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Amazônia sob a ameaça de virar um cerrado

O Globo, Ciência e Vida, p. 34
28 de Jul de 2004

Amazônia sob a ameaça de virar um cerrado

O aquecimento global e as queimadas ameaçam transformar a maior floresta tropical do mundo numa gigantesca savana, como o cerrado do Centro Oeste. Se a temperatura do planeta e o desmatamento continuarem aumentando no ritmo atual, até 60% da cobertura vegetal da Amazônia podem ser drasticamente alteradas num período que varia de 50 a 100 anos.

Esse cenário foi apresentado ontem, em Brasília, na abertura da III Conferência do LBA - o Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia - pelo coordenador científico do projeto, Carlos Nobre. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, esteve presente à abertura do evento, que reúne 800 cientistas de todo o mundo.

Desmatamento aumentou no ano passado

Segundo Nobre, se a Amazônia sofresse só os efeitos do aquecimento global, mas não houvesse queimadas, de 20% a 30% da floresta seriam transformados em savana dentro de 50 a 100 anos. Marina Silva, entretanto, confirmou que em 2002 foram devastados 23,2 mil quilômetros quadrados da floresta. Em 2003, o número subiu para 23,7 quilômetros quadrados.

- O aquecimento global tem um impacto preocupante - constatou Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). - Mas se houver desmatamento em larga escala, um cenário de destruição de 30% a 40% da cobertura vegetal, em 100 anos teríamos menos da metade da floresta.

A Amazônia já perdeu cerca de 15% de sua cobertura original - 615 mil quilômetros quadrados - e o processo de transformação em savana já seria uma realidade numa faixa de até 300 quilômetros de largura no chamado arco do desmatamento. Nas áreas desmatadas, segundo Nobre, as temperaturas estão de 1 a até 3 graus Celsius mais elevadas do que há 40 anos.

Marina Silva afirmou que um dos maiores desafios do governo é barrar o desmatamento, sobretudo o gerado por queimadas. Ela reconheceu que o governo não está presente em muitos locais da Amazônia e que seu ministério estaria tentando corrigir esse problema histórico.

O coordenador da III Conferência do LBA, Paulo Artaxo, lembrou que 75% das emissões de dióxido de carbono (CO2) do Brasil vêm de queimadas - a grande maioria na Amazônia. O C02 é um dos principais gases causadores do aquecimento global e as queimadas estão colocando o Brasil entre os dez maiores emissores do mundo, embora muito atrás dos grandes poluidores, como EUA e China.

Segundo Artaxo, as medições feitas pelas do LBA na floresta mostram que a Amazônia funciona como um pequeno sorvedouro de C02, cerca de 0,5 toneladas por hectare ao ano.

- Isso é um ótimo sinal, indica que a floresta está prestando um serviço ambiental muito importante para o planeta - afirmou Artaxo.

Marina Silva anunciou que está debatendo com os ministros da Integração Nacional, Ciro Gomes, e da Fazenda, Antônio Palocci, a revisão dos critérios de concessão de incentivos fiscais para projetos da Amazônia. A intenção é condicionar a liberação de dinheiro público apenas a projetos preocupados com a preservação ambiental na região.

Opinião: Fora da redoma

O BRASIL já está entre os dez maiores emissores de dióxido de carbono do mundo, principal gás do efeito estufa, com seus 550 milhões de toneladas anuais. Do total, 200 milhões provêm das queimadas na Amazônia.

ESSA DESTRUIÇÃO, que prejudica tanto o Brasil quanto o mundo, é o grande tema da Conferência da Amazônia. O problema é encontrar a forma adequada de explorar os recursos da floresta - o meio-termo entre a preservação total por que se batem os ambientalistas mais radicais e a devastação generalizada.

A FLORESTA Amazônica não pode ser destruída. Mas também não pode ser posta sob uma redoma.

Exportação de poluentes

BRASÍLIA. A Amazônia exporta fumaça produzida por suas queimadas e provoca alterações climáticas em lugares tão distantes quanto a Argentina e o Paraguai. O estudo foi apresentado ontem, na abertura da III Conferência do LBA, pela coordenadora-geral do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Maria Assunção Faus da Silva Dias. Segundo a pesquisadora, o fenômeno ocorre sobretudo na época de seca na região, nos meses de julho, agosto e setembro, período em que as frentes frias são mais freqüentes no Sul e no Sudeste do país.

- A fumaça das queimadas permanece no ar, a uma altura que varia de cinco a dez quilômetros. Os ventos fortes nessa altura tratam de dispersar a fumaça - explicou a pesquisadora.

A fumaça alcança o Atlântico Sul depois de passar pelo sul do Brasil, o norte da Argentina, o Paraguai e o Uruguai. Numa outra rota, o produto das queimadas passa por cima dos Andes e alcança o Pacífico.

Quando chove e há fumaça em suspensão, explicou a cientista, compostos originalmente estranhos àquelas regiões são lançados ao solo. O fenômeno pode causar mudanças graves, como o extermínio de algumas espécies.

O Globo, 28/07/2004, Ciência e Vida, p. 34

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