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Amazônia: desmatamento e biopirataria

OESP - https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo
Autor: GONÇALVES, Antonio Baptista
30 de Jul de 2020

Amazônia: desmatamento e biopirataria

Antonio Baptista Gonçalves*

Não é nova a questão do desmatamento da Amazônia, tampouco, a notícia principal difundida pelos veículos de comunicação ser o corte ilegal de árvores ou as queimadas. Todavia, o que salta aos olhos é o aumento da atividade, com direito a recorde da ação danosa ao meio ambiente, entre janeiro e abril de 2020, foram devastados 1.202 quilômetros quadrados de floresta, o que representa um aumento de 55% em relação ao mesmo período do ano anterior, segundo o Instituto Brasileiro de Pesquisas Espaciais - INPE. Ademais, é o número mais alto para o período desde 2015. Somente em junho foram derrubados 1.034,4 km2. No Maranhão 80% da floresta já deixou de existir, seja por conta de queimadas, desmatamento ilegal e, até, da violência contra povos indígenas.
A imagem internacional do Brasil, que já claudica por conta dos números relacionados a pandemia do COVID-19, tem mais um abalo com as notícias consecutivas da falta de fiscalização, cuidado e zelo para com nosso principal bioma, além de enfrentar pedidos de investigações no Tribunal Penal Internacional por conta da grave situação dos indígenas e dos supostos crimes contra a humanidade e atos que levam ao genocídio de comunidades indígenas e tradicionais. Ainda que nosso entendimento seja que nenhuma das denúncias envolvendo genocídio irá prosperar na Corte é inegável que a reputação brasileira está em baixa.
A extração para o comércio ilegal de madeira é uma atividade lucrativa e atinge principalmente a tríplice fronteira entre Acre, Rondônia e Sul do Amazonas. Em geral após o corte ilegal vem a ação dos grileiros, isto é, grupos que fazem a abertura de áreas pecuárias nos locais devastados e amealham erário através da devastação sem preservação. Em contrariedade ao que prevê o Código Florestal em seu artigo 12, I, a:
Art. 12. Todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente, observados os seguintes percentuais mínimos em relação à área do imóvel, excetuados os casos previstos no art. 68 desta Lei:
I - localizado na Amazônia Legal:
a) 80% (oitenta por cento), no imóvel situado em área de florestas.
De tal sorte que os grileiros desrespeitam a norma e agridem a floresta para que o agronegócio possa prosperar, contudo, uma atividade pode substituir a outra? O lucro não sopesa o impacto ambiental e não considera a degradação da maior floresta tropical do planeta.
A área da Amazônia tem em torno de 7 milhões de km2, sendo que 5.5 milhões de km2 estão no Brasil. Assim, a Amazônia não é exclusiva do Brasil e sua área está presente também na Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela e o tema resultou no Tratado de Cooperação Amazônica, presente em nosso ordenamento através do Decreto no 85.050, de 28 de agosto de 1980. Todavia, não se nota medidas de cooperação entre os países para a proteção da região.
A realidade é que não há cooperação entre os países, o investimento na proteção ambiental diminuiu, o agronegócio aumentou, mas o governo considera que há desinformação sobre a real situação na Amazônia. Refletimos sobre o tema.
Há controle e fiscalização por parte das autoridades brasileiras, porém, sem a devida valorização do INPE e uma ação conjunta das autoridades com um serviço preventivo de inteligência, no qual se busca não apenas aquele que faz o desmatamento, como também, quem é o responsável pelo lucro da atividade, o real investidor do crime ambiental, os resultados são diminutos ante ao dano causado e as multas não reparam a depredação ambiental.
Com a ausência de aplicação da Lei dos Crimes Ambientais com responsabilizações severas, com penalidades efetivas e busca pelos investidores das atividades ilícitas, através de um trabalho investigativo adequado, a repressão é insuficiente. O Governo Federal não priorizou esse tipo de ação e ainda reduziu os investimentos nos órgãos de controle como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais.
A Amazônia não enfrenta dificuldades apenas com as queimadas e o desmatamento, o que já ensejaria preocupação suficiente, não obstante, devemos acrescer a ação da biopirataria e a busca dos proveitos através de novos artigos para a indústria farmacológica e a possibilidade de patentear artigos que são nativos e desconhecidos. Foi assim que o Brasil entrou em disputas internacionais sobre produtos derivados de frutos brasileiros como o açaí (patenteado por dois alemães) e o cupuaçu (patenteado pelo Japão), apenas para citar alguns exemplos. Algumas patentes foram revertidas, muitas não. Além disso há infiltração constante de estrangeiros nas comunidades indígenas para aprender sobre a cultura e levar produtos para seus países com o objetivo de lucro. Fora o contrabando ilegal de fauna e flora. A biopirataria circula com baixa repressão e muitas perdas para o país.
O Estado Democrático de Direito Brasileiro deve fazer cumprir sua própria legislação sobre crimes ambientais que prevê responsabilidade nos artigos 2o, 3o e 4o com possibilidade de responsabilidade penal para as pessoas jurídicas e desconsideração da personalidade jurídica das mesmas. Com penas que podem variar de multa a interdição, suspensão parcial ou total de atividades, medidas que podem ser tomadas isoladas ou cumulativamente.
O Estado Democrático de Direito brasileiro não tem o direito de justificar os danos ambientais pelo progresso e avanço da economia. A prosperidade não significa depredar, destruir o meio ambiente, bem jurídico protegido por nossa Constituição Federal e base para o futuro das futuras gerações. O que se deve fazer é o crescimento responsável, com respeito a preservação ambiental e a aplicação de legislação concernente para impingir responsabilidades àqueles que comentem crimes ambientais. O real progresso é investir em educação, fiscalização e na aplicação das leis existentes para a harmonia das relações, a defesa da sociedade brasileira e o futuro de nossas crianças.

*Antonio Baptista Gonçalves é advogado, pós-doutor, doutor e mestre pela PUC/SP, presidente da Comissão de Criminologia e Vitimologia da OABSP - subseção do Butant

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