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Ameaça para uma geração

CB, Brasil, p. 13
19 de Jan de 2006

Ameaça para uma geração
Estudo do Ministério da Saúde revela que a mortalidade é maior entre crianças do que idosos indígenas: 31% dos óbitos registrados em 2003 em todo o país foram de índios com menos de 5 anos de idade

Paloma Oliveto
Da equipe do Correio

Nas comunidades indígenas brasileiras, a morte chega mais cedo para crianças do que para idosos. Ao contrário do que ocorre com o resto da população, onde, naturalmente, o índice de mortalidade é mais alto entre pessoas com mais de 70 anos, 31% dos óbitos registrados nas aldeias em 2003 foram de crianças de até 5 anos. Enquanto isso, os idosos representaram 27,5% das mortes. Os dados estão no estudo Saúde Brasil 2005, lançado ontem pelo Ministério da Saúde.
A análise dos dados de mortalidade proporcional, segundo a idade, revelou grandes diferenças entre as populações conforme raça e cor. A mortalidade proporcional dos menores de 5 anos de idade foi extremamente alta entre indígenas, sendo quatro vezes maior que a dos pardos nesta faixa etária e 10 vezes a dos amarelos", aponta o relatório. Entre os brancos, somente 5,1 das mortes registradas em 2003, em cada 100 óbitos, referem-se a crianças de até 5 anos.
Para José Arão Marise Lopes, presidente da Associação de Saúde das Sociedades Indígenas de Grajaú (MA), o dado não é novidade. "Estamos sempre alertando que a mortalidade das crianças está aumentando. Os índios saem das aldeias, vão para a cidade e voltam com doenças como tuberculose. Entre as crianças, há muita morte por desnutrição", lamenta o índio guajajara. Ontem, uma menina de 1 ano e 6 meses morreu de diarréia na aldeia Papamel, localizada no município de Arame, também no Maranhão. Na terça-feira, Serena Faustina de Sousa Guajajara, quatro meses, não resistiu à dupla pneumonia e morreu na aldeia Cão Formoso, próxima a Barra do Corda.
No Amazonas a situação não é diferente. Desde ontem, os 35 mil índios do Alto Solimões não contam mais com atendimento básico à saúde. Os médicos e agentes decidiram parar de trabalhar, pois há três meses não há repasse de verbas para o Distrito Sanitário. "A Fundação Nacional de Saúde (Funasa) diz que nosso contrato está irregular. Não é verdade. Em novembro do ano passado ele foi aprovado, mas não recebemos mais o dinheiro para pagar os servidores nem para comprar remédio", explica Nino Fernandes Ticuna, coordenador do Conselho Geral da Tribo Ticuna (CGTC).
Segundo o líder ticuna, a população sofre com doenças como malária e tuberculose. No pólo de saúde, não há mais medicamentos. Ele conta que, na semana passada, uma adolescente de 16 anos, moradora da comunidade Porto Cordeirinho, no município de Benjamin Constant (AM), morreu por falta de remédio. Ela tinha epilepsia e precisava de medicamento controlado. "Não é só criança. Muita gente está morrendo e não sabemos mais o que fazer", lamenta.
Explicação
Por meio da Assessoria de Imprensa, a Funasa alega que os números utilizados pelo Ministério da Saúde, órgão ao qual está subordinada, compreendem uma população de 750 mil indígenas que vivem nas cidades e nas aldeias. O atendimento da Funasa, porém, restringe-se a 450 mil índios - somente os que habitam aldeias. Pelos dados da fundação, a taxa de mortalidade infantil teria caído de 74,6 em cada mil nascidos vivos, em 2000, para 28,5 em 2005.
A Funasa também alega que está avançando na área de saúde indígena. Entre as ações, estão a ampliação da rede de postos de saúde, que passaram de 200 em 1999 para 1.010 no ano passado. Também garante que há acompanhamento nutricional de crianças para evitar novas mortes como as que ocorreram no início de 2005, quando 21 crianças da etnia Guarani-Kaiowá não resistiram à desnutrição. A fundação anunciou que, em abril, fará grande campanha de vacinação indígena.
O representante em Brasília da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Paulino Montejo, não vê melhorias. "Teoricamente, o modelo que a Funasa desenvolveu, com participação direta dos índios, é ótimo. Mas o dinheiro não chega às aldeias. Há muita burocracia", acredita. Ontem, Roberto Lustosa, vice-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão responsável pela saúde indígena até 1999, disse à Rádio Nacional que os dois órgãos deverão se aproximar para melhorar o atendimento nessa área.
"Nós sentimos que há um emperramento burocrático na instituição (Funasa), que a nova direção está procurando corrigir, isso é a causa dessa lentidão na melhoria do atendimento", disse Lustosa. "Esses órgãos têm que trabalhar juntos, porque é inaceitável que os recursos disponibilizados para assistência ao índio se dispersem e se percam, em vez de serem multiplicados e potencializados por uma ação conjunta", afirmou.
Montejo garante que os líderes de comunidades indígenas preferem a Funai longe da gestão da saúde. "Eles mal dão conta das terras indígenas, imagina se tiverem de cuidar novamente da saúde", ironiza. Ele se refere à afirmação feita na semana passada pelo presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, de que no Brasil já há muita terra para índios.

COIAB LANÇA MANIFESTO
A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), divulgou manifesto ontem em resposta às declarações do presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Pereira Gomes, feitas em 12 de janeiro. Na ocasião, o antropólogo afirmou que os índios têm terra demais. "Até agora não há limites para suas reivindicações fundiárias". A Coiab reagiu: "O volume reduzido de terras indígenas regularizadas e a situação de calamidade pública em que anda a saúde indígena em todo o país não condizem com a retórica de uma política indigenista louvável".
Teoricamente, o modelo que a Funasa desenvolveu, com participação direta dos índios, é ótimo. Mas o dinheiro não chega às aldeias. Há muita burocracia
Paulino Montejo, representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira
Mortes nas aldeias

O estudo do Minstério da Saúde revela a média da taxa de mortalidade por faixa etária, de 2000 a 2004. Entre as crianças, o percentual é mais alto do que o verificado entre adultos.

Faixa etária - Taxa de mortalidade
Até 1 ano - 31,13%
1 a 5 - 14,18%
5 a 10 - 2,55%
10 a 20 - 5,96
20 a 40 - 11,74
40 a 60 - 9,10
60 ou mais - 25,35
Por região (em 2003)
Norte - 34%
Nordeste - 21%
Sudeste - 8%
Sul - 11%
Centro-Oeste - 26%
Principais causas (de 1996 a 2003)
Aparelho Circulatório - 18,9
Infecciosas e Parasitárias - 9,8
Aparelho Respiratório - 9,1
Neoplasias - 7,3
Endócrinas - 5,8
Aparelho Digestivo - 4,0
Fonte: Ministério da Saúde

CB, 19/01/2006, Brasil, p. 13

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