VOLTAR

Ameaça Rio acima

O Globo, Economia, p. 27
31 de Mar de 2013

Ameaça Rio acima
Dez anos após desastre, 12 barragens na divisa com Minas põem em risco Paraíba do Sul

HENRIQUE GOMES BATISTA
Enviado especial
henrique.batista@oglobo.com.br

-CATAGUASES, MIRAÍ E ITAMARATI DE MINAS (MG)- Em 29 de março de 2003, uma barragem de rejeitos industriais se rompeu em Cataguases (MG), espalhando lignina - produto resultante da fabricação de celulose - por 200 quilômetros do Rio Paraíba do Sul e impedindo a população fluminense de utilizar a água, que ficou mais negra que Coca-Cola com a contaminação. Passados dez anos deste que foi um dos maiores acidentes ambientais do país, o Rio de Janeiro ainda está ameaçado por outras 12 barragens de rejeitos de Minas Gerais, que estão próximas a rios da bacia do Paraíba do Sul. O governo mineiro garante que não há riscos de novos acidentes, mas o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) do Rio teme novos desastres ambientais.
São 22 bilhões de litros de rejeitos nessas 12 barragens, o equivalente à produção anual de etanol do Brasil ou a 20 estádios do Maracanã lotados. A maior parte dessas barragens está com rejeitos de bauxita e fica em Itamarati de Minas, Juiz de Fora, Miraí, Mar de Espanha e Descoberto. O temor de quem mora no Rio vem, em parte, pela falta de dados sobre as represas, pois nem mesmo a Agência Nacional de Águas (ANA) sabe exatamente a situação delas.
A desconfiança também existe por causa do histórico de incidentes que ocorreram nas barragens desde o desastre de Cataguases. O caso de maior potencial de contaminação ocorreu em 2008, quando a Votorantim detectou uma falha no isolamento de sua represa de rejeitos de beneficiamento de zinco em Juiz de Fora. A falha poderia ter contaminado rios e o lençol freático com metais pesados, o que seria uma tragédia ambiental com graves consequências para a população que vive abaixo desta barragem, caso do interior fluminense.
'SOFRIMENTO SEM TAMANHO'
Esse não foi o único caso: em Miraí, uma barragem de rejeitos de bauxita, que já havia vazado em 2006, se rompeu em 2007, matando peixes e arrasando propriedades rurais da cidade e da vizinha Muriaé. E as barragens de lignina de Cataguases quase romperam novamente em 2009, o que poderia ter jogado de uma vez 1,4 bilhão de litros de rejeitos no Paraíba do Sul. Essa situação emergencial forçou uma solução inédita: a liberação controlada de efluentes sem tratamento no rio para esvaziar as duas represas, operação concluída em agosto de 2012.
Especialistas alertam que, com rejeitos de mineração, os rios poderiam ser assoreados e a água, proibida para o consumo. Além disso, há risco de mortandade de peixes, inundações e estragos em propriedades. Foi o que ocorreu com o agricultor Jairo Manuel Lacerda Pina, de Cataguases. Ele viu suas terras invadidas pelo barro com "água negra" da celulose em 2003 e não se esquece:
- Ninguém sabe o que eu passei e o que passo até hoje. Muitos saíram daqui para nunca mais voltar, o sofrimento foi sem tamanho.
Rosa Formiga, diretora de Gestão das Águas e do Território do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), afirma que o Rio de Janeiro vai debater a necessidade de se conhecer melhor este risco no primeiro Plano Hídrico do Rio, que será finalizado no segundo semestre:
- Não podemos dizer que essas barragens são bombas-relógio, mas é um perigo que precisamos conhecer. Falta uma integração com as autoridades mineiras, o que só ocorreu de forma emergencial para resolver o caso de Cataguases em 2009, quando, juntos, evitamos outros dois rompimentos de barragens. Na verdade, não sabemos exatamente o risco potencial dessas barragens.
Segundo ela, embora autoridades mineiras indiquem melhora na gestão das barragens, faltam estudos sobre o impacto em caso de acidentes.
- Sabemos que houve melhorias, mas não podemos esquecer que barragens de rejeitos são passivos das empresas e muitas dessas estruturas são antigas - disse.
Márcio Almeida, professor de Engenharia Geotécnica da Coppe/UFRJ, afirma que apesar dos avanços dos últimos anos, ainda falta treinamento para os profissionais que trabalham nessas barragens e para a população. Ele acredita, contudo, que o ideal seria criar um sistema nacional de informações de barragens:
- A fiscalização pode até ser regional, com os comitês de bacia e da população local, mas seria interessante também existirem estudos e um acompanhamento nacionais. Embora o país esteja implementando a Lei das Barragens, esse tipo de controle não existe. A ANA concluiu um primeiro levantamento para conhecer essas barragens e agora inicia uma fase nova para qualificá-las.
- Dependemos dos órgãos que fazem essas fiscalizações. A ANA só é responsável pelos rios federais e por barragens que não sejam para hidrelétricas - disse Carlos Motta Nunes, gerente de Regulamentação de Serviços e Segurança de Barragens da agência.
FISCALIZAÇÃO AGORA É ANUAL
Marília Carvalho de Melo, diretora-geral do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), afirma que a situação mudou muito e que a situação das 361 barragens de rejeitos do estado é muito melhor que a da época dos acidentes. Ela lembra ainda que as informações sobre as barragens são transparentes.
- Há casos em que o controle das barragens é anual, a situação é muito mais segura, contamos com um monitoramento severo - disse, lembrando que o estado está aberto a parcerias com o Rio de Janeiro.
Milton Olavo de Paiva Franco, coordenador do Núcleo de Emergência Ambiental da Secretaria do Meio Ambiente de Minas, acompanhou o acidente de 2003 e é enfático: a qualidade das barragens hoje em dia é muito melhor.
- As próprias empresas estão mais responsáveis e não querem repetir desastres - disse.
Ricardo Barbosa, diretor de Sustentabilidade e Responsabilidade Social da Votorantim Metais, afirma que o que ocorreu em 2008 em Juiz de Fora sequer ameaçou a população. Ele explica que houve apenas uma falha na primeira camada de impermeabilização de uma barragem, mas que a segunda camada não foi afetada:
- Detectamos isso em nossa fiscalização de rotina, esvaziamos a barragem e consertamos a camada de impermeabilização, voltando a usá-la em 2010. A população não sofreu risco.

Brasil tem 520 barragens de rejeitos minerais e industriais
Cataguases viveu polêmica solução de 'contaminação controlada'

CATAGUASES (MG)- O problema das barragens de rejeitos no Brasil vai muito além da Bacia do Paraíba do Sul. Segundo levantamento da Agência Nacional de Águas (ANA), o Brasil conta com 520 destas represas - 264 de mineração e 256 de restos industriais. No total, elas representam 3,8% das 13.529 represas existentes no país. Mas elas estão concentradas em Minas Gerais: são 361 no estado. O Rio tem apenas a barragem de rejeitos da falida Companhia Ingá Mercantil, na região da Baía de Sepetiba, que possuía cerca de dois milhões de toneladas de rejeito impactado, resultantes da produção de zinco e cádmio pela empresa, hoje administrada pela Usiminas, que adquiriu a área em 2008 para transformá-la em um terminal portuário.
- As barragens estão mais monitoradas que no passado. As próprias empresas têm se preocupado mais com isso - afirma Carlos Motta Nunes, gerente de Regulamentação de Serviços e Segurança de Barragens da ANA.
Carlos Barreira Martinez, professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da Escola de Engenharia da UFMG, avalia que a pressão popular e o temor da reação do mercado levou as empresas a um padrão mundial de qualidade de barragens e de fiscalização.
Apesar disso, ele concorda que é preciso dar maior visibilidade à situação das represas:
- As empresas temem os impactos de um desastre, mas em muitos locais faltam estudos dos riscos destas barragens - disse.
ANA: CATAGUASES FOI CASO DE SUCESSO
Essa referência nacional apregoada pelo professor na construção e na fiscalização de barragens de rejeitos não se repete na gestão de emergências.
A mesma barragem, da Florestal Cataguases, que rompeu em 2003, quase passou por acidente semelhante em 2009. Na época, em decisão polêmica, a ANA, em concordância com os órgãos ambientais do Rio e de Minas Gerais, permitiu então a liberação gradual de rejeitos sem tratamento do Rio Pomba, afluente do Paraíba do Sul,
entre 2009 e agosto do ano passado.
No total, foi liberado cerca de 1,4 bilhão de litros de lignina, rejeito da celulose que escurece a água dos rios e a torna imprópria para consumo.
Mas essa liberação foi de forma "paulatina": no período da seca, só eram liberados 10 litros por segundo, quando o Rio Pomba estava com vazão de 70 mil litros por segundo. Mesmo assim, ele fica escuro por um trecho de 300 metros.
A agência conta que sofreu muita pressão, tanto do lado do Ministério Público mineiro - que queria a liberação total o mais rápido possível, por temer novo acidente - quanto do MP fluminense, que queria o tratamento do efluente. Mas o Rio foi convencido de que o tratamento era inviável, pela situação da empresa, que não teria como arcar com estes custos.
- Era melhor aceitar o Rio Pomba como receptor temporário desses rejeitos industriais, de característica orgânica, do que correr o risco de um novo desastre semelhante ao ocorrido em 29 de março de 2003 - afirmou Rosa Formiga, diretora de Gestão das Águas e do Território do Instituto Estadual do Ambiente (Inea).
Marília Carvalho de Melo, diretora do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), afirma que a solução foi a mais adequada: - Fizemos monitoramento de qualidade da água durante todo o período, a população do Rio não correu riscos - disse.
A ANA considerou o caso um sucesso:
- No fim, evitamos um desastre. A liberação sem tratamento assusta, mas a quantidade foi controlada - conta a superintendente de Regulação da ANA, Flávia Gomes de Barros.

Vítimas de casos de rompimentos mineiros ainda esperam justiça
Agricultor reclama da qualidade da terra e pedreiro, de prejuízo

-MIRAÍ E CATAGUASES (MG)- O rompimento das barragens de Cataguases, em 2003, e de Miraí, em 2007, ainda geram dores de cabeça a uma quantidade grande de moradores e produtores rurais da região. As vítimas do acidente da barragem de rejeitos industriais lembram que ganharam a ação, mas ainda não foram ressarcidas.
No caso da represa de rejeitos de bauxita, ainda há 3.500 processos na Justiça, da população de Miraí e Muriaé.
- A gente nunca foi ressarcido, a empresa ofereceu acordo que não resolvia. Até hoje, quando a gente passa o arado na terra afetada pela lama e pela água negra (lignina), ela parece um tijolo - diz João Oliveira, agricultor de Cataguases.
O drama se repete em Miraí.
Mauro Bazote de Oliveira, pedreiro, perdeu tudo dentro de casa com a inundação após o rompimento da barragem da Mineração Rio Pomba Cataguases, que fez a lama resultante da exploração da bauxita invadir sua cidade e Muriaé.
- Eles me ofereceram acordo de R$ 3 mil, mas só o enxoval da minha filha que ia se casar valia mais - compara.
José Farage, gestor ambiental da Florestal Cataguases, disse que vários acordos foram fechados e que a solução de 2009, da liberação controlada de efluentes, não trouxe danos.

O Globo, 31/03/2013, Economia, p. 27-28

http://oglobo.globo.com/economia/dez-anos-apos-desastre-12-barragens-na…

http://oglobo.globo.com/economia/brasil-tem-520-barragens-de-rejeitos-m…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.