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Ambiente desigual

CB, Brasil, p. 14
05 de Nov de 2004

Ambiente desigual
Indicadores divulgados pelo IBGE mostram que, nos últimos dez anos, o consumo de substâncias destruidoras da camada de ozônio caiu mais de 60%. As terras brasileiras, porém, têm sofrido cada vez mais com queimadas

Maria Clarice Dias
Da equipe do Correio

A qualidade do ar no Brasil melhorou. A da terra, porém, está cada vez pior. Indicadores de Desenvolvimento Sustentável - divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Pesquisas (IBGE) - mostram uma redução expressiva na emissão dos gases poluentes e dos que prejudicam a camada de ozônio. Por outro lado, os desflorestamentos, especialmente na Amazônia e Mata Atlântica, e a desertificação no Nordeste e Rio Grande do Sul aumentam a cada ano no país.
''Essas informações permitem ao poder público a definição de políticas de desenvolvimento sustentável'', diz Guido Gelli, diretor de Geociências do IBGE. ''Já se pode constatar uma melhoria no trato das questões da água e do ar. Mas ainda há muito o que fazer no trato da terra.''
Conforme os indicadores, o Brasil vem reduzindo rapidamente o consumo de substâncias destruidoras da camada de ozônio, superando, inclusive, as metas estabelecidas mundialmente. Essa redução começou no início dos anos 90. De 11,1 mil toneladas de CFC, em 1992, o Brasil passou a consumir 4,4 mil toneladas em 2003.
O uso caiu especialmente em refrigeradores (de 5,8 mil toneladas em 1997, para 3,5 mil toneladas, em 2003); espuma (de 4,1 mil toneladas para 353 toneladas no mesmo período); aerossóis, solventes, extintores de incêndio (de 107 toneladas para cinco toneladas).
O relatório do IBGE indica que a emissão de gases poluentes, como o monóxido de carbono, caiu ou tem se mantido estável nos últimos oito anos. No Rio de Janeiro, por exemplo, a redução foi de mais de 95% de 1995 a 2003. Em São Paulo, a tendência dos últimos seis anos é estacionária.
A notícia parece boa. Mas, segundo Marcelo Furtado, diretor de campanhas da organização não-governamental Greenpeace Brasil, o levantamento não inclui a emissão de gás carbônico (CO2) das queimadas na Amazônia. ''Os dados do IBGE falseiam uma realidade alarmante'', avalia. ''O impacto na qualidade climática do país em função do desmatamento da floresta já é perceptível até na alteração do regime de chuvas no Sul do país.'' O Brasil, atualmente, é o sexto maior emissor mundial de CO2. Estima-se que dois terços dessa emissão sejam provocados exatamente pelo fogo na floresta
Tudo piorou
Na terra, ao contrário do ar, a situação não está nada boa. Conforme o IBGE, a tendência de queimadas no país é de aumento, especialmente nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul. O uso do fogo, prática tradicional para a renovação de pastagens e liberação de novas áreas destinadas a atividades agropecuárias, é cada vez mais freqüente. Normalmente, as queimadas são autorizadas por órgãos ambientais.
O fogo permitido e os incêndios que fogem ao controle representam uma das maiores ameaças ao ecossistema brasileiro. Cerca de 15% da Amazônia estão desflorestadas. De 1998 até 2003, o número de focos de calor passou de 107 mil para 213 mil. Da Mata Atlântica, um dos ecossistemas ameaçados de desaparecer no mundo, restam apenas 10% de floresta nativa. ''O pior é que uma das indústrias com maior potencial de crescimento no Brasil é a do turismo, mas é preciso cuidar do nosso estoque de matéria-prima, que é o meio ambiente. Não podemos matar nossa galinha dos ovos de ouro'', diz Guido Gelli, do IBGE.
''O desmatamento está num patamar muito elevado, mas entre o ano passado e 2004 houve uma redução relevante no total de queimadas'', garante Gilney Viana, secretário de Desenvolvimento Sustentável do Ministério do Meio Ambiente. Viana diz que os números serão divulgados ainda em novembro. Segundo ele, o governo começou este ano a execução do Programa de Combate ao Desmatamento e Queimadas na Amazônia, que envolve fiscalização, monitoramento, repressão, estímulo a bons projetos de manejo. ''Fizemos o dever de casa, mas ainda falta muito'', admite. ''Mas estamos construindo uma linha decrescente.''
A desertificação também piora a cada ano no Brasil. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, há no Nordeste uma área de quase cem mil quilômetros quadrados com forte tendência à desertificação. O fenômeno já é realidade para quase 380 mil moradores de 15 municípios nordestinos. Eles vivem em uma área de mais de 21 mil quilômetros quadrados e sofrem os efeitos de um alto índice de aridez.
No Brasil, quatro núcleos nordestinos são os que mais sofrem com a desertificação: Cabrobó (PE), Gilbués (PI), Irauçuba (CE), e Seridó (RN). Muito por causa do mau uso da terra, com exploração exagerada de recursos naturais. No Cerrado, apesar dos poucos dados disponibilizados pelos estados do Centro-Oeste, o fenômeno é também gravíssimo.

Um pouco mais da realidade
Saúde e saneamento

O total de internações hospitalares por doenças relacionadas ao saneamento ambiental inadequado teve uma queda agressiva em nove anos. Em 1993, foram registradas 730 internações por grupo de 100 mil habitantes. Em 2002, o total foi de 375 internações por grupo de 100 mil habitantes. O resultado mostra que a melhora no acesso a água, esgoto e tratamento de lixo influencia diretamente na qualidade de vida. O Distrito Federal tem o menor registro de internações nesse quesito, com 120 casos por 100 mil habitantes.

Água
Em geral, o tratamento de água melhorou no Brasil. As situações mais críticas de qualidade da água foram encontradas nos rios Tietê, em São Paulo, no rio das Velhas, que corta Belo Horizonte, e Ipojuca, que atravessa cidades industriais de Pernambuco.

Coleta de lixo
Embora a quantidade de lixo que recebe destinação final adequada no país ainda seja pequena (menos da metade), houve uma melhora significativa nesse processo. Em 1989, de um total de 96 mil toneladas de lixo coletadas diariamente no país, 29% tinham destinação adequada. Em 2000, 40% das 228 mil toneladas de lixo coletadas iam para estações de tratamento.

Homicídios
A mortalidade por causas violentas aumentou 50% em nove anos. Em 1992, o coeficiente de mortalidade por homicídio era de 19,21 para cada 100 mil habitantes. Em 2001, foi de 27,84 por grupo de 100 mil. Os homicídios atingem doze vezes mais os homens que as mulheres.

Reciclagem
O país onde apenas 2% do lixo produzido é coletado de forma seletiva é também recordista mundial em reciclagem de latas de alumínio. Ano passado, essa matéria-prima reaproveitada chegou a 89% do total consumido pelas indústrias. Essa melhora, no entanto, está mais associada ao desemprego e à pobreza do que à conscientização ambiental.

Área protegida cresce 60%
As terras no Brasil vêm sofrendo duas fortes pressões antagônicas: de um lado, a expansão da fronteira agrícola, principalmente no cerrado e ao sul e leste da Amazônia, com a substituição da vegetação nativa por cultivos e pastagens. De outro, o aumento de terras protegidas, para recuperação de áreas degradadas. Essas áreas protegidas são voltadas à preservação da fauna, flora e de outros recursos naturais. O que impede o seu uso para a agricultura, pecuária ou silvicultura.
Entre 1992 e 2003, o total de área protegida no país passou de 150 mil quilômetros quadrados (km²) para cerca de 240 mil km². No entanto, as áreas destinadas à preservação e conservação dos recursos naturais estão abaixo da média mundial, que é de 5%. O único que se aproxima dessa média é a Amazônia, com 4,86% da área protegida. A caatinga, Mata Atlântica e campos sulinos não chegam a ter 1%.
Mesmo com o aumento das áreas protegidas, o roubo e o comércio ilegal de animais vêm crescendo. O Brasil está entre os 12 países dotados da chamada megadiversidade animal. Juntas, essas nações abrigam 70% da biodiversidade total do planeta. Mas a construção de represas, a destruição de matas e manguezais, a poluição de rios e áreas costeiras estão entre as maiores ameaças para a fauna aquática. Além disso, há 398 espécies animais terrestres ameaçadas de extinção, 190 a mais do que em 1989.

Tráfico
Estima-se que o tráfico retire do habitat cerca de 38 milhões de animais, vendidos ilegalmente para outros países. Os mais procurados são aves (82%) como o papagaio, arara, tucano e ema. Esses animais são destinados a colecionadores e pet shops.
Entre os répteis traficados, destacam-se os quelônios (tartarugas e jabutis) e as serpentes. O destino dos quelônios costuma ser a alimentação (carne de caça para restaurantes e casas). As serpentes vão para colecionadores, pet shops e, principalmente, para a extração de veneno. A cotação internacional dos venenos de cobra é altíssima. Varia de US$ 400 a US$ 30 mil por grama. Os maiores compradores são laboratórios farmacêuticos estrangeiros.
O tráfico de animais silvestres é considerado o terceiro maior comércio ilegal do mundo, movimentando US$ 10 bilhões ao ano. O Brasil é responsável por fornecer 10% desses bichos. O Ibama estima que 95% do comércio de animais da fauna silvestre brasileira seja ilegal. Entre os principais países importadores, estão Alemanha, Espanha, Inglaterra, Japão e Estados Unidos. (MCD)

CB, 05/11/2004, Brasil, p. 14

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