O Liberal-Belém-PA
23 de Out de 2004
Lúcia Hussak van Velthem lança o livro "O Belo é a Fera", que aborda a concepção cosmológica e outras fontes inspiradoras dos wayana
Para os índios wayana, arte e estética são indissociáveis da significação de mundo, estando presente nos mais simples objetos utilitários e também nas pinturas e plumarias utilizadas em ritos, fazendo referência principalmente a elementos da cosmologia ou seres sobrenaturais. A análise desses elementos é tema do livro "O Belo é a Fera - A Estética da Produção e da Preação entre os Wayana", resultado da tese de doutorado em antropologia social da antropóloga Lúcia Hussak van Velthem, editada pelo Museu Nacional de Etnologia Assírio & Alvim, de Lisboa.
Lúcia tem formação em museologia e sempre se direcionou à antropologia da arte. De 1975 a 1995 esteve em contato com os wayana, que habitam o Norte do Pará, Guiana Francesa e Suriname, vivendo relativamente isolados. A maior proximidade deles é com Macapá, por causa da localização. Na tese de mestrado, a pesquisadora do Museu Emílio Goeldi se dedicou a analisar apenas uma categoria artesanal, a cestaria, mas para o doutorado optou por ir a fundo em todas as concepções relacionadas à arte e estética.
Segundo Lúcia, pela concepção cosmológica dos wayana, todos os elementos do universo são decorados desde a criação. Para eles, o ser humano é o único com capacidade de se decorar da forma que quiser em momentos cotidianos e para momentos de culto. "Essa capacidade dá sentido de humanidade às coisas", explica.
A fonte de inspiração para a estética, segundo a antropóloga, vem da sobrenaturalidade e do outro. Grande parte dos elementos representados fazem referência a seres antropomorfos, serpentes ou jaguares. Outra concepção faz referência aos inimigos. "É a autoridade que reproduzem para si em seus corpos e em seus objetos. Quanto maior a distância com o que está sendo representado, mais belo. Os seres humanos precisam ser embelezados para se oporem às entidades sobrenaturais e confirmarem, por esse meio, a sua condição humana", destaca.
Para exemplificar, ela fala sobre uma espécie de cobra sobrenatural na qual os wayana acreditam e que tem vários grafismos ao longo da pele. "Quando eles reproduzem parte desse grafismo, não ocorre metamoforse. Os malefícios da cobra não são transmitidos, mas se em algum momento eles forem reproduzidos por inteiro, vai ocorrer a metamorfose. Para eles, então, não interessa fazer essa reprodução no cotidiano, só em momento de rituais", descreve.
Um desses momentos de metamoforse se dá em ritos de passagem, quando ocorrem "acontecimentos multisensoriais" na forma, com o uso de máscaras; movimento com a dança; som com a flauta, considerada a voz do sobrenatural; e cheiro, que exala da entrecasca da qual a própria máscara é feita. "Esses ritos de passagem marcam a metamorfose do ser humano. Não podemos dizer que ocorre uma catarse, mas marcam uma espécie de reinstauração dos tempos primevos, anulando espaço e tempo contemporâneos", revela.
Auto-estima - Mas não são só nos rituais que os elementos estéticos aparecem. Em cada objeto do cotidiano, da cestaria à cerâmica, até na preparação dos beijus, por exemplo, os grafismos repletos de significados estão lá. "Os wayana dizem que nada foi criado por eles, tudo é copiado do universo", diz. Nas pinturas corporais também existe o que ela chama de unidades mínimas de representação dos três domínios criação. Nas pinturas sempre há uma parte uniforme feita em urucum, representando a identidade humana; os pontilhados, como pintas de uma onça, identificando a natureza; e o listrado, alusão ao arco-íris. Para eles, uma cobra que se levanta, e por isso as listras identificam o ser sobrenatural".
A antropóloga chama atenção também para a categoria de objetos valorizados. É que para ao wayana, cada objeto deve ter uma finalidade única. Se é aproveitada para vários fins, então tem uma força menor. "Cada objeto feito pelos wayana tem que estar pronto para uma função, adeqüando conteúdo e continente. Um cesto para carregar batatas doce só é valorizado quando está com batata doce. Isso é uma forma de valorizar a si, a sua cultura e sua produção. Significa que eles sabem que não estão sozinhos, e por isso se voltam para a auto-valorização, auto-estima".
Lúcia diz que há muito tempo não retorna na tribo, mas pretende em breve viajar para devolver a eles o resultado a pesquisa. Ela também já pensa no pós-doutorado, quando fará um catálogo raisonné, destalhando com identificações e descrições tudo o que há de objetos wayana tanto com os próprios índios, quanto em museus no Brasil.
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