O Globo, Economia, p. 24
Autor: PARENTE, Expedito
18 de Fev de 2007
'A Amazônia vai se transformar numa Arábia Saudita do biodiesel'
Pai do combustível ecológico defende reflorestamento energético na região
Entrevista: Expedito Parente
O professor Expedito Parente inventou, no fim da década de 70, o biodiesel, um combustível ecológico feita partir de plantas oleaginosas como a mamona, o peão-manso e a soja, que podem ser facilmente cultivadas em áreas semi-áridas. Formado em Engenharia Química pela antiga Escola Nacional de Química da Universidade do Brasil (atual UFRJ), esse cearense de 66 anos acredita que o biodiesel será um grande acelerador do desenvolvimento socioeconômico do Brasil e que a Amazônia vai virar uma "Arábia Saudita do biodiesel". Dona da primeira patente mundial do biodiesel, sua empresa, a Tecbio, desenvolve plantas e equipamentos para usinas do setor.
Ultimamente, está debruçado sobre outra invenção, que deverá provocar uma revolução na aviação comercial: o bioquerosene, um derivado do biocombustível já em testes pela Boeing, com o apoio da Nasa.
Isabela Martin
O projeto do biodiesel ficou engavetado por décadas.Por quê?
Expedito Parente: Concebi o biodiesel em 1977. Não houve interesse do governo porque o interesse estava focado no álcool etílico. Havia um lobby dos usineiros e uma crise no mercado internacional do açúcar. Para as indústrias automotivas, o ideal seria que nada mudasse. E as distribuidoras do petróleo têm dificuldades a mais. Mas surgiram forças maiores: a escassez do petróleo e o efeito estufa. A história foi acontecendo de tal forma que as pessoas começaram a ter consciência do aspecto ecológico do biodiesel.
Além do Brasil, onde o biodiesel está mais avançado?
Parente: Em todo o mundo. O presidente (dos EUA) Bush vem ao Brasil para conhecer o programa. Um homem totalmente petrolífero. O álcool é um combustível solitário, para veículo de passeio. O biodiesel é coletivo, para ônibus, caminhões, trens, navios, máquinas agrícolas e geração de energia. Por isso, o programa do biodiesel será maior do que o do álcool. Essa é a minha visão. Tem gente que diz que sou louco. Temos 80 milhões de hectares na Amazônia, que vai se transformar numa Arábia Saudita do biodiesel. Essa área é desflorestada e está em degradação. Será um megaprojeto, não tenho dúvida. Precisamos fazer um reflorestamento energético equilibrado na Amazônia.
Dinheiro para isso não falta. Os próprios recursos dos fundos de energia limpa e de Kioto podem patrocinar. É o modo mais efetivo de resolver o efeito estufa.
Não tem outro caminho.
O país pode virar concorrente de produtores de petróleo?
Parente: Sem dúvida. Enquanto o petróleo está caindo, o biodiesel está subindo.
O senhor é um entusiasta do apelo social do biodiesel.
Parente: Antes, o negócio era o agrobusiness, que emprega máquinas, não gente. O casamento do agrobusiness com a agricultura familiar vai ser fantástico.
Um governo voltado para o trabalho vai ter que privilegiar o emprego, combater a miséria. O biodiesel é um instrumento.
O projeto, desengavetado pelo presidente, está sujeito aos humores de seus sucessores?
Parente: Uma árvore bem plantada é duradoura. Como o biodiesel tem aspectos sociais importantes, ninguém vai ter coragem de mexer com ele.
Qual o potencial de negócios do biocombustível?
Parente: Em 2006, o biocombustível movimentou R$ 3 bilhões. Esses números vão se multiplicar ano a ano. O interesse de importar é grande.
E o bioquerosene?
Parente: É a terceira onda.
Terão outras no futuro. Acho que um dia haverá bioeletricidade.
Como surgiu?
Parente: Quando procurei o ex-ministro da Aeronáutica Délio Jardim de Matos, ele disse que não havia interesse no biodiesel.
E exigiu que introduzíssemos no programa de estudo o bioquerosene. Fiz uma das maiores irresponsabilidades que se pode imaginar: desenvolver algo que eu não sabia como
começar.
Assinei um protocolo, em pleno regime militar. Ninguém bemintencionado vai preso, né? Como sou uma pessoa de sorte, em dois meses tive a idéia. Desenvolvemos, e a coisa andou.
Qual a diferença entre o biodiesel e o bioquerosene?
Parente: O bioquerosene é um subproduto do biodiesel.
O que eu desenvolvi foi a partir do babaçu.
Como estão os testes?
Parente: No exterior, estamos testando na Boeing, com o apoio da Nasa. Acredito que em dois anos poderemos ter vôos experimentais com o bioquerosene. Entrar em comercialização é uma questão mais complexa.
E no Brasil?
Parente: Recentemente o Centro Técnico Aeroespacial (CTA) demonstrou interesse em retomar esses estudos aqui.
Como o senhor teve a idéia de criar um combustível a partir de plantas oleaginosas?
Parente: Estava no meu sítio, perto de Pacoti (região serrana do estado), tomando umas caninhas, numa cachoeira, e olhei para um pé de ingá. Veio a inspiração: vi ali a molécula do biodiesel. No outro dia, surgiram os primeiros 100 ml de biodiesel a partir do óleo do algodão.
O Globo, 18/02/2007, Economia, p. 24
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