geral de documentação da Funai e intermediou as negociações da PF com os índios cintas-largas da reserva Rosevelt, após a chacina de 29 garimpeiros em abril deste ano.
A PF suspeita de crime por encomenda por causa do envolvimento do sertanista na discussão sobre o garimpo em reservas indígenas. Apoena era coordenador do grupo de trabalho do governo federal que estuda a regulamentação de mineração em terra indígena. Segundo o presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, Apoena estava encarregado de comunicar aos cintas-largas a decisão do governo federal de fechar o garimpo e buscar uma nova legislação para a mineração da região, rica em cassiterita, ouro e diamantes.
Na hora do crime ele estava com uma funcionária da Funai, identificada como Cleonice, que ajudou a fazer o retrato falado do criminoso. O assassino fugiu levando o dinheiro. Segundo a Funai, o diretor-geral da PF, Paulo Lacerda, e o Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, darão agilidade às investigações em conjunto com as polícias Civil e Militar.
Gomes lamentou a morte de Apoena e disse que o crime tem que ser apurado, não só com a versão de latrocínio:
- É uma imensa perda para o indigenismo brasileiro. Ele era amoroso e ao mesmo tempo firme com os cintas-largas. Vamos apurar o caso até o fim.
Segundo informações do assessor da presidência da Funai, Vitorino Nascimento, a funcionária Cleonice afirmou que um rapaz, aparentando 18 anos, aproximou-se dos dois no caixa eletrônico e anunciou o assalto. Apoena teria posto o dinheiro na carteira e, ao dar um passo na direção do assaltante, levou um tiro no peito. O rapaz fugiu. Apoena correu atrás dele e houve o segundo disparo. A perseguição continuou e o assaltante fez o terceiro disparo, atingindo Apoena no abdômen. Ele morreu a caminho do hospital.
O assessor da Funai disse que a polícia já fez um retrato falado do assaltante e está à procura do assassino, junto com a PF. As câmeras de vídeo do banco serão usadas para descobrir a identidade do criminoso, que fugiu de bicicleta.
O corpo de Apoena foi levado a Brasília para ser velado na sede da Funai e hoje será trasladado para o Rio de Janeiro, onde será enterrado. A mãe, os filhos e a mulher do sertanista moram na cidade.

Sertanista nasceu numa aldeia xavante
Assessor da presidência da Funai diz que Apoena desafiava interesses do crime organizado
Apoena Meirelles nasceu numa aldeia xavante em Pimentel Barbosa (MT). Com um ano já acompanhava o pai, Francisco Meirelles, responsável pelo contato com os índios xavantes, em missões. Seu nome era uma homenagem a um líder xavante e significa "o que enxerga longe". Já em 1985, quando iniciou seu período de pouco mais de seis meses à frente da Funai, dizia pertencer à última geração de sertanistas do país.
- Acabou a era romântica no indigenismo. Em breve, os índios não vão mais precisa de porta-vozes - dizia ele.
Com apenas 18 anos, Apoena Meirelles e o pai, em 1969, foram os primeiros homens brancos a entrar em contato com os cintas-largas. Aposentado, foi convidado recentemente pela Funai a voltar ao trabalho para atuar como interlocutor junto aos índios e órgãos governamentais.
Em abril, defesa da suspensão da mineração
O sertanista estava no meio da guerra pela mineração na reserva Roosevelt, na região de Pimenta Bueno (RO), que envolve os cintas- largas, garimpeiros de todo país e grandes empresas nacionais e multinacionais pela extração de ouro, cassiterita e diamantes. A região se transformou num barril de pólvora e palco do assassinato de centenas de pessoas.
- Apoena estava trabalhando contra o garimpo na reserva, estava mexendo com o crime organizado - disse o assessor da presidência da Funai, Vitorino Souza.
Em entrevista ao GLOBO logo após desembarcar em Porto Velho, em abril, após a chacina dos garimpeiros na reserva Roosevelt, ele defendeu a suspensão da mineração em área indígena até que a atividade fosse regulamentada:
- A lei proíbe a exploração de garimpo em área indígena, a não ser pelos próprios índios. Isso é uma coisa que tem que ser discutida dentro do Congresso. Diante desse problema atual, tem que suspender todas as atividades de exploração que estejam acontecendo nem que seja necessário reforçar o apoio policial, o apoio militar. Se necessário, até pedindo intervenção do Exército, das Forças Armadas, na área - disse ele.
Figura polêmica, ganhou em 1980 a inimizade de colegas porque manifestou solidariedade ao então presidente da Funai, coronel Nobre da Veiga, que demitira antropólogos e indigenistas contrários à permanência de militares à frente do órgão. Mas mesmo os inimigos respeitavam sua postura ética.
Apoena ficou conhecido por sua recusa em barganhar com os interesses dos índios.

Massacre na reserva
Em Abril, garimpeiros que atuavam ilegalmente na reserva Roosevelt, dos índios Cintas-Largas, em Rondônia, pediram ajuda às autoridades para resgatar colegas em poder dos índios na Grota do Sossego, mina de onde retiravam diamantes. Os 29 garimpeiros foram mortos pelos Cintas-Largas a golpes de borduna, flechadas e tiros. No fim de Abril a PF havia identificado 12 índios Cintas-Largas que participaram do massacre. A PF admitiu que um de seus agentes vendera armas aos índios.
O contrabandista de pedras preciosas Marcos Glika também foi acusado pela PF de usar armas para pagar parte de um diamante comprado na reserva.

O Globo, 11/10/2004, O País, p. 5

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