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AO INSTITUTO BRASILEIRO DE MEIO AMBIENTE E RECURSOS RENOVÁVEIS - IBAMA

Cunpir
05 de Mar de 2002

COORDENADOR DAS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS DO GASODUTO URUCÚ A PORTO VELHO - CIDADE DE PORTO VELHO - RO

Prezados Senhores do IBAMA e demais Autoridades,

A Coordenação da União das Nações e Povos Indígenas de Rondônia, Noroeste do Mato Grosso e Sul do Amazonas - CUNPIR, entidade indígena que representa mais de 50 povos dessa vasta região, com sede nesta cidade de Porto Velho, legalmente constituída desde julho de 1996, no cumprimento de suas obrigações estatutárias, na defesa dos direitos e interesses dos povos indígenas, vem por meio deste documento, expor suas preocupações e considerações com relação ao Estudo e Relatório de Impacto Ambiental - EIA/RIMA, do empreendimento em discussão, Gasoduto Urucú a Porto Velho, com uma distância de aproximadamente 522,2 Km de extensão.
Os Povos Indígenas do Brasil, secularmente, nas proposições dos grandes projetos, foram e ainda hoje são considerados como empecilhos ao "desenvolvimento". O discurso estatístico e discriminatório, dos empreendedores justificam qualquer empreendimento. Alegam nas entre linhas do EIA/RIMA em discussão que, os impactos sobre os povos indígenas, no caso do Gasoduto Urucú a Porto Velho por mais prejudicial que sejam, trarão benefícios para milhares de não-indígenas distantes dali, os quais não se importam com o custo social, ambiental, econômico e cultural desses povos. Atingirá cerca de 22 terras indígenas com aproximadamente 4 mil pessoas, distribuídas em 57 aldeias, com 10 etnias diferentes, além dos indígenas de sem e de pouco contato, cerca de 3 etnias, com terras somente identificadas: os Caititu, Catawixi e Juma. Há ainda a exceção de duas que não foram consideradas nos estudos: os Deni e Rimarimã, o que é muito grave.
Historicamente as BR´s Cuiabá a Porto Velho e Acre - 364, Ariquemes a Campo Novo - 421, Porto Velho a Humaitá - 319 e a Transamazônica - 230, facilitaram os acessos às terras indígenas ao longo de seus percursos. As terras indígenas Uru Eu Wau Wau, Karitiana, Kapivari, Karipuna, Kaxarari, Parintintin, Tenharim, Dyahoi e Juma entre outras, são vítimas constantes desse processo desenvolvimentista - devastador.
Pela nossa experiência de sofrimento, construir o Gasoduto de Urucú a Porto Velho significa abrir mais uma frente de expansão e estender durante a vida do Gasoduto (20 anos), ou até que as riquezas naturais existentes nessas terras se esgotem, à exploração irracional à exemplo de RO, via cobras grandes - as rodovias. Trará consigo a expansão de doenças, alcoolismo, violências sexuais (admitidas no EIA) e morte de nossos povos ao longo do trajeto... Não olhar para nossa história/experiência (como os impactos do Gasoduto Urucú a Coari), é relegar ao esquecimento os danos ocorridos, protelando-os para os novos dias, novos empreendimentos e principalmente para as futuras gerações... Vale a pena investir mais de 200 milhões de dólares, para somente 20 anos? Porque o povo brasileiro, inclusive nós, temos que pagar uma conta tão alta? O benefício compensa?
Os nossos povos, habitantes ao longo dos rios, não tem se livrados dos problemas semelhantes aos povos de terra firme. Os Apurinã, Paumari, Banawá são vítimas dos regatões, dos patrões, de madeireiros, palmiteiros e outros.
A situação dos Juma é muito preocupante. Restam atualmente somente 4 pessoas de um povo de mais de 100 até 1964, dizimados por seringalistas. Em 1999 eram 7 pessoas e foram retirados de suas terras pela FUNAI, porque sofriam ameaças à sua integridade física e cultural pelos pescadores, palmiteiros e madeireiros, além das doenças. Uma das 3 jovens Juma havia sido violentada por pescadores e estava grávida. A FUNAI por não oferecer segurança aos mesmos, em sua terra tradicional, transferiu-os para a Terra Indígena Uru Eu Wau Wau, onde o casal de idoso faleceu, em terra estranha. As jovens casaram-se com rapazes do povo Uru Eu Wau Wau e até a presente data os JUMA não foram conduzidos de volta, embora temos cobrado da FUNAI...
Esse exemplo dos Juma demonstra a fragilidade do órgão responsável pela segurança aos indígenas, ao mesmo tempo que deixa claro a dimensão dos problemas futuros para os povos da região com a construção do Gasoduto, ou seja, intensificação das ameaças à integridade física, cultural e aos recursos naturais de suas terras.
O possível aumento da oferta de energia para Lábrea e Humaitá (cfe. EIA), significa atrair mais empresas madeireiras para a região. Com elas mais pressão para as terras indígenas, unidades de conservação, reservas extrativistas entre outros, à exemplo de RO e AC.
O EIA deixa claro a existência de indígenas sem-contato (na T.I. Jacareúba/Catawixi e Caititu - norte do trajeto), e que será construído um canteiro de obras à cerca de 5 Km, ás margens do Rio Mucuin, o que impactará diretamente os indígenas isolados, pois nesse perímetro é área de perambulação. Relatórios de 1995 da FUNAI declaram a existência de vestígios de indígenas sem-contato às margens do Rio Mucuin além dos já citados. Essa afirmação também é feita pelos Karipuna que alegam ter parentes isolados depois do Rio Madeira, no Rio Mucuin. A presença de indígenas sem-contato na parte sul da Terra Indígena Karipuna em RO, reforçam a existência desses indígenas.
No EIA não foi feito nenhum trabalho de identificação de possíveis indígenas isolados ao longo do Rio Mucuin - em sua bacia hidrográfica - havendo evidências inclusive, pelos sítios arqueológicos encontrados próximos do Rio Madeira. É obrigatório e imprescindível, pelo tamanho da obra que, a FUNAI, através do Departamento de Índios Isolados em Brasília, seja convocada a fazer os trabalhos in locu, conforme os critérios estabelecidos para tal identificação pelo referido departamento, o que não foi feito e isso compromete o EIA em discussão. Deixar para fazer estudo durante as obras é colocar em risco esses povos é favorecer sua dizimação.
Essa fragilidade do EIA/RIMA, para nós do Movimento Indígena, se dá devido o tempo utilizado para a realização dos trabalhos de campo (de 02 a 21 do 11 de 2000), ou seja, somente 18 dias. Isso não é tempo suficiente para levantamento de dados primários, suficientes para defender um empreendimento de 522,2 Km, com a diversidade de povos e ambientes que temos na Amazônia, inclusive tendo na ponta do Gasoduto, o estado de Rondônia, com garimpeiros dos recursos naturais à espera de novas áreas para invadir... aqui 1.500 se repete diariamente.
O EIA/RIMA não precisa as distância das terras indígenas com o traçado do gasoduto. As terras indígenas mais suscetíveis à impactos como Jacareúba/Katawixi, Caititu e Juma só estão delimitadas e não demarcadas. Povos indígenas sem contato e de pouco contato não conhecem limites territoriais, contudo cinco (5) ou vinte (20) quilômetros é área de influência direta, é área de perambulação dos mesmos, não indireta como prega o documento em discussão.
A abertura de faixas e acessos para transportar máquinas e homens, alojamentos e canteiros de obras causarão interferências diretas sobre as populações indígenas, (admitido pelo EIA). Os povos indígenas da região, de maior tempo de contato: Apurinã, Paumari e Banawá, vivem nos caminhos da águas, viajam pelos rios da região em visita a parentes, reuniões, tratamento de saúde e comercialização de produtos entre outros. Essa movimentação de máquinas, homens, provocará alteração no cotidiano, pois serão impedidos de cruzar canteiros de obra, ao mesmo tempo terão contato com trabalhadores, logo o contágio de doenças (DST), abuso sexual e trocas desiguais de produtos... Nessas viagens correm ainda riscos de acidentes com embarcações de grande porte e máquinas...
Os campos de trabalhos, as aberturas favorecerão os acessos às terras indígenas/ribeirinhas por trabalhadores e estranhos, com isso a perda de suas riquezas: madeiras, palmitos, peixes, quelônios, caça... Isso porque, o Gasoduto atrairá e favorecerá o aumento de população em Lábrea, Canutama, Localidade de Cristo e Humaitá. A invasão dessas terras se dará a curto, médio e a longo prazo...
A movimentação provocada pelo transporte de materiais nos rios, provocará a diminuição da fauna aquática: peixes e quelônios, base alimentar desses povos, no período da construção e depois com invasores: pescadores profissionais, amadores, cujo acesso será facilitado... Nada será como antes...
No EIA e RIMA é destacado o possível impacto nessas populações com aproximação aos campos de trabalho para venda e troca de produtos - prostituição e até para oferecer serviços. Remetem para o Código de Conduta como medida para reverter esse quadro impactante possível. Contudo no gasoduto Brasil - Bolívia, a Petrobrás também criou esse Código de Conduta, mas o relatório de avaliação dos impactos realizado pela PROBIOMA, ong. ambientalista, destaca em sua análise do GASBOL que a prostituição indígena, o alcoolismo, e alteração nos hábitos culturais foram grandes nos canteiros de obras próximo às Terras Indígenas... Nada será como antes...
A responsabilidade de aplicação do Código de Conduta é das contratadas, não da PETROBRÁS. Essas empresas são movidas por mão-de-obra, por gente...! Estas pessoas não são envolvidas num processo educativo e conscientizador capaz de reverter essa situação, principalmente na relação com culturas diferentes... se em Coari, obra menor, menos trabalhadores, centro urbanizado, esse Código não teve os resultados esperados (aumento: drogas, prostituição infantil, DST...), logo o empreendimento proposto representa uma ameaça drástica e direta à integridade física e cultural das populações tradicionais - a indígena em especial.
Como a FUNAI que, só possui um funcionário na região de Lábrea para atender todos os problemas que envolvem os direitos dos povos indígenas: Paumari, Apurinã, Deni, Rimarimã, Juma, Banawá, Caititu e Catawixi, vai deslocar esse funcionário para acompanhar e orientar para que os indígenas não façam viagem, não vendam seus produtos: peixe, quelônio e artesanato, ou até mesmo procurem trabalho temporário nos canteiros de obra? Se a FUNAI não tem pessoal nem para atividades mais impactantes atualmente como: invasão de madeireiros, pescadores, traficantes... quanto mais para estar à serviço da Petrobrás...
Queremos afirmar também que, o trabalho com indígenas isolados não é feito somente por um antropólogo, mas por uma equipe multidisciplinar da qual o antropólogo faz parte. A decisão de continuar ou não com a obra depende dessa equipe e não de uma só pessoa - o que não dá lisura ao processo. Ao propor um antropólogo definindo os rumos do projeto, é clara a intenção do empreendedor com relação aos povos indígenas...
Queremos destacar ainda que, a proposição como medida compensatória, o desenvolvimento de um Programa para os Povos Indígenas, acompanhados da FUNAI e antropólogo para beneficiar a qualidade de vida das populações indígenas, depende primeiramente da segurança á integridade física de sua Terra - sem invasão... culturalmente nossos povos têm sua subsistência garantida, usufruindo os recursos da Mãe Terra - a ameaça à qualidade de vida ocorre com a interferência externa... Qual qualidade de vida se quer levar para as comunidades indígenas - baseada nos recursos naturais existentes em suas terras, que secularmente vivem dela, ou em produtos externos? Como fica a situação dos indígenas sem contato diante desse programa? Já contam com seu contato e impacto, por isso propõem medidas mitigadoras e compensatórias? O pior é que não definem no EIA ações de fato para desencadear um processo de fiscalização preventiva diante das ameaças à essas terras indígenas, destacadas no EIA...
Enfim, percebemos que nossos povos só ficarão com o prejuízo mais uma vez... Para nós fica a pergunta... Porque não estudam outras alternativas para trazer esse gás? Porque não mudam o traçado para afetar menos possível nossos povos? O que receberemos em troca? Só os prejuízos (pelo que percebemos...)? Se for isso, somos contra esse gasoduto... não podemos continuar a pagar com a vida de nossos parentes esse tal "progresso"... Somos contra Avançar sobre o Brasil, sobre os nossos Povos Indígenas, sobre os ribeirinhos e seringueiros... queremos uma Amazônia Sustentável para todos, com qualidade de Vida sim, baseada nas alternativas, principalmente energéticas, que atendam a nossos Povos...

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