VOLTAR

Água, essa preciosidade

FSP, Mais, p. 9
Autor: GLEISER, Marcelo
02 de Jul de 2006

Água, essa preciosidade
Cuidar dos recursos hídricos e de sua distribuição é preservar o nosso futuro

Semana passada tive a oportunidade de conversar com um colega meu, Ben Bostick, professor de geoquímica aqui em Dartmouth.
Ben tinha acabado de voltar do Camboja, onde pesquisa a qualidade da água. Devastado por quatro décadas de guerra, esse país do Sudeste Asiático sofre com muitos problemas. Porém, dentre eles, a falta de acesso a água potável para 70% da população, em torno de 10 milhões de pessoas, é o mais sério. Especialmente nas áreas rurais, as pessoas bebem água de regiões alagadas para plantações de arroz, de poças ou poços rasos, escavados sem qualquer fiscalização. Fora a poluição normal, causada por fertilizantes, inseticidas, fezes de animais e lixo, os habitantes têm de lidar com outro problema, a poluição natural por arsênico, que vem do solo e se mistura com a água. É aqui que entra o trabalho do Ben, o estudo dos processos que liberam o arsênico do solo, permitindo que ele se misture com a água a ser bebida pelas pessoas.
"É importante lembrar que o solo é uma entidade viva", disse. Em geral, o arsênico se combina com outras substâncias que ocorrem no solo, sem causar grandes problemas para a água. São os micróbios que vivem no solo, que se alimentam das substâncias que prendem o arsênico a ele, que causam o problema. O arsênico se mistura com a água, que adquire uma coloração turva. Apenas 1% da população tem acesso a água em casa. Alguns, mais ricos, cavam seus poços e acabam bebendo água envenenada. Os outros bebem a água que acham, em rios ou poças. Uma em dez crianças com menos de um ano morre devido a infecções intestinais e má-nutrição, e 50% têm problemas de crescimento. Nos últimos 10 anos, a diarréia matou mais crianças no mundo do que o número de mortos em todos os conflitos desde a Segunda Guerra Mundial.
Existem dois grandes problemas com relação à água: falta dela e má qualidade. O problema do Camboja é a qualidade. Grupos de voluntários viajam pelo país cavando poços em locais seguros. Por R$ 400 é possível cavar um poço que fornece água potável para 1.500 pessoas. Filtros simples de barro, distribuídos pela Cruz Vermelha, também ajudam muito. Soluções simples requerendo poucos recursos.
Segundo estimativas da Cruz Vermelha Internacional, 40% da população mundial vive em áreas com escassez de água. Até 2025, o número aumentará para dois terços da população mundial, cerca de 5,5 bilhões de pessoas. Em 2003, o acesso à água foi declarado um direito fundamental dos homens. Um direito e uma necessidade. O leitor interessado pode consultar o portal da Cruz Vermelha.
E o Brasil? Nosso país é abençoado por uma quantidade enorme de água. Mesmo assim, devido à falta de planejamento, à devastação do solo e à poluição de nascentes e rios tanto em áreas rurais quanto urbanas, o problema é sério. Cerca de 20% da população ainda não tem acesso à água potável. Em áreas rurais pobres, o número aumenta muito, chegando a 90% segundo algumas estimativas (www.landaction.org).
Dentre os projetos que visam a amenizar o problema, vale mencionar a campanha que pretende construir 1 milhão de cisternas para armazenar águas pluviais na região semi-árida dos estados de Minas Gerais e da região Nordeste, beneficiando 18 milhões de pessoas, a maior população vivendo em área semi-árida do mundo. As cisternas coletam água perto das casas e são seladas de forma que a luz (que permite o crescimento de plantas) e os insetos não possam penetrar. A água é um bem de valor incomparável. Sem ela, a vida é impossível. Cuidar dela e da sua distribuição é preservar o nosso futuro.

Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu"

FSP, 02/07/2006, Mais, p. 9

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.