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Alerta no fundo do mar

CB, Ciência, p. 22
12 de Abr de 2010

Alerta no fundo do mar
Pesquisador brasileiro constata mudanças nas águas do oceano na Antártida que podem trazer, no futuro, prejuízos para o clima de todo o planeta

Pesquisa realizada pelo Laboratório de Oceanografia Física, Clima e Criosfera, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), identificou uma mudança no Mar da Antártida que pode afetar, a longo prazo, todo o clima global. Os cientistas perceberam que a chamada água de plataforma de gelo - massa de água que, por ser mais densa, se concentra na zona abissal do oceano - teve sua profundidade alterada nos últimos 100 anos.

Isso pode resultar em uma transformação no comportamento das correntes marinhas que circulam por todo o planeta.

Segundo o autor do estudo, Marcos Tonelli, os resultados mostram que a água de plataforma de gelo ficou menos densa durante o século 20. "Ela passou a ocupar camadas menos profundas do mar, passando de 2.500m para 2.000m de profundidade", comenta. Já nesta década, a variação se tornou oposta. "Os resultados mostram uma inversão nesse padrão, de modo que a água de plataforma de gelo se torna mais densa e passa ocupar camadas mais profundas, a cerca de 3.000m", completa o cientista.

Como o sistema de massas de água de todo o mundo é interligado, uma mudança, mesmo que localizada, pode afetar todo o planeta. Isso ocorre porque, durante a formação de águas profundas, oxigênio e matéria orgânica são transportados e alimentam a vida longe da superfície.

Esse sistema também é essencial para a formação das correntes oceânicas, que regulam o clima em toda a Terra.

Essa alteração observada é resultado de um longo processo, uma vez que o ciclo termohalino (movimento cíclico das águas do oceano - veja infografia) é muito demorado e mudanças ocorridas em um lugar só são sentidas em outro ponto da Terra depois de décadas. "Estima-se que a circulação termohalina apresente um período de cerca de mil anos para se completar. Além disso, o sistema apresenta uma inércia, de modo que mudanças na atmosfera podem demorar dezenas de anos para se refletirem no oceano, principalmente nas camadas profundas", explica Tonelli. "Por exemplo, as mudanças nas massas de água observadas nos estudos para o século 21 são resultantes das mudanças globais que ocorreram no século 20, como o aumento do gás carbônico na atmosfera a partir do anos 1950.

Queremos justamente investigar as evidências das alterações que já ocorreram no clima global, além de prever as mudanças futuras", completa.

Um dos problemas que os cientistas enfrentam para concluir estudos desse tipo é a dificuldade de obter dados sobre áreas tão profundas, especialmente quando estão sob o gelo.

Por isso, os pesquisadores utilizaram dados coletados no mundo todo. Usando um modelo matemático desenvolvido pelo Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica dos Estados Unidos, Tonelli analisou as variações de elementos como salinidade, densidade, temperatura e pressão nas águas do Mar de Ross, localizado ao sul da Austrália e da Nova Zelândia.

Para viabilizar a pesquisa, o especialista da USP contou com o apoio do Programa Antártico Brasileiro (Proantar), que há 30 anos garante pesquisas brasileiras na região. "O Brasil é sem dúvida um dos principais atores no conjunto das nações que desenvolvem atividades na Antártica. É também membro consultivo do Tratado da Antártida, o que lhe confere a prerrogativa de opinar decisivamente sobre qualquer assunto que se relaciona ao futuro do continente", informa o subsecretário da Marinha para o Proantar, o capitão de mar e guerra José Robson de Oliveira Medeiros.

Imprevisível Ainda não é possível determinar quando essas mudanças na Antártida vão influenciar o clima na Terra, mas, segundo Tonelli, elas certamente trarão consequências.

"Todo o sistema é interligado e essas massas de água se movimentam com se fossem uma correia ou uma esteira gigantesca.

Se uma parte dessa correia é 'freada', espera-se que todo o sistema sofra uma diminuição de velocidade, o que resultaria na diminuição do transporte de calor dos trópicos para os polos e na alteração do clima", conta. "Porém, como o sistema é muito grande, é difícil prever com precisão quais regiões do globo apresentariam as primeiras modificações na circulação.

Ainda assim, acredito que as regiões polares provavelmente sofreriam algum tipo de alteração mais evidente, pois são regiões-chave para a manutenção da circulação", completa.

De acordo com a oceanógrafa Ilana Wainer, que orientou o trabalho de Tonelli, entender as alterações ocorridas nas massas de água dos oceanos é uma questão muito complexa. "Não existe uma só resposta para essas questões, especialmente porque a relação entre oceano, atmosfera e criosfera está no limite do conhecimento humano", conta. Ela lembra que se sabe muito pouco sobre a Antártida.

"São necessários mais estudos para compreender esses fenômenos e suas relações com o clima e com a vida, e para entender com mais consistência as alterações climáticas que estão ocorrendo e que ainda vão ocorrer", completa a especialista, que é professora do Instituto Oceanográfico da USP.

CB, 12/04/2010, Ciência, p. 22

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