VOLTAR

Amazônia:CPI já!

O Globo, Segundo Caderno, p. 10
Autor: BLOCH, Arnaldo
21 de Mai de 2005

Amazônia:CPI já!

Arnaldo Bloch

A quem interessa, na sociedade brasileira, entregar o ouro ao bandido todo ano, a preço de banana?
Afoto ao lado mostra um dos poucos hábitats protegidos para primatas ameaçados, nos Estados Unidos. Os 400 bichos vivem em liberdade num parque em Miami e o turista que quiser observá-los é que fica enjaulado, em corredores, separados do ambiente natural por grades e telas. Esta semana, quando vi o novo naco arrancado da Amazônia por grileiros e madeireiros, fiquei pensando: coisa engraçada é como falamos mal dos americanos mas conseguiremos - apesar de tudo que reprovamos na terra que pariu Bush mas também Martin Luther King - acabar como eles, ou ainda piores.
O fato de isto ter acontecido justamente numa semana em que a possível instalação de uma nova CPI em Brasília e os chiliques do inelegível Garotinho inflamaram a grande torcida brasileira pelo fim da corrupção e dos desmandos produz úteis reflexões. Alguém já tentou estabelecer um paralelo entre energia despendida pelos proponentes e signatários da atual CPI (e outras) e a vontade política nos últimos anos demonstrada para investigar a fundo a questão ambiental?
Ano a ano a gente vai vendo a Amazônia ser saqueada e dizendo, com cara de bobo: "ah, que pena, tadinha da árvore, olha o mico-leão". E, no final das contas, nosso inestimável e inalienável monumento segue sempre abandonado à deriva, no caminho para sua futura transformação num puta estacionamento, como profetizam tragicomicamente Casseta & Planeta na canção "Caldo verde".
Embora CPIs pontuais de alguma forma resvalem na problemática amazônica aqui e acolá, na hora de enfrentar de maneira sistemática as máfias das queimadas, da exploração clandestina, da grilagem, do tráfico de espécies, da caça predatória, na hora de investigar corajosamente por onde passam os canais do inconseqüente império da motosserra, na hora de aferir a quantas anda a concessão de licenças, acaba ficando tudo no âmbito de reforçar a fiscalização e apurar o que houve, numa tranqüila dinâmica de circunstancialidades.
Alguém tem interesse em descobrir a que ponto a destruição criminosa da Amazônia, do Pantanal, das regiões costeiras, das áreas preservadas e das não-preservadas, até que ponto a omissão e a preguiça, estão relacionados com aspectos político-econômicos?
Quanto dinheiro circula para manter o ritmo da devastação em constante aceleração ao longo do tempo, ou, na melhor das hipóteses, percorrendo um ciclo intermitente e imprevisível, em que a má notícia sempre chega a galope e o bom combate segue a cínicos passos de cágado, isso quando não estaca?
Seria o presidente Lula capaz de dar um soco na mesa e encaminhar às lideranças de seu partido e aos aliados uma proposta de CPI ampla e irrestrita da Amazônia, ou do meio ambiente como um todo, de âmbito nacional? Um colega da redação argumenta que seria uma CPI sem princípio e sem fim, pois o que estaria em questão seria mais o modelo adotado historicamente pelo país e pelos seus dirigentes e sociedade, seria como perguntar "por que o capitalismo brasileiro resolveu destruir a Amazônia?", e aí entraríamos numa questão filosófica-sociológica-histórica.
Então... seriam Lula ou nossos legisladores capazes de investir na mudança deste modelo, em campanhas maciças de mobilização da sociedade, utilização pesada das polícias e das Forças Armadas para atuar na fiscalização? Forças Armadas? Ora, mas se o contingente enviado ao Pará quando do assassinato da freira americana não tinha nem comida suficiente para avançar muito além da base! Aí a gente começa a pensar em fronteiras, em soberania e em outras questões... que pena...

O Globo, 21/05/2005, Segundo Caderno, p. 10

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.