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Aliança MST e Monsanto

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: ROSENFIELD, Denis Lerrer
01 de Dez de 2003

Aliança MST e Monsanto

Denis Lerrer Rosenfield

Se há um setor em que se esperava uma coerência entre as posições históricas do PT e as atuais políticas governamentais, é a área de ciência e tecnologia. Durante anos, até os corredores das universidades sabiam que uma troca de governo propiciaria uma mudança substancial na vida universitária, com repercussões no domínio da pesquisa. Falta de verbas e de condições de trabalho seriam resolvidas graças às novas autoridades, que teriam um conhecimento do que deveria ser feito. Durante as últimas greves das universidades públicas, tinha-se como certo que todos os males existentes se originavam numa ausência de vontade política dos tucanos. Por sinal, muitos dos assessores "científicos" do PT ocupam hoje cargos importantes na administração federal. Cabe, portanto, a pergunta: falavam eles do que não sabiam?
Repitamos uma banalidade, pois talvez assim essa mensagem possa ser recebida: a moderna sociedade capitalista democrática está baseada em investimentos no conhecimento. Não há progresso socioeconômico que não passe por recursos maciços investidos em ciência e tecnologia dentro de um ambiente de livre desenvolvimento da pesquisa, sem entraves burocráticos e ranços ideológicos. O país que não cumprir essa condição estará irremediavelmente condenado a uma posição secundária e periférica. O Projeto Genoma, entre outros, mostrou a vitalidade da ciência brasileira quando adequadamente financiada, livre no seu trabalho e planejada a longo prazo.
As repercussões econômicas e científicas desse projeto são hoje nacionalmente e internacionalmente reconhecidas.
Ora, hoje não temos planejamento, a falta de verbas não apenas continua como piorou no atual governo e, de quebra, ganhamos o ranço ideológico, impedindo a pesquisa na área da transgenia, uma das mais importantes no mundo atual.
O ministro da Educação, em seu afã de vender a idéia da educação fundamental como sendo uma tarefa federal, não apenas relega a segundo plano os Estados e municípios que constitucionalmente estão encarregados dessa tarefa como também revela não ter nenhuma idéia do que fazer com as universidades públicas federais. É aviltante a romaria dos reitores a Brasília, passando o pires para conseguirem verbas básicas de custeio. Reitores e universidades merecem ser tratados com dignidade. A Capes, que tinha sido fortalecida no governo anterior, introduzindo a cultura da avaliação e tendo recebido um aporte substancial de recursos, está sendo agora questionada em alguns dos seus programas centrais, como se a sua função principal não fosse a formação de pessoal de ensino superior. Além disso, o ministro ainda se dá ao luxo de dizer que falta "tensão ideológica" nas universidades. Qual o seu objetivo?
Ideologizar ainda mais um ambiente com clara predominância petista para encobrir a ausência de política de seu ministério?
No Ministério de Ciência e Tecnologia a situação não é melhor, embora se possa dizer que a situação não piorou, pois a anterior já era grave. A falta crônica de recursos permanece, o que mostra o pouco empenho do atual governo, fazendo com que o Brasil continue a reboque da pesquisa internacional, aumentando o fosso que nos separa dos países desenvolvidos.
No entanto, surgiu um complicador de monta: a introdução de critérios ideológicos na pesquisa. O caso mais manifesto é o dos transgênicos.
O projeto de biossegurança, que deveria ser mais propriamente denominado de "biodesmonte" da ciência, estaria baseado no princípio da prudência, cujo nome mais adequado seria "princípio religioso da imobilidade". Os setores agrário e ambiental do PT, com seus aliados históricos (que pertencem em boa parte dos casos a tendências internas do partido) do MST, CPT e certos grupos ambientalistas, estão claramente inviabilizando a ciência brasileira nesta área de conhecimento. As condições burocráticas da pesquisa, a ser votado esse projeto de lei em sua redação atual, são tão draconianas que impedirão o avanço do conhecimento. Exige-se pesquisa para a aprovação de cultivo de sementes transgênicas e, ao mesmo tempo, a falta de recursos e a destruição sistemática de campos de pesquisa pelo próprio MST tornam a mesma pesquisa impossível. O círculo não é apenas vicioso como considera tolos os cientistas brasileiros, como se fossem cair nessa armadilha pueril.
As investidas contra a pesquisa transgênica ganham um contorno medieval, com bispos vociferando contra a maldição. Ou seja, a ciência, como no tempo das fogueiras, é o objeto a ser destruído. O debate ganha, assim, feições ideológicas, mais propriamente religiosas, como se estivéssemos voltando ao velho debate entre a ciência e a fé. Será que a mudança significa aqui retorno a um estágio pré-científico e pré-capitalista?
Se fizermos uma verificação de perdas e danos, constataremos que os ganhadores são, no estágio atual do confronto, o MST, a CPT e setores do PT e do governo, agrupados em torno da ministra do Meio Ambiente. Os perdedores são a ciência e a moderna propriedade rural e setores do próprio governo que sustentam essa posição. Há, porém, um outro grande ganhador: a Monsanto, que avançará cada vez mais livremente na pesquisa e dentro de alguns anos poderá até ter o monopólio dessa área de conhecimento com suas patentes. Enquanto nós nos debatemos, eles progridem. Na verdade, a Monsanto é, objetivamente, a grande beneficiária dessa política do MST e do PT. O MST e a Monsanto são grandes aliados nessa tarefa de destruição da ciência brasileira!

Denis Lerrer Rosenfield, professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com doutorado de Estado em Filosofia pela Universidade de Paris, é autor, entre outras obras, de Hegel (Jorge Zahar Editor, Coleção Passo a Passo) e editor da revista Filosofia Política, da mesma editora E-mail: denisrosenfield@terra.com.br

OESP, 01/12/2003, Espaço Aberto, p. A2

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