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Agricultores temem volta de ameaça e tensão a Anapu

FSP, Brasil, p. A4
11 de Mai de 2008

Agricultores temem volta de ameaça e tensão a Anapu
Moradores de lote criado por freira prevêem aumento de conflito e mais mortes
Ex-presidente de Sindicato Rural diz que repercussão da morte de Dorothy não reduz possibilidade de novo crime causado por disputa agrária

João Carlos Magalhães
Enviado especial a Anapu (PA)

Na última terça-feira, em Belém, quando o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, foi absolvido da acusação de mandar matar a freira Dorothy Stang, a cerca de 750 km dali, em Anapu, oeste do Pará, fogos de artifício foram estourados por outros fazendeiros e simpatizantes do acusado.
Mas a 56 km da cidade, no PDS Esperança, pequenos agricultores pressentiram que, com essa decisão do Tribunal do Júri, a tensão e o medo devem novamente dominar a região, como na época anterior ao assassinato da missionária.
PDS é a sigla de Projeto de Desenvolvimento Sustentável, que irmã Dorothy idealizou e liderou naquela região, como proposta de assentar famílias em pequenos lotes de terra.
A disputa pela posse das terras -das quais fazendeiros, entre eles Bida, se consideravam proprietários- era o principal motivo das ameaças contra a vida da religiosa.
Só depois da repercussão internacional do assassinato de Dorothy, em fevereiro de 2005, o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) conseguiu a emissão de posse da área, decisão favorável aos moradores do PDS. Mas Bida e outros fazendeiros continuam recorrendo da decisão.
Agora, com Bida inocentado pelo Tribunal do Júri, os moradores do PDS acham que a anunciada volta do fazendeiro à região trará consigo o recrudescimento da tensão.
"Ele vai vir buscar as terras dele. Vai chegar e fazer o que der vontade", afirma o agricultor e artesão Antônio Dias dos Reis, 34. Ele diz que, já antes da morte de Dorothy, sofria ameaças para desocupar uma área que hoje faz parte do PDS.
O PDS fica no lote 55 da gleba Bacajá, na remota área rural de Anapu. A Folha esteve no local na sexta-feira e ouviu 15 moradores. Todos eles disseram ter medo. Reis estava tão ansioso com a decisão do Tribunal do Júri de Belém na terça que chegou a comprar um rádio velho para ouvir a transmissão do julgamento. "Quando fiquei sabendo [da absolvição de Bida], tive vontade de ir embora, procurar outro lugar para mim."
Como as outras 12 famílias do PDS, ele quase não tem renda. Sobrevive do que planta: banana, arroz e feijão.
A produção não cresce, pois falta infra-estrutura. Não há energia nem água encanada na maioria das casas. A estrada que vai até Anapu é de terra batida e fica intransponível quando chove, o que é freqüente.
O isolamento é outro fator que aumenta o temor. "Tenho medo de que aconteça comigo o que aconteceu com ela [Dorothy]", disse Lucivânia Rodrigues, 28, que reside na área desde meados de 2005.
Lucivânia contou que, quando Bida foi absolvido, sua filha de 12 anos lhe perguntou: "Ih, mãe, o que vai ser da gente?" Lucivânia disse que respondeu: "Tem que ter fé em Deus".
Um dos poucos que dizem não ter medo é Raimundo de Souza Sales, que afirma "estar pronto para morrer brigando" com Bida. "Se ele vier aqui, eu como o cérebro dele", diz o agricultor de 50 anos.
Gabriel Domingos, 46, ex-presidente do Sindicato Rural, diz que a repercussão internacional da morte de Dorothy não reduz a possibilidade de um novo crime motivado pelo conflito agrário no Pará. "Uma coisa é matar uma líder como a Dorothy. Outra é matar um desconhecido. No final, até a gente esquece."
A reportagem foi até a Prefeitura de Anapu e até a casa do prefeito Luiz dos Reis (PTB), mas não conseguiu contatá-lo. Segundo moradores da cidade, o prefeito recebeu apoio de Bida durante a campanha eleitoral. A Folha não encontrou nenhum grande proprietário rural da região para comentar a decisão que libertou Bida.

Para advogado, condenar Bida não cessa conflito

Da agência Folha

Eduardo Imbiriba, advogado do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, declarou ontem que não há como relacionar a absolvição de seu cliente a novos conflitos agrários que venham a ocorrer no Pará.
"Conflitos lá sempre existiram e não é a condenação dele que vai acabar com o problema", disse Imbiriba à reportagem.
Para o advogado, a prisão de Vitalmiro Bastos de Moura -acusado de ser mandante do assassinato da missionária Dorothy Stang- "virou assunto em palanque eleitoral".
"Os governantes são omissos e isso virou uma questão política. Vitalmiro é um troféu para eles."
Imbiriba afirmou ainda que Bida está procurando orientação jurídica para saber como deve proceder para reaver a fazenda com cerca de 3.000 hectares em Anapu (750 km de Belém), que foi desapropriada no ano passado.
"O governo, tanto federal como estadual, tem que trabalhar para prover segurança na questão fundiária. Só assim o problema [de conflitos agrários] lá vai ser resolvido", disse.
Em entrevista publicada na Folha na última quinta-feira, Bida disse que pretende continuar trabalhando com pecuária, mas que há muita "coisa irregular" no campo.
"O governo, o Incra, não faz a coisa justa. Se o Incra indenizasse, não acontecia problema nenhum", afirmou. Ele também disse, na ocasião, que, "se tivesse conhecido Dorothy", ela teria "um amigo na região".
(Renata Baptista)

FSP, 11/05/2008, Brasil, p. A4

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