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Amazonidades - Nações em conflito Editorial

Jornal do Commercio-Manaus-AM
Autor: Ozório Fonseca
25 de Abr de 2004

As comemorações do Dia do Índio, no dia 19 de abril último, vieram cercadas de notícias de extrema gravidade, mostrando conflitos sangrentos e sinalizações de exacerbação de confrontos entre grupos indígenas e a maioria "branca" da sociedade. O mais chocante foi o que envolveu os cinta-larga e a morte de cerca de 30 garimpeiros que faziam extração ilegal e irregular de diamantes dentro do território daquele grupo indígena, no Estado de Rondônia. Por causa das conseqüências e circunstâncias desse trágico episódio, a mídia deu ao fato, enorme destaque.

Os cinta-larga

No início dos anos 80, quando participava do Projeto Humboldt, que tinha a finalidade de construir uma cidade cientifica auto-sustentável no noroeste de Mato Grosso, tive contato com os cinta-larga num episódio que contei aqui em dois artigos intitulados 'Curiosas Amazonidades 4 e 5'(11 e 18/10/2003).

O contato, apesar de muito assustador no começo, foi cercado de cordialidade e, em nenhum momento se detectou qualquer atitude hostil por parte do grupo que chegou à Humboldt. Além disso, algum tempo depois, os índios levaram um grupo de servidores do Inpa e da Universidade de Mato Grosso até a aldeia, e permitiram que um arquiteto que trabalhava com arquitetura ecológica, fotografasse, suas casas, seus costumes, sua gente e suas vidas, sem qualquer restrição.

Tempos de paz

Apesar da intervenção "branca", daquela época, envolver a construção de uma pequena cidade a cerca de 500 metros do local onde, periodicamente, os cinta-larga vinham pescar às margens do rio Aripuanã, a atitude dos índios foi pacífica. Não sou especialista em questões indígenas e não quero me arvorar a dar palpite em coisas que não entendo, mas, como cidadão, não consigo deixar de me intrigar com a drástica mudança de atitude daquele grupo indígena em duas décadas.

O que mudou

E é nessa condição de Homo sapiens que acompanho o dia a dia da Amazônia, seja como ator, seja como espectador inteligente. Vi, com preocupação, as transformações ocorridas na região, especialmente na porção sudoeste da Região Norte, onde viviam em paz, grupos como os pakáas nova, cinta-larga, nhambiquara etc. Entendo que foi a ausência do poder público que causou as mazelas amazônicas e meu exemplo mais gritante, para esse caso específico, foi o Projeto Humboldt, onde a falta de continuidade destruiu uma das mais arrojadas iniciativa para o nosso desenvolvimento sustentável.

E, vale lembrar que esse projeto foi idealizado e implementado uma década antes da Rio 92, o evento que canonizou o desenvolvimento sustentável como paradigma. O resultado da descontinuidade foi a invasão daquele pedaço do Brasil, por madeireiros, garimpeiros, devastadores, foragidos da Justiça, narcotraficantes, enfim uma horda de aventureiros, sem preparo e sem controle.

Empresários ambiciosos e inescrupulosos com o aval, ou pelo menos com o beneplácito do governo, contrataram pessoas humildes para invadir as terras dos índios, ameaçando a sobrevivência das etnias. E, lembro que aqui, na região de Manaus, muitos anos atrás, o grupo do Padre Calleri foi eliminado pelos waimiris-atroaris num episódio amplamente noticiado pelos jornais da época, que nunca denunciaram o fato de o traçado da BR-174 invadir as terras indígenas.

Aqui, e no oeste, a invasão desordenada, veio acompanhada de uma mudança muito perigosa. Refiro-me à idéia de nação indígena ampliada, por organismos sem controle do poder público, para o conceito de Estado-nação, com territórios e governos autônomos, estrutura judiciária que inclui a pena de morte, políticas próprias de uso do espaço, enfim a criação de uma nação dentro da nação brasileira.

E como todos os conflitos armados de hoje têm raízes étnicas, parece que estamos repetindo aqui esse flagelo mundial, acirrando disputas entre nossas etnias, criando episódios gravíssimos, como esse dos diamantes envolvendo a nação cinta-larga em Rondônia e a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol e as nações macuxi, waipichana, ingarikó etc., em Roraima. A culpa real por esses episódios deve ser creditada aos governantes, todos igualmente identificados pela ambição de chegar ao poder a qualquer custo. Ainda que o preço a ser pago seja a vida de pobres garimpeiros ou agricultores

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