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Aldeias abrigam plantação de maconha

FSP, Brasil, p. A22-A23
15 de Mai de 2005

Aldeias abrigam plantação de maconha
De acordo com a Polícia Federal, reservas de pelo menos quatro Estados cultivam e vendem a droga

Kamila Fernandes
Da agência Folha, em Arame (MA)

Protegidas pela União, reservas indígenas de pelo menos quatro Estados - Maranhão, Pernambuco, Bahia e Pará - abrigam parte do plantio de maconha no Brasil, segundo a Polícia Federal. Ao visitar aldeias da região central do Maranhão, uma das regiões com maior incidência da droga no país segundo o órgão, a reportagem da Folha constatou que índios da etnia guajajara plantam e vendem a droga. Eles também a utilizam como entorpecente.
Para a Polícia Federal, o combate ao tráfico nessas regiões é mais difícil, pela própria condição especial do indígena, protegido pela Funai (Fundação Nacional do Índio) e por organizações não-governamentais.
"A preocupação é ainda maior porque o não-índio procura as reservas por saber que ali ele tem uma segurança maior. Então, há um assédio para o índio plantar e vender, muitas vezes ao próprio traficante. Esse assédio nos preocupa e pode gerar violência", disse o delegado Ronaldo Urbano, coordenador-geral de Prevenção e Repressão a Entorpecentes da Polícia Federal.
Para o cientista político Adriano Oliveira, da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), que estuda o tráfico de drogas na região do Polígono da Maconha, em Pernambuco, é "hipocrisia social" imaginar que o índio "é usado" por não-índios para plantar a maconha.
"É a mesma relação do não-índio, econômica. O índio sabe que a droga é muito mais lucrativa do que qualquer outra coisa e planta por isso", disse.
Lucro e miséria
Na região do Polígono, índios da etnia truká são acusados de plantar maconha em sua reserva, na ilha da Assunção, no rio São Francisco. Segundo a PF, a cada quilo de cebola, os índios ganham R$ 0,20. Com a mesma quantidade de maconha, chega a R$ 100.
Apesar dessa relação de lucro, nas aldeias da reserva Araribóia, em Arame (a 469 km de São Luís), há muita miséria. Mesmo onde a reportagem comprovou que há a comercialização da maconha, as casas são de taipa, cobertas de palha. Em outras, os índios admitiram apenas plantar para fumar. "Aqui a gente não vende para maluco, não. Só planta um pouco para fumar mesmo", disse o cacique Caetano Guajajara, 35, da aldeia Lago Branco. Próximo a ele, um outro índio, mais velho, fumava um cigarro de maconha. Na aldeia, uma escola está inacabada e não há energia elétrica.
Em outras aldeias dos guajajaras onde a Folha esteve, o assunto "maconha" é tido como um tabu. Quando perguntados sobre a existência da droga, mesmo que para uso medicinal, os índios começavam a falar entre si no dialeto local, incompreensível para a reportagem. "Tem lugar que até tem, mas aqui a gente não sabe de nada, não", diziam em seguida.
Estimativa
Além de Maranhão e Pernambuco, Urbano afirma que há maconha em reservas indígenas na Bahia e no Pará. A PF tem um mapa com esses locais, mas não faz uma estimativa de quantos hectares estão com a erva plantada. "Os índios misturam a maconha com outras culturas, para dificultar a visibilidade por helicóptero", disse o delegado Marcos Roberto dos Santos, da PF do Maranhão.
Em cada hectare de terra (um ha tem 10 mil m2), é possível plantar de 30 mil a 50 mil pés da planta, segundo ele. A última grande operação da PF nas aldeias indígenas do Estado foi em 2003, quando foram apreendidos 500 kg de maconha pronta e uma tonelada de maconha colhida. "Não pegamos mais porque fomos depois da colheita. Foi um problema de calendário", disse. A época da colheita, segundo ele, é entre o final de março e o início de abril.
No ano passado, em Arame, outros 700 mil pés de maconha e outros 500 kg da droga pronta foram encontrados em aldeias dos guajajaras, na região. Na ocasião, apenas um traficante, não-índio, foi preso. No Maranhão, Estado tido pela PF como o terceiro maior produtor de maconha no país (está atrás apenas de Pernambuco e Bahia), estima-se que 70% da droga esteja em terras indígenas.

Funai diz que não tem como fiscalizar plantio de drogas
Conselho vê influência de brancos
Entidade que lida diretamente com os índios, o Cimi (Conselho Indigenista Missionário) sabe do plantio de drogas nas reservas, mas alega que não se pode responsabilizar apenas os índios pelo crime.
"Isso aumentou depois que começaram os casamentos de índias com não-índios. Não são só os guajajaras que estão envolvidos, há muitos brancos também, que os influenciam de forma negativa", afirmou Rosimeire Diniz Santos, coordenadora da entidade no Maranhão. "É uma questão muito delicada e o Cimi não aborda o tema, até para não colocar em risco a nossa própria segurança", disse.
Segundo Santos, os guajajaras têm o costume de usar as folhas da maconha para fazer chás contra dores. "A maioria planta só um pouco numa horta, com outras ervas medicinais", disse. A reportagem da Folha, porém, constatou que índios fumam a droga como entorpecente e também a vendem nas próprias aldeias.
Administradores da própria Funai reconhecem que há o plantio para o tráfico, mas alegam que podem apenas tentar conscientizar os indígenas de que é crime.
"A gente fala aos parentes que é errado. Quando encontro alguma plantação, queimo", disse Dilamar Araújo, administrador regional da Funai em Barra do Corda (a 700 km de São Luís), que também é um guajajara.
"A Funai não tem como fazer muita coisa, porque é sozinha, com recursos muito escassos", disse José Leite Piancó, que administra a unidade de Imperatriz (a 639 km de São Luís), responsável por 98 aldeias e 7.211 índios, boa parte no município de Arame. "Enquanto não houver uma educação melhor, nada vai mudar."
Além do plantio de maconha, Piancó aponta a extração ilegal de madeira como outro crime que tem sido praticado com muita freqüência nas aldeias guajajaras. "Os índios vendem maconha, madeira, mas continuam na miséria, porque são explorados demais, por traficantes ou por madeireiros", disse.
A violência também já levou seis guajajaras para a prisão, por assalto à mão armada, e outros dois por homicídio, só neste ano, em Barra do Corda. "Já estão assaltando os próprios parentes", disse Araújo. (KF)

Transposição preocupa a PF
Por cruzar a região do Polígono da Maconha, em Pernambuco, a transposição do rio São Francisco, obra do governo federal que deverá levar água para o semi-árido nordestino, preocupa a Polícia Federal. Para o delegado Ronaldo Urbano, coordenador-geral de Prevenção e Repressão a Entorpecentes, a polícia terá de fazer uma fiscalização intensa para evitar que traficantes desviem água para irrigar plantações de maconha.
"A coisa mais fácil que existe é puxar água, colocando um cano por debaixo da terra. Essa será mais uma preocupação", disse.
Mesmo antes da transposição, essa prática já existe. Reportagem publicada pela Folha em janeiro de 2004 mostrou traficantes que atuavam no Projeto Fulgêncio, gerido pela Chesf (Companhia Hidrelétrica do São Francisco), em Santa Maria da Boa Vista (a 604 km do Recife). Parte da água tirada do rio, que deveria ser usada para o plantio de frutas, acabava irrigando pés de maconha.
A região do Polígono da Maconha, onde ficam municípios como Salgueiro, Cabrobó, Orocó, Belém do São Francisco e Santa Maria da Boa Vista, entre outros, é tida pela PF como a principal área de plantio da droga no país.
O projeto de transposição do rio São Francisco, com custo de R$ 4,5 bilhões, pretende levar água até áreas com escassez nos Estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. (KF)

FSP, 15/05/2005, Brasil, p. A22-A23

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