VOLTAR

Anapu sobrevive da madeira, mas vive caos na saúde

FSP, Brasil, p. A8
24 de Fev de 2005

Anapu sobrevive da madeira, mas vive caos na saúde

Anapu é uma cidade de madeira. As casas são de madeira, o dinheiro é de madeira. Até o PT é de madeira, financiada que foi, nas últimas eleições, a candidatura a prefeito de Francisco de Assis dos Santos Sousa, o Chiquinho do PT, pelas maiores serrarias da região.
Principal riqueza da cidade, as árvores de ipê, jatobá, amarelão, maracatiara e cedro são o ouro que fez Anapu saltar de 9.000 habitantes, no ano de 2000, para os atuais 30 mil.
As serrarias, que eram duas há cinco anos, agora são 25. "A exaustão dos recursos naturais no sul do Pará, nas localidades de Itupiranga, Jacundá, Goianésia e Tailândia, trouxe todas as serrarias para a cidade", diz Geraldo Magela, técnico do Incra e braço direito da irmã Dorothy.
"Mas é uma economia predatória", diz um fazendeiro que não quis se identificar, para não se indispor com os madeireiros.
Ele explica como a economia da madeira funciona: "O caboclo que está na terra recebe R$ 200 por uma árvore de ipê, ou R$ 100 por uma de jatobá. Os caminhões param na propriedade do sujeito, derrubam a árvore, colocam ela (sic) no caminhão e levam para a serraria".

Lucro gigante
"Beneficiada, uma árvore de ipê rende seis ou sete metros cúbicos de madeira, que a serraria venderá por R$ 3.000 o metro cúbico. De tal maneira que uma árvore que foi comprada por R$ 200, a um custo de transporte e beneficiamento que não ultrapassa os R$ 3.000, dá um lucro de pelo menos R$ 15 mil, 75 vezes o que foi pago ao dono original da árvore."
Outra forma de exploração da madeira é a chamada "por área". Neste caso, em vez de vender a árvore, o caboclo ou fazendeiro "vende" ao madeireiro o direito de explorar o que quiser, como quiser, em uma área. O madeireiro paga, neste caso, de R$ 3.000 a R$ 4.000 para arrombar uma área de cinco hectares.
É claro que não é qualquer área que serve aos madeireiros. Em primeiro lugar, tem de haver espécies valiosas bem concentradas. Em segundo lugar, tem de ser fácil o escoamento da produção.

Supercaminhões
Anapu está sendo cortada por novas estradas, melhorando o acesso à madeira, e isso faz crescer os olhos dos exploradores da riqueza vegetal. A própria estrada em que irmã Dorothy foi assassinada, que atravessa uma área ainda virgem da gleba Bacajá, é dessas que estão em construção.
O escoamento da madeira ainda é um ponto sensível da economia anapuense. Na prática, os madeireiros só conseguem trabalhar nos seis meses do verão paraense. As chuvas do inverno tornam as estradas intransitáveis, particularmente para os supercaminhões que levam as toras imensas.
Um caminhão Volvo 380 HP, por exemplo, pode puxar até 25 toneladas de madeira por vez. Em um terreno de sobe-e-desce, feito de uma terra vermelha, plástica como argila, as rodas atolam.
Sem tecnologia ou recursos para elevar as pontes sobre os igarapés que atravessam a estrada a cada 500 metros, a saída construtiva foi instalar grandes manilhas, por onde se forçou o rio a passar. Muitas dessas manilhas são reaproveitamento da floresta: toras de madeira cujo miolo foi comido por cupins fazem as vezes de encanamento.

Chuva abundante
O rigor pluviométrico do inverno, que chega a fazer desabar 90 milímetros de chuva em apenas seis horas (ou 90 litros por metro quadrado), encarrega-se de condenar a improvisação: as manilhas não dão vazão à água, e a estrada é solapada pela erosão. O resultado são vias intransitáveis.
Na terça-feira, a reportagem da Folha foi ao local do assassinato de irmã Dorothy a bordo de um caminhão para transporte de tropas do Exército. Com tração nas quatro rodas, o Mercedes-Benz de 184 cavalos levou quatro horas para transpor os 70 quilômetros de estrada que separam o centro de Anapu do PDS Esperança.
Os 23 soldados no caminhão reconstruíram pontes, serraram árvores caídas no meio da estrada e empurraram o veículo sobre lamaçais de meio quilômetro de extensão.
Nesta época, por causa do recesso forçado dos madeireiros, Anapu é uma cidade parada. Deve voltar a viver no verão, que começa, na região, no fim de maio, início de junho.

Exército no hospital
Ontem, havia apenas um foco de atividade intensa no município: o Hospital Municipal, onde o Exército montou um posto de atendimento. Às 13h30, 150 homens, mulheres e crianças aguardavam a reabertura do atendimento para o turno da tarde, que começou às 14h.
O Exército enviou no domingo para Anapu dois clínicos gerais, um ginecologista, um pediatra, dois dentistas, um enfermeiro e um farmacêutico para cuidar da população. Uma média de 750 pessoas estão sendo atendidas por dia, onde antes, com apenas um médico, atendiam-se 50.
"É demanda demais. O que mais temos atendido são casos de malária, leishmaniose, hanseníase e verminose", disse o médico-tenente Fernando Pedro Pereira, 27. "Também tem muita fome", completou a médica-tenente Luciana Reis Ribas Pereira, 27, mulher de Luciano, que atendeu, assim que chegou à cidade, a dois casos de crianças desfalecidas por inanição.
A leishmaniose freqüente é transmitida por picadas de mosquitos. Causa lesões ulceradas na pele, destrói carne e cartilagens e atinge principalmente nariz e orelhas, que ficam expostos. Dezoito casos foram encontrados em três dias de atendimento.
A malária grassa: "De 30 suspeitas de malária que apareceram aqui, as 30 deram positivo", afirma Luciana.

Vermes
A verminose é uma praga. Sem saneamento básico, os cursos d'água no entorno da cidade estão empesteados de Ascaris lumbricoides, Giardia lamblia e amebas. Vania, nome fictício, 14 anos, chegou no domingo ao hospital com febre, dor de barriga e falta de ar. Um raio X mostrou que seu pulmão estava infiltrado. A taxa de leucócitos estava cinco vezes maior do que o normal, indicando um quadro infeccioso. O índice de eosinófilos, também cinco vezes maior, denunciava a infestação da verminose.
A mãe de Vânia contou que ela já havia posto um verme pela boca. Diagnóstico: pneumonia causada pela invasão do pulmão por uma lombriga. Agora, Vânia está melhor. "É a situação mais grave de saúde pública com que já me defrontei", diz a tenente-dentista Talita Carvalho, 23, que já serviu em outras áreas da Amazônia.

No verão melhora
"Não se preocupe tanto minha filha. No verão, tudo aqui melhora", disse à Folha Laura Hintz de Oliveira, 57, comerciante e dona de pousada que chegou à cidade há 21 anos, vinda do Espírito Santo. "Quando pus os pés aqui só tinha o seu Luiz Buchudo. Se a cidade cresceu tanto, é porque deve ter alguma coisa bem boa, não é?", questiona Laura.

FSP, 24/02/2005, Brasil, p. A8

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.