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Ailton Krenak fala sobre a essência da comunicação indígena, autonomia e luta pelos direitos indígenas

Rádio Yandê (Rio de Janeiro - RJ) - http://radioyande.com
Autor: Renata Tupinambá
22 de Dez de 2014

Ailton Alves Lacerda Krenak, 60 anos, conhecido como Ailton Krenak, é uma importante liderança do movimento indígena brasileiro, ambientalista, escritor, produtor gráfico, jornalista. Nascido na região do médio Rio Doce em Minas Gerais, teve sua contribuição fundamental na década de 80 na Assembleia Constituinte durante a elaboração da Constituição Brasileira de 1988. Fundador do Núcleo de Cultura Indígena em 1985. Ele foi responsável por projetos pioneiros de Comunicação Indígena no país junto de outras lideranças indígenas.

O famoso Programa de índio foi o primeiro programa indígena de rádio no Brasil, entre as aldeias e cidades veiculado pela Rádio USP mas também outras emissoras educativas, realizado entre 1985 e 1991 pelo Núcleo de Cultura Indígena. Hoje o acervo está disponível no site Programa de Índio criado em 2009 para disponibilizar 200 programas. Ailton realizou ao lado de Álvaro Tukano, uma serie de entrevistas, debates e outras articulações que mudaram muitas coisas na politica indigenista brasileira.

A equipe da Rádio Yandê entrevistou Ailton Krenak.

Rádio Yandê - Para você o que é comunicar enquanto indígena ?

Ailton Krenak: Um projeto étnico, fundado na identidade e valores próprios implica sempre na orientação de mensagens comprometidas com luta e demanda de cada época, sendo que década de 80 nós estávamos comprometidos com luta por direitos indígenas na Constituinte que vinha sendo tematizada pelos movimentos sociais e particularmente confrontando a tendência das politicas do Estado Brasileiro de promover a emancipação dos povos indígenas, excluindo dos direitos originários grande parte dos nossos povos, com a argumentação de que já estávamos aculturados e integrados a vida nacional,etc. Esta agenda nacional de luta indígena foi o que nos orientou na feitura de cada uma das pautas diárias do Programa de Índio, e com isto aprendemos no dia a dia esta comunicação enquanto indígena - que na verdade é definida pelo compromisso que os realizadores têm com sua cultura e identidade, com a vida e história de seu povo ou seus povos numa visão mais ampla. O vocabulário e discurso que se desenvolve, as abordagens de cada tema, seja Terra ou Cultura, Direitos, acabam refletindo uma visão coerente com os valores da cultura dos povos indígenas. Um exemplo disto hoje, seria o trabalho dos realizadores indígenas com seus vídeos e filmes documentando as lutas ou contando nossas histórias, mitos e outras narrativas marcadamente indígena. Creio que esta maneira de narrar é que caracteriza mesmo a comunicação indígena.

Rádio Yandê - Qual seria a essência da comunicação indígena?

Ailton Krenak : Creio que a semelhança da recente aceitação de que temos uma literatura indígena, com boas obras publicadas por autores indígenas fazendo sucesso em varias línguas, ganhando prêmios em mostras internacionais e feiras literárias, o Cinema Indígena também ganhando espaço e reconhecimento de público, temos em comum nestes diversos suportes: vídeo, formato livro impresso, e-book,etc, em que os autores são comprometidos com a causa de seus povos. O que define esta essência é o compromisso de cada um de nós,independente de termos uma câmera ou um gravador, como fez Mario Juruna em seu tempo.Para Juruna a comunicação indígena naquele tempo era gravar as falas das autoridades e confrontar estas falas com os fatos, denunciando assim as mentiras e falcatruas das chamas autoridades que mandam e decidem sobre a vida as pessoas.

Rádio Yandê - O programa de índio foi um projeto pioneiro de comunicação indígena no Brasil. Em que momento você sentiu que era necessário realizar esse trabalho e que mudanças vieram depois dele, conseguiu atingir o objetivo?

Ailton Krenak: Eu entendi que o movimento indígena no seu começo lá no final dos anos 78,79 precisava ter uma coordenação de comunicação própria pois dependíamos de outras publicações e mídias como boletins e jornais locais para veicular nossas denuncias que eram o principal assunto do nosso dia a dia, ataques e agressões aos povos indígenas, invasões de territórios e mentiras da mídia oficial...então começamos com jornal impresso com este nome Jornal Indígena, edição mensal, que era dirigido as lideranças nas aldeias, enviado por correio e outros meios possíveis, como forma de mobilização para as questões nacionais. Este Jornal Indígena era também gravado em fita K7, coisa impressa velha hoje em dia, mas novidade naquele tempo. Esta fita K7, inspirada no gravador do Juruna fazia sucesso nas aldeias pois levava notícias, reportagens e musica de vários povos, promovendo um tipo de intercâmbio...mostrando um pouco de nossa diversidade linguística e musical,etc. Além de apresentar as lideranças entre si, criando uma sociabilidade entre pessoas que tinham tudo em comum nas suas lutas mas que não se conheciam, lembrando que não havia ainda o vídeo e a TV como hoje.

Rádio Yandê - Como a comunicação pode ser uma ferramenta de fortalecimento das identidades, culturas indígenas e conquista de autonomia?

Ailton Krenak :A comunicação na verdade é uma arma poderosa e portanto muito perigosa, pois serve a quem tem o poder de emitir e difundir as informações, e nós sabemos que os pontos de vistas que inspiram o noticiário em geral, são definidos por pessoas escolhidas pelas corporações e governos na defesa de seus próprios interesses. Contrapor esta tendência dominante nos meios de comunicação com informações originadas em nossas comunidades onde se dá o embate entre interesses contrários, como as hidrelétricas, garimpo, madeireiras e outras invasões, além do agronegócio dominante em nosso país, é a única maneira de seguir fortalecendo nossas lutas em todos os sentidos ,inclusive fortalecendo as identidades e culturas.

Rádio Yandê - Qual mensagem você gostaria de deixar para a juventude indígena sobre busca de autonomia e que caminhos podem ajudar nesse processo ?

Ailton Krenak: Sigam sempre os que ensinaram seus antepassados sobre nossos valores fundamentais, cultura e identidade, somente quem sabe de onde veio (e isto quem nos pode dizer são nossos antepassados) pode saber que caminho seguir (ou para onde vai),esta é a mensagem que acredito poder compartilhar com as novas gerações, pois foi assim que me orientei sempre nas minhas escolhas e no meu trabalho dentro do processo de luta e autonomia indígena.

Rádio Yandê - Como descolonizar os meios de comunicação ?

Ailton Krenak: Os meios de comunicação têm uma natureza rizomática (é um sistema de rede mundial, como a web- hoje) e alcançam um grau de complexidade que não podemos mais pensar na sua descolonização, se não desenvolver formas de contrapor às ideias hegemônicas do capital e do estado dominado pelas corporações com nossas mensagens revolucionárias que terão sempre que se renovar nos usos dos meios e na passagem de geração a geração.

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