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Amazônia partida

O Globo, Ciência, p. 34
07 de Jul de 2011

Amazônia partida
Nos últimos 40 anos seca ficou um mês maior no sul do bioma. Diferença afeta biodiversidade

Renato Grandelle
renato.grandelle@oglobo.com.br

Vista em fotografia, a Amazônia parece um amontoado uniforme de árvores cortado por rios. Mas um novo estudo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostra que a realidade é diferente dos lados norte e sul do bioma. Nos últimos 40 anos, a estação da seca se estendeu por mais um mês no sul. O motivo ainda não é claro, mas as consequências já são conhecidas. Aumentam as queimadas, morrem mais árvores, cai a produção de frutos e, assim, diversas espécies são afetadas.
Durante a maior parte do século XX, a temperatura das águas do Atlântico Tropical Norte ficou cerca de 0,5 grau Celsius acima da média. Em 2010, os termômetros atingiram um recorde.
- A superfície do oceano estava 1,2 grau Celsius mais quente do que a média histórica - lembra José Marengo, coordenador da nova pesquisa do Inpe. - Não houve registro semelhante desde o início das medições, em 1902. Há fatores naturais e provocados pelo homem envolvidos nesse marco. Juntos, eles provocarão o acirramento de eventos climáticos extremos.
Furacões, tempestades e estiagens tornam-se cada vez mais comuns no mundo inteiro. No Sudeste do Brasil, os temporais de curta duração têm provocado estragos maiores do que anos atrás; no Nordeste e na Amazônia, as mudanças climáticas se manifestam, principalmente, de forma oposta: estas regiões nunca estiveram tão secas.
Quanto mais esquenta o Atlântico Tropical Norte, menos chuva cai sobre a Amazônia. Foi assim em 2005 e no ano passado.
Para Marengo, a parte sul do bioma pode ser mais afetada por sofrer mais com a intervenção humana.Parte desta região é área de fronteira agrícola e sofre mais intensamente com, por exemplo, a extração madeireira.
- Mas o índice de desmatamento de cada área da Amazônia não é suficiente para explicar por que o sul está mais seco do que o norte - ressalta Marengo. - Outros estudos precisarão descobrir o porquê dessa diferença. O fato é que os afluentes que estão abaixo do Rio Amazonas, como o Solimões e o Madeira, estão com um volume de água decrescente.
Os efeitos sobre a biodiversidade também serão tema de futuros estudos. Mas um levantamento de 2009 do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) mostra como a floresta reage mal quando é privada do seu índice habitual de chuvas.
Pesquisadores do instituto isolaram, por quatro anos, um hectare da floresta em Santarém, no Pará. Sobre esta área foi instalado um sistema de drenagem semelhante a um telhado de plástico. Com ele, o volume de chuvas que atingia as árvores daquele trecho caiu pela metade.
- O experimento simulou os efeitos de uma seca prolongada, um evento climático que, segundo as projeções, será cada vez mais comum - explica Paulo Moutinho, diretor-executivo do Ipam. - Na área isolada, a mortalidade de árvores foi de seis a oito vezes maior do que no resto da floresta. Houve uma redução de 60% na produção de flores e frutos.
Se a experiência de Moutinho tornar-se realidade, como preveem alguns modelos climáticos, o déficit de água afetará toda a cadeia da biodiversidade. Este distúrbio alcançaria inclusive áreas que, hoje, não sofrem com a exploração madeireira ou com desmatamentos. Haveria uma redução na diversidade das espécies e mudança em sua composição - animais mais adaptados a um ambiente úmido, por exemplo, dariam lugar a outros, habituados com poucas chuvas.
Segundo Moutinho, já existem dados suficientes para o governo lutar por um futuro menos seco para a Amazônia.
- Está mais do que demonstrado o papel do bioma na distribuição de umidade na região - ressalta. - A troca da floresta por outro uso da terra certamente afetará uma área muito extensa.
Morte de árvores libera gás-estufa
Além das consequências diretas à biodiversidade, a morte de árvores em eventos extremos repercute também na atmosfera. A partir da seca de 2005, a Amazônia, tradicional retentora de carbono, passou a emitir a substância para a atmosfera, contribuindo para o efeito estufa. A constatação foi do pesquisador Paulo Brando, também do Ipam, que publicou um artigo sobre o tema na "Science".
- Quase 2,2 milhões de toneladas de carbono foram liberadas para a atmosfera com a decomposição das árvores mortas - acentua. - E a estiagem de 2010, que foi mais severa, certamente está provocando um impacto ainda maior.
Entre as duas secas, a Amazônia ainda sofreu com outro evento extremo. Em 2009, o bioma foi vítima de uma enchente, que fez os rios da região atingirem um nível recorde. E água demais também pode ser fatal para a floresta. Uma pesquisa financiada pela Nasa analisou o impacto de uma tempestade particularmente forte em 2005. Segundo o estudo, até 663 milhões de árvores teriam sido perdidas entre ventos e chuvas.
- Teremos verões cada vez mais quentes, invernos mais frios, chuvas mais violentas... Os eventos extremos estão redefinindo o sistema climático de todo o planeta -avalia Marengo.

O Globo, 07/07/2011, Ciência, p. 34

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