VOLTAR

Amazônia volta a despertar interesse estrangeiro

FSP, Cotidiano, p. C2
Autor: CENEVIVA, Walter
05 de Mar de 2005

Amazônia volta a despertar interesse estrangeiro

Walter Ceneviva
Colunista da Folha

A exploração desordenada de madeira na Amazônia coincide com as referências a novas manifestações, no exterior, segundo as quais toda a planície banhada pelo rio Amazonas e seus heterônimos, o Maranhão e o Solimões, deveria ser considerada bem público da humanidade. Gesner de Oliveira escreveu excelente nota a respeito, sábado último nesta Folha. A floresta seria excluída do controle direto e soberano do Brasil (e dos demais países envolvidos) se uma dessas investidas tivesse sucesso. Os motivos de preocupação a respeito cresceram com a alteração introduzida na Constituição, disfarçada como parte da reforma do Judiciário, integrando imediatamente à Constituição os tratados sobre direitos humanos, um dos quais é o do meio ambiente.
No caso da Amazônia, nem sempre nos lembramos de que as posições a serem adotadas pelo Brasil estão sujeitas às variações políticas e econômicas de países tão distintos quanto a Colômbia, a Venezuela e o Peru. Eles se acham sob direta influência das mesmas condições climáticas, embora o rio corra apenas de nascentes no território peruano ao oceano Atlântico, através de nosso país, a contar do rio Javari.
Nem no plano do direito internacional, nem no do direito constitucional brasileiro, as propostas de confundir a titularidade nacional com um direito público supranacional mereceriam atenção, não fosse o peso das conseqüências que a posição externa poderia gerar. Para compreender o assunto, deve-se reconhecer que certos influxos ambientais dominantes em um país podem extender-se a outros. Merecem, por isso, restrições que o direito internacional explica e aplica. É, por exemplo, o efeito da explosão do reator de Chernobil, estendido sobre larga parte da Europa.
O mais explícito exemplo de influência ambiental danosa sobre outros países é o dos Estadas Unidos, imenso gerador de emissões de carbono, conseqüentes de motores em veículos ou estacionários, ou nas chaminés de grandes indústrias. Explicam a recusa do presidente George W. Bush a confirmar o apoio ao protocolo de Kyoto. O tratado internacional, como conseqüência da evolução do protocolo, resultou irremediavelmente prejudicado. Na regulamentação geral das questões ambientais ou nas deliberações regionais, os tratados e os protocolos são o mecanismo adequado para resolver ou encaminhar as questões surgidas. São regras voluntárias, aceitas pelos países, conforme decisões soberanas que adotam. As relações do Brasil com seus vizinhos, especialmente os integrantes da área amazônica (o sudeste da Colômbia, o sul da Venezuela, o leste do Peru) e da região sul (Uruguai e Argentina, como países marítimos, Paraguai e Bolívia, como nações internas), devem ser norteadas pela reciprocidade de interesses ambientais, cuja força equivale à de outros interesses da política externa do Brasil.
No enxerto espúrio, feito no texto da reforma do Judiciário, a cidadania tem motivo para estar atenta a ameaças possíveis ao território brasileiro e a seus cidadãos. Queremos o meio ambiente saudável. Não podemos querer, porém, que esse bom objetivo sacrifique a soberania nacional ou tenha repercussões danosas para aqueles que aqui nasceram ou aqui moram, mesmo sendo estrangeiros. No que se refira ao resguardo do meio ambiente interno, repercuta ou não fora de nossas fronteiras -cuja situação mais expressiva é a de planície amazônica-, a decisão final deve ser exclusivamente nacional. Firmar e respeitar os compromissos assumidos não é sinônimo de abdicação dos valores nacionais do Brasil e dos brasileiros.

FSP, 05/03/2005, Cotidiano, p. C2

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.