VOLTAR

Algumas considerações sobre a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas (II)

CB, Direito & Justiça, p. 8
Autor: SOUZA, Carlos Fernando Mathias de
05 de Abr de 2010

Algumas considerações sobre a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas (II)

Carlos Fernando Mathias de Souza
Vice-reitor Acadêmico da Universidade do Legislativo Brasileiro (Unilegis), professor titular da Universidade de Brasília (UnB) e do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) e vice-presidente do Instituto dos Magistrados do Brasil.

Sabe-se que a regra dir-se-ia universal, em matéria de fronteiras, é a da reserva da faixa (normalmente, designada faixa de fronteira), localizada ao longo dos respectivos limites terrestres de cada país, posto que é área considerada fundamental para a defesa territorial dos Estados.

O Brasil, anote-se, adota tal linha (política, princípio ou regra, seja qual nome que se queira dar), e isto está agasalhado na sua Constituição (art. 20, § 2, que fixa tal faixa em até cento e cinquenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres). E, mesmo que tenha votado, formalmente, por exemplo, a Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas, esta (mesmo que internalizada), no ordenamento positivo brasileiro, vale tão-só como norma de nível infraconstitucional, que não pode primar sobre a Constituição.

De outra parte, no conceito de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, isto é, por eles habitadas em caráter permanente; utilizadas para suas atividades produtivas e imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar, e, ainda, as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições (v. art. 231, § 1, da Constituição), nem de leve implica no domínio das riquezas do subsolo, nem tampouco pode afetar o meio ambiente ecologicamente equilibrado (bem de uso comum do povo), assim como ao comprometimento das fronteiras do Brasil e de outros interesses nacionais.

Isso já ficou bem claro no magistral voto de estadista de Mestre Carlos Alberto Direito no caso da demarcação das terras da Raposa Serra do Sol (STF - Petição no 3.368-4/RR).

A merecer registro, por oportuno, advertência do sertanista Orlando Villas-Boas, que diz de perto com o tema objeto deste artigo: "As maiores reservas de urânio do mundo estão em Roraima. Estão dentro da terra ianomâmi. Os maiores minérios do mundo... inclusive um que tem o apelido de alexandrita, só foi encontrado na América na terra ianomâmi. Nós já sabemos, de fonte muito boa, que mais ou menos uns dez ou quinze ianomâmis, os mais destacados da comunidade, estão na América. Aprendendo inglês, aprendendo uma porção de coisas, e aprendendo a política. E essa política vai acontecer em quê? Eles vão voltar dentro de um ou dois anos, e talvez eu não sei se vou assistir, mas vocês vão. Daqui uns dois ou três anos essa gente volta para as tribos ianomâmis, liderando, falando inglês, uma outra mentalidade, e o que é que eles vão fazer? Eles vão pedir território ianomâmi desmembrado do Brasil e da Venezuela. E a ONU vai dar. E dá como tutora, no começo, dessa nova gleba, a América do Norte" (in depoimento no programa Expedições, de Paula Saldanha, exibido em 15 de junho de 2003, na TV Cultura de São Paulo, apud Aldo Rebelo, na obra "Raposa - Serra do Sol - o índio e a questão nacional", Thesaurus, Brasília, 2010).

A propósito, na obra em referência, o parlamentar Aldo Rebelo registra muitos dados e observações que, à vista desarmada, evidenciam sua importância.

No Capítulo a Nação é uma só (que reproduz artigo de sua autoria, publicado no jornal O Estado de São Paulo, edição de 10 de abril de 2008), registra fato (que traz consigo certa dose de humor); trata-se de visita que fez ao nordeste, quando, ao chegar ao Monte Pascoal, conversou com uma índia pataxó, que vendia peças de artesanato rústico e perguntou-lhe sobre seu marido e a resposta foi a de que ele "voltou pra roça. Cansou dessa profissão de índio".

Por outro lado, observa o deputado que "é confortador lembrar que ao infortúnio histórico dos índios o Brasil contrapôs o bálsamo de algumas de suas maiores inteligências. A causa foi abraçada desde os jesuítas Manuel da Nóbrega e José de Anchieta, apóstolos da corrente humanista que desde então a Igreja Católica mantém altiva na defesa das tribos. Nesse apostolado militaram também o estadista José Bonifácio, os escritores Gonçalves Dias, José de Alencar e Antonio Callado, os sertanistas Villas-Boas, o médico Noel Nutels, o etnólogo Darcy Ribeiro, além do monumento moral que nos orgulha como povo, o marechal Rondon. Todos comungavam na doutrina da integração dos índios à sociedade nacional, em grau e métodos variados" (op. cit., p. 67).

E, prossegue Aldo Rebelo: "A esses luminares do sertanismo e da antropologia sucedeu uma visão esdrúxula que aparta os índios da Nação e pleiteia sua autonomia em relação ao Estado. Agora, fala-se em 'povos indígenas', 'nações indígenas', 'autodeterminação indígena', como se as tribos constituíssem nacionalidades independentes em territórios emancipados. Chegamos ao paroxismo de tuxauas barrarem a circulação de generais do Exército em faixa de fronteira. Já houve proposta de criação de embaixadas indígenas em Brasília, para que as tribos se relacionassem em posição de igualdade com o governo. Incute-se nos índios, enfim, a idéia de que, em relação aos brasileiros, são estrangeiros." (op. cit., idem, ibidem)

E, ademais, dá notícia o autor: "Como presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, visitei toda a fronteira amazônica. Fiquei ainda mais convencido de que temos o dever de resgatar a dívida histórica com os índios e protegê-los da forma mais generosa de que formos capazes. Mas a generosidade de um país continental deve ser ampla e isonômica, ou seja, estender-se a todos os seus nacionais. É tão brasileiro o índio macuxi quanto o colono gaúcho. Eles integram uma só Nação diversificada. O Brasil destaca-se mais pelo produto do que pelos fatores, não importa a grandeza que encerrem nem a ordem em que sejam agrupados. O brasileiro de hoje é índio, branco, negro e, sobretudo, o resultado do caldeirão que nos fez uma civilização única no mundo. Um filho de italianos, Victor Brecheret, usou o poder de síntese da arte para traduzir esta riqueza étnica no Monumento às Bandeiras, em que esculpiu no granito bruto a epopéia conjunta de brancos, índios e mamelucos na construção deste grande país." (op. cit., p. 68)

Focando-se, agora, em um exame, ainda que perfunctório, de disposições da Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, de 13 de setembro de 2007, observa-se que, além das ambiguidades e (ou) contradições nela, quase sempre, apontadas, como, por exemplo, a contida no seu artigo 36, 1 e 2, tem-se algumas normas que às escâncaras constituem-se em sementes de conflito, em particular, com a própria soberania dos Estados, onde as comunidades indígenas estejam inseridas. Vejam-se, por exemplo, as disposições de seus artigos 3, 4, 5 e 6: "Os povos indígenas têm direito à livre determinação. Em virtude desse direito, determinam livremente a sua condição política e perseguem livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural." (Art. 3); "Os povos indígenas no exercício do seu direito à livre determinação, têm direito à autonomia ou ao autogoverno nas questões relacionadas com seus assuntos internos e locais, assim como os meios para financiar suas funções autônomas." (Art. 4); "Os povos indígenas têm direito a conservar e reforçar suas próprias instituições políticas, jurídicas, econômicas, sociais e culturais, mantendo por sua vez, seus direitos em participar plenamente, se o desejam, na vida política, econômica, social e cultural do Estado." (Art. 5) e "Toda a pessoa indígena tem direito a uma nacionalidade." (Art. 6). A nacionalidade aí não se confunde com a do Estado, onde a tribo está localizada.

Tal Declaração, como se sabe, foi aprovada por cento e quarenta e dois países (entre os quais o Brasil), sabido que a maioria deles sem um só índio sequer. Todavia, outros países com expressivas populações aborígenes como os Estados Unidos, o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia recusaram-se a aprová-la. E, por uma simples leitura do seu texto, não é difícil encontrar as razões.

CB, 05/04/2010, Direito & Justiça, p. 8

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.