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Amazônia tem novo vigia a partir de hoje

FSP, Ciência. p. A15
Autor: ANGELO, Claudio
11 de Set de 2006

Amazônia tem novo vigia a partir de hoje
Imazon coloca no ar sistema independente de monitoramento do desmatamento, que dará taxa mensal da devastação
Ferramenta foi testada com sucesso em Mato Grosso e deve cobrir toda a região Norte até o fim do ano; idéia é prever desmates futuros

Claudio Angelo
Editor de Ciência

Se a Amazônia acabar de fato, não há de ser por falta de vigilância. Uma organização de pesquisas de Belém lança hoje o primeiro sistema independente para monitorar o desmatamento em tempo real, por meio de imagens de satélite. A idéia é ter informações sobre a devastação da floresta disponíveis na internet e atualizadas todo mês -não só para diagnosticar a situação da floresta mas também para prever desmatamentos futuros.
O SAD (Sistema de Alerta de Desmatamento), como foi batizada a ferramenta, é uma criação de uma equipe do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, o Imazon. Ele deve permitir o cálculo mensal da área devastada na região Norte, uma cifra que o governo brasileiro hoje só divulga uma vez por ano -o último dado oficial, referente a 2004-2005, saiu na terça-feira passada, confirmando uma queda prevista de 31,5% na taxa de destruição.
"Assim como a inflação, que tem vários índices, esperamos ter o dado mensal do desmatamento como um indicador a mais", compara Adalberto Veríssimo, pesquisador do Imazon e um dos criadores do SAD.
A analogia é mais do que justificada. Afinal, o que os números do desmatamento divulgados anualmente pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) medem é a perda de um ativo econômico, cujo valor -em forma de seu estoque de carbono, vital para a regulação do clima- agora começa a ser reconhecido pelo governo.
Foi justamente para monitorar as emissões de carbono causadas pelo desmatamento que o SAD foi concebido, com uma doação de R$ 200 mil da Fundação Packard. "Nós precisávamos de um sistema independente de acompanhamento, porque os dados do Deter não tinham muita regularidade", diz Carlos Souza Jr., que desenvolveu a metodologia de processamento de imagens do sistema do Imazon.
O Deter é o sistema de detecção do desmatamento em tempo real do governo, criado pelo Inpe a pedido do Ministério do Meio Ambiente. Ele usa imagens dos satélites americanos Modis para monitorar a floresta e guiar a fiscalização do Ibama sobre desmates ilegais.
O Deter foi criado em 2004 com a promessa de ter dados atualizados de desmatamento na internet todo mês, mas isso nunca aconteceu (leia texto à direita.). O sistema também tem baixa resolução -ele foi feito para ser ágil e não preciso, e só consegue "enxergar" desmatamentos acima de 20 hectares devido a uma limitação do Modis. Por isso o Inpe não o utiliza para calcular a área total desmatada, embora o governo o tenha utilizado para avaliar tendências de desmatamento.

Cego que vê
O novo sistema do Imazon usa as mesmas imagens que o Deter, mas processadas de outra forma (veja quadro à esquerda). Isso amplia sua capacidade de detecção para desmatamentos acima de 5 hectares. O SAD também permite estimar, pela visualização de pequenos desmatamentos, onde o corte raso da floresta tende a acontecer -e fazer alertas.
O primeiro teste do SAD foi feito em Mato Grosso. Até o fim do ano, toda a Amazônia deve ser coberta. Hoje, o Imazon a ONG mato-grossense ICV divulgam um boletim com uma análise da situação do Estado em 2004-2005 e em 2005-2006. O número do SAD para este biênio é de 6.086 km2 desflorestados, algo próximo dos 5.450 km2 medidos pelo Deter. O boletim "Transparência Florestal Mato Grosso" está na internet (www.imazon.org.br).

Outro lado
Iniciativa é é bem-vinda, afirma Inpe

DA REDAÇÃO

O coordenador de Monitoramento Ambiental da Amazônia no Inpe, Dalton Valeriano, elogiou o novo sistema do Imazon.
"É mais do que bem-vindo um levantamento paralelo de desmatamento. Será uma oportunidade para aprimorarmos o Deter."
Apesar de as imagens de satélite serem atualizadas a cada duas semanas, hoje o Deter ainda usa identificação visual, para garantir que os fiscais do Ibama não dêem de cara com um alarme falso. Isso torna o processamento mais demorado. Valeriano reconhece há problema nas atualizações mensais do Deter na internet (www.obt.inpe.br/deter). "Isso é falha nossa. O Deter é feito para servir ao Ibama, e a demanda por dados dele é maior do que eu imaginava". O Inpe promete resolver o problema. (CA)

Quem olha a mata

PRODES
Sistema desenvolvido pelo Inpe e usado desde 1988 para dar a taxa oficial de desflorestamento. Usa imagens dos satélites Landsat, CBERS e DMC, com resolução de cerca de 6 hectares. É o mais preciso mas também o mais lento: a cifra demora um ano para sair. (www.obt.inpe.br/prodes)

DETER
Lançado em 2004 e desenvolvido a custo de cerca de R$ 600 mil, usa imagens dos satélites Modis (Terra e Aqua), da Nasa, para enxergar o desmatamento em "tempo real" -as imagens são atualizadas a cada duas semanas-, iniciativa pioneira no mundo. Tem resolução de 20 hectares e é usado hoje pelo Ibama para fiscalizar crimes ambientais na Amazônia.

SAD
Sistema de Alerta de Desmatamento, recém-criado pela ONG Imazon. Usa imagens dos satélites Modis detectar e prever desmatamentos maiores que 5 hectares. Testado em Mato Grosso, será estendido a toda a Amazônia até o fim do ano, a um custo estimado de R$ 300 mil.

Monitoramento da floresta ainda é "muito genérico", afirma pesquisador

DA REDAÇÃO

Apesar de toda a tecnologia de sensoriamento remoto usada hoje para observar a Amazônia, o conhecimento existente sobre a dinâmica da destruição ainda é grosseiro. A avaliação é de Adalberto Veríssimo, pesquisador do Imazon.
"Estamos trabalhando com o desmatamento de forma ainda muito genérica", afirma. Ele cita como exemplo um estudo publicado na semana passada por um grupo da Universidade de Maryland (EUA), que usou imagens de satélite para estabelecer, pela primeira vez, o total de área de floresta convertida diretamente para soja em Mato Grosso. "Poucos trabalhos têm esse tipo de informação no detalhe", disse.
Veríssimo diz esperar que o SAD possa contribuir para preencher essa lacuna de conhecimento -ou, como ele diz, fazer uma "varredura de inteligência" sobre tudo o que acontece na floresta. Inclusive concorrendo com o Deter, "primo" governamental do SAD. "É uma competição saudável, porque um sistema acaba vigiando o outro", continuou.
E também para aumentar a transparência na divulgação dos dados. "Todo mês a gente vai ter um número, que o Inpe não calcula nesse intervalo. Queremos transferir essas informações para os órgãos ambientais estaduais, para aumentar a "responsabilização" pelo desmatamento ilegal", afirma Veríssimo.
Os dados do novo sistema deverão vir acompanhados de um boletim que analisa mensalmente as tendências para uma determinada região. Na sua estréia, o SAD produziu um mapa com os municípios mato-grossenses onde a pressão sobre a floresta é maior. "Essas regiões, que ainda têm bastante floresta devem ser prioritárias para a criação de unidades de conservação", diz o pesquisador. (CA)

FSP, 11/09/2006, Ciência. p. A15

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