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Apesar da presença do Exército, tensão aumenta no Sul do Pará

O Globo, O País, p. 4
22 de Fev de 2005

Apesar da presença do Exército, tensão aumenta no Sul do Pará

Soraya Aggege

Apesar da presença de dois mil soldados do Exército e da Polícia Federal no Pará, vários pistoleiros começaram a cercar ontem cerca de cem famílias de sem-terra que ocupam a Fazenda Araiaporã, em Redenção, no Sul do Pará. O alerta chegou ontem à tarde ao Incra e à Ouvidoria Agrária Nacional, que pediram o deslocamento de uma equipe da PF para a região. A tensão aumentou no Sul e Sudeste do estado, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Xinguara.

"A situação se torna explosiva. Vários pistoleiros estão chegando à área. Os sem-terra estão cercados e ameaçados, não podendo mais sair e a qualquer hora pode estourar um conflito violento", diz uma mensagem enviada pela irmã Maria Madalena dos Santos, da CPT em Xinguara, para o ouvidor, José Gersino de Sousa Filho.

Morte de frei vale R$ 100 mil

O frei francês Henry des Roziers, advogado da CPT em Xinguara, que encabeça a lista de religiosos marcados para morrer no estado, pediu ajuda ao governo para que sejam protegidas as cem famílias de sem-terra e os líderes mais ameaçados em Rondon do Pará e Altamira.

- Estão chegando mais pistoleiros, e as famílias estão lá, completamente desprotegidas e muito desiludidas. O Incra fez muitas promessas e não cumpriu nenhuma. Isso aumentou muito a tensão - disse Frei Henry.

Uma tabela de preços da pistolagem, que circula no Pará, mostra que a vida de Frei Henry vale R$ 100 mil, o dobro do que teria custado a execução da irmã Dorothy Stang.

- Eu não me sinto especialmente ameaçado. O pior são as famílias e os líderes, em Rondon do Pará e Altamira. A situação deles, sim, é mais explosiva. Os fazendeiros que denunciamos aqui estão soltos e impunes. Isto é perigoso demais. Mas não vamos parar de viver por medo da morte. Pode acontecer comigo o que aconteceu com Dorothy, mas há pessoas mais ameaçadas - disse o frei.

Segundo Frei Henry, a responsabilidade por uma eventual tragédia é do Incra, que não fez reforma agrária. A assessoria do órgão informou que aguarda análises mais conclusivas sobre a grilagem para desapropriar as terras e que pediu ontem à tarde o deslocamento da PF para a região de Redenção.

Impunidade ajuda mandantes

Além da fazenda, que está ocupada desde o dia 9, há outros focos de conflito na região. Em Conceição do Araguaia, há uma ocupação com 200 famílias na chácara Sossego do Papai. Segundo frei Henry, a qualquer momento as famílias podem ser despejadas e reagir. Ontem houve também um bloqueio da estrada que liga Conceição do Araguaia a Redenção.

- Estão todos muito revoltados com o Incra. Essas famílias passaram dois anos acampadas em estradas, antes de ocupar áreas que o Incra diz serem griladas - explica frei Henry.

Mas o que mais revolta o religioso é a impunidade, principalmente dos mandantes. Adilson Carvalho Laranjeira, ex-prefeito de Rio Maria, e o fazendeiro Vanturi Gonçalves de Paula foram condenados a quase 20 anos de prisão pela morte do sindicalista João Canuto, em 1985. Até hoje, estão soltos, graças a recursos judiciais.

Entidades pedem ação contra violência

Evandro Éboli e Soraya Aggege

BRASÍLIA e SÃO PAULO. Sindicatos de trabalhadores rurais do Pará, parlamentares do estado e representantes de entidades civis entregam hoje ao governo um pacote de reivindicações para tentar acabar com a violência na região onde foi assassinada a missionária Dorothy Stang. No encontro que terá com o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, o grupo entregará uma lista com 30 nomes de fazendeiros que contratam pistoleiros. A lista está sob sigilo para não atrapalhar a investigação.

Ontem, líderes do MST e da Federação dos Trabalhadores em Agricultura (Fetagri), responsáveis pela maior parte dos acampamentos e das ocupações de sem-terra no Pará, afirmaram que o governo terá uma trégua até o início de março. Depois disso, caso não sejam feitas desapropriações de fazendas griladas, eles darão início a uma onda de invasões.

- Promoveremos uma onda de ocupações para pressionar mais - afirmou Manoel Sarmento, secretário de Política Agrária da Fetagri, que tem 20 mil famílias acampadas no Pará.

Desde o assassinato de Dorothy, seguido da morte de outros líderes, as duas organizações têm feito uma demonstração de força em diversas cidades do Pará, ocupando sedes do Incra, e bloqueando estradas. Na sede de Belém, os sem-terra armaram barracas em todo o terreno e dizem que só sairão após a desapropriação de áreas ocupadas pelo movimento no Pará.

- Há uma guerra civil rural aqui, mas não deram ouvidos sequer à irmã Dorothy. É possível que a gente reaja com uma grande onda de ocupações, em breve - disse Alcenir Monteiro, da coordenação estadual do MST.

Fazendeiros ameaçam colonos, diz deputado

Segundo o deputado federal Zé Geraldo (PT-PA), cuja base eleitoral é a região de Anapu, os fazendeiros, a maior parte grileiros, vêm ameaçando agricultores e posseiros no oeste do Pará. O grupo que está em Brasília pedirá ao governo que mantenha o Exército e a Polícia Federal na região durante o ano todo. O grupo também vai pedir a instalação de mais uma superintendência do Incra, em Altamira.

Ontem, o governo federal, em parceria com o do Pará, começou a fazer uma triagem na lista de 65 pessoas ameaçadas de morte, elaborada pela Fetagri, para oferecer a adesão ao Programa de Proteção dos Defensores de Direitos Humanos, lançado no estado uma semana antes da morte da missionária. Mais recente e menos rigoroso do que o programa de proteção convencional, o novo projeto está sendo implantado no Pará, no Espírito Santo e em São Paulo. As testemunhas do assassinato da irmã, entretanto, devem ser incluídas no programa de Proteção à Vítimas e Testemunhas.

- Os representantes do grupo de trabalho responsável pela implantação do programa vão à região de conflito para identificar os ameaçados. Já recebemos listas da Fetagri, do MST e de deputados. Mas é preciso fazer a triagem. Alguns dizem: 'O assentamento está ameaçado'. Não é possível que todo o assentamento esteja ameaçado. A PF também vai ajudar na triagem - explica o subsecretário de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Perly Cipriano.

Corte de madeira no Pará pode ser proibido por 1 ano

A proibição de corte de madeira na região próxima ao local da morte da freira Dorothy Stang poderá vigorar por até um ano. A medida provisória publicada ontem no Diário Oficial, parte do pacote anunciado semana passada pelo governo, proíbe a exploração de madeira em terras da União na margem esquerda da BR-163 (Cuiabá-Santarém), no Pará, num total de oito milhões de hectares.

A proibição vale por seis meses, mas o governo pode prorrogá-la por mais seis meses, de acordo com a MP 239. A "limitação administrativa provisória" é o instrumento legal criado pela MP e serve de base jurídica para proibir a exploração de madeira na região.

Procurador alertou para crime organizado no PA
Jailton de Carvalho

BRASÍLIA. Não foi por falta de aviso que o Ministério da Justiça e o governo do Pará deixaram de adotar medidas que pudessem inibir crimes como o assassinato da missionária Dorothy Stang, no último dia 12. Em setembro de 2003, o procurador da República Mário Lúcio de Avelar elaborou um relatório sobre o avanço do crime organizado e da grilagem de terras públicas no Pará, especialmente entre Altamira e São Félix do Xingu, a Terra do Meio.

O documento foi encaminhado à Polícia Federal e ao procurador-geral da República, Cláudio Fonteles. Avelar explica como fazendeiros, madeireiros e pistoleiros se juntaram para invadir terras públicas, explorar madeiras nobres e, em muitos casos, matar os adversários.

O documento aponta o envolvimento de servidores do Incra, do Ibama, do Banco da Amazônia (Basa) e do Instituto da Terra do Pará (Iterpa) com falsificação de documentos e a concessão de financiamentos suspeitos que facilitavam a ação dos grileiros. O procurador cita o nome de mais de 20 pessoas, indica quais são os crimes que cada uma cometeu e, em alguns casos, fornece números de telefone e os endereços onde elas poderiam ser encontradas.

"O pistoleiro substituiu o policial", diz Avelar

"A região de São Félix do Xingu e Altamira encontra-se dominada pela presença ativa do crime organizado", informou o procurador. Segundo ele, na ausência do Estado, os fazendeiros invadiam terras e contratavam pistoleiros, inclusive policiais, para assegurar privilégios e até mesmo matar os inimigos. "O pistoleiro substituiu o policial, isto quando policial não virou pistoleiro ou os dois não trabalham juntos", diz Avelar.

O procurador sustenta ainda que, encorajados pela impunidade e pela facilidade da prática de todo tipo de crime, os fazendeiros e madeireiros estavam invadindo até mesmo terras indígenas. Alguns destes fazendeiros chegaram até ser beneficiados com financiamento públicos.

O Globo, 22/02/2005, O País, p. 4

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