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Aos 32 anos, indígena do povo Puyanawa, no Acre, ganha bolsa para cursar doutorado nos EUA: 'Sonho'

G1 AC - g1.globo.com/ac
Autor: Janine Brasil
29 de Set de 2021

https://g1.globo.com/ac/acre/natureza/amazonia/noticia/2021/09/29/aos-3…

Jósimo Constant (Kãdeyruya na língua nativa) será pioneiro de sua tribo a cursar doutorado em ciências políticas nos EUA. Jovem indígena já tem mestrado pela UnB em sociologia e conclui doutorado em antropologia social no Museu Nacional da UFRJ, no Rio de Janeiro.

"Essa oportunidade, para mim, é um sonho". Orgulhoso, é com essa frase que o indígena Jósimo da Costa Constant (Kãdeyruya na língua nativa, que significa o bom professor) de 32 anos, conta como conseguiu uma uma bolsa de estudos integral para cursar doutorado em ciências políticas nos EUA.

Nascido na aldeia Barão, no município acreano de Mâncio Lima, que faz fronteira com o Peru, Jósimo é um dos 660 indígenas da etnia Puyanawa, de acordo com o último levantamento feito em 2018 pela Comissão Pró-Índio Acre, que mora na região.

Antes de falar como conquistou uma vaga para cursar doutorado nos EUA, ele faz questão de contar um pouco da sua história. A inspiração para os estudos veio do pai, que é professor formado em pedagogia pela Universidade Federal do Acre (Ufac), e ainda dá aulas aldeia onde moram. Ele conta que quando via o pai ensinando aquilo lhe encantava.

"Minha maior inspiração veio do meu pai, ele é o meu maior herói, acompanhei de perto a luta dele para se formar, passamos por muitas dificuldades financeiras. Meu pai atuava como professor e eu achava muito bonito ser professor. Eu sempre dizia que queria ser como meu pai , e isso chegou, porque quando nós retornamos para a aldeia eu também virei professor."

Quando era pequeno, ele e a família tiveram que deixar a aldeia para que as irmãs mais velhas pudessem estudar. Ele lembra que foi um período difícil e teve que se adaptar à vida na cidade.

"Tivemos que sair da aldeia e ir morar no município vizinho, Cruzeiro do Sul, para que minhas irmãs pudessem terminar os estudos, pois lá na aldeia só tinha até o quinto ano do ensino fundamental. Nós passamos por muitas, muitas dificuldades", relembra.

1o indígena formado pela UnB

Foi em Cruzeiro do Sul, aos sete anos, que Jósimo começou a ser alfabetizado. Depois, concluiu o ensino médio também na cidade em 2006. Ele fala que após se formar participou de uma seleção por meio de um convênio entre a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Universidade de Brasília (UnB).

"Eles [Funai e UNB] tinham esse convênio onde aplicavam provas em algumas regiões do país e em Cruzeiro do Sul sempre tinham essas provas, então, eu tentei. Em 2007 meu pai retornou para a aldeia e eu fui junto com ele. Em 2008 dei aulas de língua inglesa na aldeia e depois fui convidado para trabalhar na cidade de Mâncio Lima, fora da aldeia, na escola, onde fiquei até 2012. Depois, em outubro de 2012, viajei para Brasília e comecei a fazer faculdade."

Em 2016, se tornou o primeiro indígena formado em antropologia pela UnB e recebeu um prêmio por melhor monografia.

"No começo foi muito difícil, desde à adaptação financeira, psicológica, por estar longe de casa, até a saber lidar em estar estudando em uma instituição de excelência. Foi bom para mostrar até onde nós, indígenas, podemos ir, podemos ir até onde quisermos", fala.

O indígena também participou do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic) e do Programa de Educação Tutorial (PET) da UnB.

"Com a nossa luta, a dos indígenas, conseguimos isenção no restaurante universitário e auxílio-moradia. Depois também consegui uma bolsa do MEC bem melhor do que a que eu já recebia e aí as coisas melhoraram para mim."

Após isso, o Jósimo continuou na UnB fez outra graduação, dessa vez em sociologia e terminou em 2018, mesmo ano em que concluiu o mestrado em direitos humanos. Assim que começar o doutorado nos EUA, esse será o seu segundo programa de pós-graduação, pois ele está terminando doutorado em antropologia social no Museu Nacional da UFRJ, no Rio de Janeiro ainda este ano.

Inglês na aldeia desde à infância

Uma das paixões do indígena desde à infância é a língua inglesa. Tudo começou quando ele ouvia os missionários americanos que visitavam a aldeia falar. Segundo ele, a língua era diferente, linda.

"Eu via eles [missionários] falando inglês e achava aquela língua muito linda, uma língua bem diferente e aí depois eu sempre via alguns missionários na igreja em Cruzeiro do Sul. Eu, ainda pequeno, ficava olhando aquilo."

Sobre como aprendeu a falar fluentemente inglês, o indígena diz que, inicialmente, aprendeu sozinho. "Como sempre gostei muito de ler, aprendi lendo, escrevendo e sozinho. Tenho muito orgulho disso, lógico que depois ganhei várias bolsas para aprimorar meu inglês, mas, no início, aprendi sozinho e pela curiosidade", acrescenta.

Em 2016, quando recebeu o prêmio de melhor dissertação, Jósimmo ganhou também uma bolsa para estudar inglês na Casa Thomas Jefferson, onde aprimorou seus conhecimentos.

Agora, para aprimorar ainda mais os conhecimentos, já que está de malas prontas para os EUA, Jósimo revela que ganhou outra bolsa como participante do programa Acces E2C, realizado entre março e dezembro deste ano.

Doutorado nos EUA e a realização de um sonho

O mestre foi selecionado pelo programa Oportunidades Acadêmicas Mestrado e Doutorado. O projeto é uma iniciativa desenvolvida há 15 anos pelo EducationUSA, através do network do Departamento de Estado Norte-Americano e da Missão Diplomática dos Estados Unidos no Brasil. O doutorado inicia em 2022.

Sobre a oportunidade de cursar doutorado fora do país, o indígena pretende continuar estudando para dar uma oportunidade melhor para seu filho e levar para às aldeias melhores políticas públicas aos indígenas.

"Essa oportunidade é a realização de um sonho porque, primeiramente, eu venci oito mil alunos, foi um programa extremamente concorrido, muito criterioso, com muitas exigências. Você tinha que ter um bom currículo acadêmico, boas propostas e já dominar o inglês, pelo menos em nível intermediário, então, consegui vencer todas as etapas e, para mim, é motivo de orgulho", fala.

Jósimo que voar ainda mais alto e diz que seu maior sonho é ser diplomata e professor acadêmico.

"Quero mostrar para as pessoas que é possível, que os sonhos, quando você busca por eles, você realiza. Tenho dois sonhos, quero ser professor universitário ou diplomata, gosto muito de trabalhar com cultura, conhecer lugares, sou apaixonado pela diversidade, ou seja, pelos povos indígenas, então, tenho esses dois sonhos."

Assim que retornar ao Brasil após a conclusão do doutorado, o mestre que se engajar na área de políticas de saúde para a população indígena. Ele conta que fora do país, pretende ter novas ideias e implementá-las na comunidade onde mora.

"Com um tempo cuidando da minha mãe, que é doente, vi como algumas coisas na área da saúde precisam ser mudadas. É um sonho poder transformar a minha vida para melhor, da minha família, do meu povo, minha cidade, meu estado."

Orgulho de ser indígena

O indígena diz que mesmo sendo estudado, conhecendo outras culturas, tem orgulho de suas origens e que nunca vai sair totalmente da aldeia.

"Nesse período de pandemia passei todo quase aqui na aldeia, aqui é meu lugar, vou lutar pelo meu povo, para resgatar nossas origens, tenho orgulho de onde vim, do que eu sou e no que eu me transformei", afirma.
Após se instalar fora do Brasil, Jósimo, que é solteiro, pretende levar o filho para lá e, quem sabe, dar uma oportunidade melhor de estudo para ele.

"Quem sabe levá-lo futuramente, quem sabe abrir portas para os jovens, para outras pessoas da nossa cidade, da minha tribo, do município de Mâncio Lima. Pretendo fundar um instituto que tem como finalidade trabalhar com as origens indígenas, esse é outro sonho que ainda eu vou realizar", finaliza.

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