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Água rara

FSP, Cotidiano, p. C14-C15
Autor: BRAGA, Benedito
22 de Mar de 2012

Água rara
Dia mundial lembra hoje a importância da preservação do recurso natural

EDUARDO GERAQUE
DE SÃO PAULO

Conseguir água de qualidade para o abastecimento das quase 20 milhões de pessoas que vivem na Grande São Paulo está cada vez mais difícil. Hoje, quase metade da água que sai pelas torneiras da região precisa ser "importada" de bacias vizinhas.
O sistema Cantareira, por exemplo, um dos que abastecem a região metropolitana, incorpora a água que vem da bacia do rio Piracicaba.
E essa necessidade de buscar o recurso cada vez mais longe vai encarecer cada vez mais a água na próxima década, porque haverá disputa tarifária entre as regiões, dizem especialistas.
Os gestores da Sabesp concordam com a tese da falta da água a partir de 2020. A empresa quer buscar água no Vale do Ribeira, a 80 km, em um projeto de R$ 1 bilhão.
Hoje, os 69 mil litros de água que municiam a rede pública por segundo atendem todas as residências.
Indústria e irrigação precisam recorrer a outras fontes, como reservatórios subterrâneos (que vêm de lençóis freáticos, e não de rios).
CLIMA
A tendência, dizem os especialistas em mudanças climáticas, é de mais chuvas nos centros urbanos e de menos temporais nas periferias -justamente onde estão represas de abastecimento. Isso é causado pela verticalização das cidades, que aumenta as chamadas "ilhas de calor".
Além disso, o uso e ocupação do solo ao redor destes pontos de captação continuam sem controle, segundo urbanistas. Isso aumenta a poluição da área, o que deixa o tratamento ainda mais caro.
"Os governos desrespeitam os padrões de segurança da água preconizados pela ONU", diz Renato Tagnin, urbanista especialista em planejamento ambiental.
"A situação é crítica e a população não é corretamente informada", afirma.
Wagner Ribeiro da Costa, geógrafo da USP também especialista em questões de água, questiona a presença do setor privado na cidade.
"Não seria o caso de avaliar a pertinência em manter indústrias intensivas no uso da água na região metropolitana de São Paulo?"
De acordo com números do setor, somando água de mananciais e subterrâneas, 58% do total da água captada na Grande SP vai para o uso público. Enquanto isso, 39% vai para o setor industrial.
Os dois especialistas concordam que falta uma abordagem sistêmica do problema que envolve a água. De acordo com eles, o "estresse hídrico" vivido hoje vai passar, em menos de uma década, para problema de escassez de água.
Colaborou SABINE RIGHETTI

Governo paga para sitiante preservar área

DE SÃO PAULO

O colapso do abastecimento de água na Grande São Paulo só será evitado com três grandes conjuntos de ações, concordam governo, especialistas e terceiro setor.
Frear a ocupação e a degradação dos mananciais é um dos problemas que precisam ser enfrentados, diz Renato Tagnin, especialista em planejamento ambiental.
"O que tem sido feito até agora está muito longe de ser a solução. Parece que estamos enxugando gelo", diz.
Neste contexto, o pagamento por serviços ambientais é uma ferramenta considerada moderna, que poderá ajudar na preservação dos mananciais brasileiros.
Na prática, o governo paga para os produtores rurais que preservarem, em suas propriedades, as florestas que cercam as represas.
Nos municípios de Nazaré Paulista e Joanópolis, que ficam na área do sistema Cantareira de produção de água, existe um projeto-piloto promovido pelo governo de São Paulo, com auxílio de ONGs.
Dez produtores rurais da região vão receber, em três anos, entre R$ 270 e R$ 10.998 pelos serviços ambientais que prestam. O valor está vinculado ao tamanho da propriedade e às medidas de preservação ambiental. O maior valor vai para quem protege as chamadas áreas de proteção permanente.
OUTRAS AÇÕES
Outra frente a ser atacada é o desperdício. O sistema Sabesp perde 25,6% de sua produção (de 69 mil litros por segundo), com vazamentos e ligações clandestinas, por exemplo. Isso faz também com que a a empresa receba apenas por metade da água distribuída -entram nessa conta de não-pagamento situações como a água usada pelos bombeiros.
O combate ao desperdício de água deve abranger desde a captação até hábitos cotidianos, como a redução de tempo no banho.
O incentivo à reutilização da água também é necessário -em casa, pode ser usada para fins como lavagem de garagem e uso na descarga. Muitas empresas paulistas já adotam o sistema de reúso em suas produções.

Cidade grande pode ter de racionar, diz especialista
Engenheiro da USP mobiliza governos sobre escassez de água
Para Benedito Braga, o problema é que grandes centros urbanos estão longe das bacias com mais água doce no país

SABINE RIGHETTI
ENVIADA ESPECIAL A MARSELHA

Um dos principais especialistas em água, o engenheiro ambiental da USP Benedito Braga faz trabalho de mobilização internacional para chamar a atenção sobre o problema da escassez do recurso.
Braga coordenou o Fórum Mundial da Água, evento internacional que reuniu na semana passada cerca de 20 mil pessoas de 180 países em Marselha, na França.
O Brasil levou a maior delegação: 250 pessoas. Mas isso não significa que as discussões por aqui estejam mais adiantadas do que nas outras partes do mundo.
Apesar de o Brasil ter 12% da água doce mundial, 70% dos recursos hídricos ficam na bacia Amazônica. Ou seja: a água está bem longe dos grandes centros urbanos. E isso é um grande problema.
"Se não fizermos obras agora, teremos racionamento em 50% das cidades brasileiras em dez anos", afirma.
Leia, abaixo, trechos da entrevista exclusiva concedida durante o evento que a Folha acompanhou na França.

Folha - A atividade agropecuária consome hoje cerca de 80% da água doce do país. O setor agrícola é um vilão?

Benedito Braga - É claro que não. Hoje nós usamos cerca de 10% do nosso potencial de irrigação. Podemos usar muito mais.
Mas é claro que a agricultura é um debate forte hoje nas questões sobre água. O Qatar, por exemplo, está dessalinizando água do mar para usar na produção de alimentos. É uma questão de autonomia do país.
O Brasil tem água e tem condições para produzir mais alimentos. Achar que a agricultura é o problema da falta de água é um equívoco.

Qual é o problema da água no Brasil que faz com que corramos risco de racionamento?

O Brasil é o maior país de água doce do mundo. Mas 70% dos nossos recursos hídricos estão na Amazônia, onde está 7% da população. Por outro lado, 30% da população está no Nordeste, onde há a menor concentração de recursos hídricos do país.
A água está onde não há demanda. Quando falamos em racionamento, falamos em água potável, que foi extraída do rio, foi tratada e que chega à casa das pessoas.
Como São Paulo cresceu de forma desordenada, metade da água de São Paulo vem de fora do Tietê. Mas o esgoto da cidade é tratado e jogado no rio Tietê. Ou seja: metade da água que usamos em São Paulo pegamos de fora e jogamos no Tietê. A capacidade natural do rio não aguenta.

Esse problema tem solução?

Não. Estamos tentando fazer com que o nível do oxigênio do Tietê consiga chegar perto de zero. Não teremos peixe, mas pelo menos conseguiremos reduzir o mau-cheiro resultante da decomposição de material orgânico. Ver peixe no Tietê é uma ilusão. A única solução seria uma completa mudança de percepção das pessoas sobre São Paulo. Se a população perceber que São Paulo está muito cheia, tem índices de criminalidade altos e decidir sair da cidade, pode ser que o problema se resolva.

Se isso não acontecer, e considerando o crescimento vegetativo da população, há risco de racionamento?

Sim. Se as obras de melhoria do abastecimento não começarem agora [por exemplo, captação de água da chuva], teremos problemas no Nordeste e nas grandes cidades brasileiras. Estou falando de 50% das cidades brasileiras. Se não tomarmos providências agora, vai ser como aquela marchinha de Carnaval: de dia falta água e de noite falta luz.
A jornalista SABINE RIGHETTI viajou a Marselha (França) a convite do Fórum Mundial da Água

FSP, 22/03/2012, Cotidiano, p. C14-C15

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/32777-agua-rara.shtml
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/32778-governo-paga-para-siti…
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/32779-cidade-grande-pode-ter…

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