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Amazônia em pé de guerra

Diário do Nordeste - diariodonordeste.globo.com
Autor: Marcelo Raulino
08 de Jun de 2008

Vozes destoantes criticam a unanimidade da política indigenista brasileira, generosa ao extremo com os índios

A política indigenista brasileira ocupa, nos últimos meses, espaços generosos na mídia nacional devido aos conflitos ocorridos na reserva indígena Raposa Serra do Sol , em Roraima, uma das maiores do país. A disputa ocorre entre os 15 mil índios das etnias Macuxi, Wapixana, Ingarikó, Taurepang e Patamona e plantadores de arroz que estão há décadas na região. A questão levanta a polêmica sobre a ´generosidade´ com que o Governo ´cede milhares de hectares para poucos milhares de indivíduos´.

Há quatro anos o Diário do Nordeste esteve na Reserva Raposa Serra do Sol e acompanhou os primeiros ensaios dos confrontos que ocorreriam posteriormente. O repórter Marcus Peixoto e o repórter fotográfico, Eduardo Queiroz, estavam em Roraima cobrindo a transferência da uma Unidade da Artilharia de Fortaleza para Boa Vista, quando tudo começou. Desde então a situação só piorou. Já naquela época existiam alas contrárias a demarcação. Roraima já tem mais de 46% de seu território em reservas indígenas, situação que tem inviabilizado o Estado.

Atualmente vozes destoantes criticam a unanimidade da política indigenista brasileira. Afinal, os índios podem ser tratados de forma diferente entre os demais brasileiros? Atualmente cerca de 12,5% do território nacional está em reservas indígenas que abrigam pouco mais de 400 mil índios.

Só para se ter uma idéia da gravidade da situação, o total de terras em reserva ultrapassam 1 milhão de quilômetros quadrados, maior inclusive que toda região Sudeste, que tem 900 mil quilômetros quadrados para 75 milhões de pessoas.

Localizada em área dos municípios de Normandia, Pacaraima e Uiramutã, a reserva indígena Raposa Serra do Sol tem mais de 1,7 milhão de hectares. Confitos na região não são raros. A Polícia Federal teve de intervir através da Operação Upatakon 3 [para retirar os não-índios de Raposa Serra do Sol], a ação depois foi cancelada pelo STF. Desde junho do ano passado que o STF decidiu pela retirada dos não índios do local, mas a decisão continua sendo protelada e deve ser definida neste mês de junho.

O clima de tensão envolvendo povos indígenas não é exclusividade da Raposa Serra do Sol, ou dos índios caiapós do Pará, que recentemente agrediram o engenheiro da Eletrobrás Paulo Fernando Rezende.

Há denúncias diversas de atividades irregulares que ocorrem nas reservas indígenas, desde extração ilegal de madeira, de garimpos, grilagem e até mesmo cooptação de índios por fazendeiros e organizações não governamentais.

Na terra Maraiwatsede (MT), índios xavantes enfrentam grilagem feita por fazendeiro. Já os índios do Parque Araguaia enfrentam a presença do agronegócio. Na terra Ianomâmi, com área equivalente à do Estado de Santa Catarina, 800 garimpeiros estão no local. Os conflitos ocorrem independentemente da situação legal da região. Dos 107 milhões de hectares de reservas, mais de 97 milhões (90,6%) já foram homologados. Nem todas foram regularizadas.

FIQUE POR DENTRO

Reservas ocupam 12,41% do território

As reservas indígenas brasileiras ocupam 12,41% do território nacional, segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai). O número eqüivale a 1.069.424,34 quilômetros quadrados de terra distribuídos em 488 terras indígenas já reconhecidas. Com exceção do Rio Grande do Norte e do Piauí, todos os outros estados brasileiros possuem áreas de reservas indígenas. O Amazonas é o estado que mais possui áreas indígenas, segundo a Funai. Ainda de acordo com a Funai, a população que vive em aldeias é de 512 mil pessoas, distribuídas em 225 etnias com 180 línguas diferentes. No Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 734 mil pessoas se auto-identificaram como indígenas em 2000. O Brasil ainda tem outras 123 terras indígenas que estão sendo analisadas e ainda não têm superfície definida. Registra-se, ainda, que há várias referências a terras presumivelmente ocupadas por índios e que estão por serem pesquisadas, no sentido de se definir se são ou não indígenas.

ANÁLISE

Roraima, um lugar Mitológico

Tanto o atual comandante militar Augusto Heleno, quanto o seu antecessor, o também general de Exército, Cláudio Barbosa Figueiredo, têm algo em comum com relação à homologação de terras indígenas em áreas de fronteiras: são contra por questão de vulnerabilidade das defesas e da fragilidade da Nação de impor seus limites. Esse é o caso da homologação da Raposa Serra do Sol, que é contestada pelo poder público. No auge da pressão em torno do presidente Lula, para que a homologasse, estávamos eu e o repórter fotográfico Eduardo Queiroz em Boa Vista, Capital de Roraima. Tratava-se de uma viagem que começou em 12 de maio de 2004 e foi encerrada no dia 30, após termos percorrido as fronteiras com a Guiana, Venezuela, Peru e Colômbia. O motivo de nossa presença em Boa Vista deveu-se à transferência de um quartel da artilharia em Fortaleza para aquela Capital. A pauta foi crescendo em vista do momento crítico vivido na Capital, em que grupos de índios ocupavam sede da Funai para impedir a homologação. Naquele mês houve dois episódios que mostravam a tensão vivida na região. O primeiro foi a chegada de uma leva de agentes e policiais federais. Outro foi a visita - dois dias antes da nossa - do então Ministro da Defesa, o embaixador José Viegas Filho, a Uiramutã. Tudo levava a crer que Viegas tentava angariar o apoio do Exército para eventuais intervenções, em torno da homologação. Declarações nesse sentido apontavam para que o governo acataria a decisão, que havia sido procrastinada desde o governo de Fernando Henrique Cardoso. Enquanto isso, o Exército falava do destemor da internacionalização, com o general Figueiredo afirmando para o Diário do Nordeste que "vamos manter uma estratégia da resistência, algo parecido com o que acontece no Iraque". No dia 19 de maio, fomos a Uiramutã, principal cidade localizada dentro da reserva Raposa Serra do Sol. Não fomos de helicóptero. Pegamos carona numa Toyota da Prefeitura , cuja administração era contra a homologação de forma contínua, pois temia desaparecer o município. Misturada a paisagem vislumbramos cavalos cavalgando pelas terras úmidas, extremamente propícias para o cultivo do arroz, e gargalo de toda a disputa entre os fazendeiros e os índios. Roraima é conhecida internacionalmente por ser um dos últimos redutos do mundo, onde há ainda cavalos selvagens. Antes do anoitecer, ainda paramos em uma cancela disposta por índios da etnia macuxi, embora um setor dissidente que luta décadas pela exclusividade para os índios. Na cancela, há uma advertência enfática. "Nós não queremos ser um zoológico humano," Sabe-se que a cancela foi para impedir o trânsito de missionários, principalmente estrangeiros, e dos apoiadores da homologação. Quase meia noite, chegamos a Uiramutã, cidade indígena e maior referência em assistência social mantida pelo Exército na Amazônia. O cansaço impede que se perceba toda a essência da cidade, mas deu para ver muitos rostos lívidos e toda a beligerância em torno daquelas terras. Na aurora, então, vi, ao longe, o Monte Roraima, e todo o esplendor de um lugar mitológico.

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