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Altamira, a capital dos assassinatos

O Globo, País, p. 8
13 de Dez de 2017

Altamira, a capital dos assassinatos
Depois de Belo Monte, homicídios e tráfico explodiram

DANIELLE NOGUEIRA
danielle.nogueira@oglobo.com.br
Enviada especial

ALTAMIRA (PA)- - Ele tinha ido à borracharia para lavar a moto. Recebeu um tiro nas costas quando segurava a mão de dois filhos. Só escutei os tiros. Foi no final dessa rua aí.
Não há lágrimas escorrendo no rosto nem voz embargada. A merendeira Sonia Fonseca, de 54 anos, conta a morte do filho como se já tivesse se acostumado com a violência que tomou conta de Altamira, no Pará. Foram três filhos assassinados, com idade entre 27 e 28 anos. Os dois últimos, em 2015, num intervalo de apenas três meses. Ambos tinham envolvimento com tráfico de drogas, admite a mãe.
- Vivo trabalhando, não vou vender uma droga para ter dinheiro mais fácil. Foi assim que criei os meninos. Mas, você sabe, quando forma o homem, eles são donos da vida deles - diz Sonia, que ficou com a guarda de sete netos e mora no Reassentamento Urbano Coletivo (RUC) Jatobá, o mais violento dos cinco RUCs para onde foi removida a população ribeirinha, durante a construção da hidrelétrica de Belo Monte.
TRAGÉDIA FORA DO NOTICIÁRIO
Os assassinatos dos filhos de Sonia ajudaram a engrossar as estatísticas que alçaram Altamira ao posto da cidade mais violenta do Brasil em 2015, segundo levantamento feito pelo GLOBO para o projeto "A Guerra do Brasil". Naquele ano o município registrou 124,6 homicídios e mortes violentas de causas indeterminadas por 100 mil habitantes, bem à frente de cidades que costumam estampar o noticiário de chacinas, balas perdidas e tiroteios, como Rio (23,4) e São Paulo (13,5). Há dez anos, o município sequer aparecia na lista dos mais violentos, com taxa de 53,2.
Esse salto reflete não apenas particularidades de Altamira, que sofreu grande impacto da construção de Belo Monte, como também se insere num fenômeno nacional que aponta para crescimento da taxa de homicídios nas regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste e de estabilidade nas regiões Sul e Sudeste nos últimos dez anos.
A partir dos anos 2000, houve crescimento da renda nas pequenas e médias cidades brasileiras. Se, por um lado, o desenvolvimento econômico costuma levar ao aumento do número de empregos, desestimulando a criminalidade, por outro, a maior circulação de dinheiro é um terreno fértil para o tráfico de drogas. E quanto mais enraizado esse mercado, maiores os índices de violência, diz Daniel Cerqueira, um dos autores do Atlas da Violência de 2017 do Ipea, que também colocou Altamira no topo das cidades mais violentas.
Na Altamira pré-Belo Monte, o território era divido entre gangues rivais, que se concentravam nas palafitas. Com o empreendimento, foi preciso remover a população ribeirinha e reassentá-la. Nesse processo, segundo pesquisadores e líderes locais, as relações de vizinhança não foram respeitadas pelo consórcio Norte Energia, responsável pela usina.
- As relações de poder foram ignoradas. Na reorganização territorial, inimigos passaram a disputar espaço para reconquistar território - diz Assis Oliveira, professor da UFPA. Além da redivisão territorial, com Belo Monte, a população de Altamira explodiu. A hidrelétrica será a terceira maior do mundo quando estiver concluída, em 2019. No pico das obras, em junho de 2014, havia 33.115 pessoas trabalhando na usina. É quase um terço da população da cidade em 2010. Embora a hidrelétrica tenha sido construída em um município vizinho (Vitória do Xingu), Altamira abrigou boa parte dos trabalhadores. Hoje, restam 2.779 operários na usina.
- Atualmente a maior preocupação são os homicídios. Crimes com características de execução e com fortes indícios de vínculo com questões do tráfico de drogas - afirma Silvio Maués, diretor de Polícia do Interior da Polícia Civil do Pará.
Os roubos também são frequentes. A professora de artes Mariene Gomes de Almeida, de 54 anos, teve a casa invadida três vezes este ano. Na última, em junho, não apenas teve roubados equipamentos, como também foi torturada pelos bandidos.
- Diziam o tempo todo que iam me matar. Chegaram a me amarrar e quebraram uma mandala na minha cabeça - conta Mariene, que até hoje acorda duas a três vezes por noite.
ESTADO CONTESTA ESTATÍSTICA
Com orçamento de cerca de R$ 30 bilhões, Belo Monte obteve a licença prévia em 2010. No ano seguinte, foi assinado um acordo entre a Norte Energia e o governo do estado, no valor de R$ 100 milhões. Parte desses recursos foi gasta com um helicóptero cuja manutenção é cara e que sequer fica em Altamira. Enquanto isso, a obra do presídio feminino não foi concluída e a cidade continua sem um centro para abrigar menores infratores.
- O problema é a estrutura de política pública. Na licença prévia, o consórcio apresenta pela primeira vez seu plano para a cidade. Isso devia acontecer ao menos dois anos antes - afirma Sergio Marcondes, coordenador do estudo Recortes Socioeconomia.org sobre violência em Altamira produzido pelo Instituto Dialog.
A Secretaria de Segurança do Pará questiona o título de cidade mais violenta no país. Diz que, se excluídas as mortes violentas por causa indeterminada, a taxa de homicídio em 2015 ficaria em 58,13 por 100 mil habitantes. Já a Norte Energia argumenta que as estatísticas, baseadas na estimativa de população do IBGE, desconsideram o fluxo migratório decorrente do empreendimento. Nas contas da Norte Energia, Altamira tinha 139.863 habitantes em 2015. Com isso, a taxa de homicídios da cidade cairia para 81,5 por 100 mil habitantes.

O Globo, 13/12/2017, País, p. 8

https://oglobo.globo.com/brasil/altamira-vida-na-cidade-mais-violenta-d…

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