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Afogado em problemas

O Globo, Rio, p. 16
20 de Abr de 2012

Afogado em problemas
MP cobra do estado resultados do programa de despoluição da Baía, que se arrasta desde 1995

Diego Barreto
diego.barreto@oglobo.com.br
Elenilce Bottari
elenilce@oglobo.com.br

A promotoria de Meio Ambiente vai propor audiência especial à Justiça, com a presença de representantes do governo e da Cedae, para apresentar um relatório sobre a situação das obras de despoluição da Baía de Guanabara e a aplicação de R$ 1,5 bilhão de recursos investidos pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), pelo governo japonês e pelo estado para a conclusão do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG), que se arrasta desde 1995. A obra faz parte dos compromissos do governo com o Comitê Olímpico Internacional (COI) para as Olimpíadas de 2016. A ação que tramita na 3ª Vara de Fazenda Pública da capital desde 2007 tem por objetivo obrigar a Cedae a apresentar um cronograma físico-financeiro completo, com prazos definidos para sua conclusão, e exigir do estado garantias dos repasses necessários.
Ontem, a promotora do Meio Ambiente, Rosani da Cunha Gomes, fez um sobrevoo na Baía de Guanabara, acompanhada de uma perita, de um documentarista e do presidente da ONG Olhar Verde, Mário Moscatelli, para produzir um vídeo que será parte integrante do relatório.
- Processos são frios e não expressam a situação. Várias obras estão sendo feitas, mas, efetivamente, a situação não mudou. Está piorando em relação a 2007. Fiquei triste e decepcionada com o que vi. Apresentando um vídeo para todos com a situação de degradação da baía, quem sabe, não consigamos sensibilizar a todos - afirmou Rosani.
Segundo ela, o processo começou na administração anterior, quando as obras estavam paralisadas e não havia transparência sobre a aplicação dos recursos, mas a ação ficou estagnada, depois que a juíza Luciana Losada Albuquerque Lopes determinou, em julho de 2009, a realização de uma perícia para avaliação da poluição na baía. A perícia custaria R$ 80 mil. Tanto o MP quanto a Cedae recorreram da decisão.
Minc concorda com audiência
O secretário estadual do Ambiente, Carlos Minc, é favorável à realização de uma audiência especial, mas ressaltou que a situação mudou muito de 2007 para cá. Segundo ele, em quatro anos, o tratamento de esgoto doméstico saiu de 2 mil litros por segundo para mais de 5 mil litros por segundo:
- Esse inquérito é do antigo programa, porque não tinha transparência nenhuma. Construíram as estações de tratamento com dinheiro do BID, mas o que era para ser feito com o dinheiro do Fundo Estadual de Conservação Ambiental (Fecam), que eram as elevatórias, redes e conexões, não foi feito. Ficamos 13 anos com as estações de tratamento de esgoto secas. Quando assumimos, a Estação de Alegria (Caju) tratava 300 litros por segundo , com tratamento primário, ou seja, nada. Hoje trata 2.500 litros.
O presidente da Cedae, Wagner Victer, argumentou que o inquérito sobre o programa de despoluição começou ainda na administração passada e garantiu que hoje todas as informações sobre obras e gastos estão na internet. Segundo ele, não é possível cravar prazos num programa tão complexo:
- Dependemos do Congresso para autorizar a captação de recursos estrangeiros e também dependemos de licitações, que por vezes atrasam, em razão de contestação de empresas participantes. Mas o fato é que hoje já tratamos 6 mil litros de esgoto por segundo e chegaremos a 2016 tratando 16 mil, ou seja, 80% de todo o esgoto produzido.
Presidente do Instituto Brasil Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), o engenheiro sanitarista Haroldo Mattos de Lemos acredita que o problema do esgotamento doméstico está equacionado, mas a questão do lixo ameaça a despoluição da baía:
- O maior problema hoje é o lixo. Os moradores, principalmente da Baixada, jogam o lixo nos rios que desembocam na baía.
'Esgoto sobra no rio e falta na estação'
Entre os problemas apontados no sobrevoo de quinta-feira, o presidente da ONG Olhar Verde, Mário Moscatelli, cita o fato de a Estação de Alegria, no Caju, ainda funcionar com metade de sua capacidade:
- O esgoto que sobra no rio falta dentro da estação. Ainda tem muita coisa para ser feita, e é preciso transparência.
O pescador Jaime Cerrado, de 69 anos, nascido e criado na Praia do Porto Velho, em São Gonçalo, diz que a poluição está destruindo o meio ambiente e a atividade pesqueira na região. A pequena enseada, onde a água é malcheirosa e coberta por uma camada de lixo que inclui de garrafas plásticas a sapatos, em nada lembra a baía em que ele pescava quando jovem.
- Meu pai era pescador e eu segui o ofício. Mas a poluição está matando a baía e acabando com a pesca. Antes eu ia para o mar e voltava com 70 quilos de pescado. Hoje quando está muito bom, o que é raro, a gente volta com 20 quilos - diz Jaime, que é o último na família envolvido com a pesca. - Não compensa mais pescar. Dentro da baía, só tem sujeira.
O cenário é o mesmo na Praia das Pedrinhas, que fica a poucos metros da Estação de Tratamento de Esgoto de São Gonçalo, construída na década de 90 com recursos do programa e que nunca operou satisfatoriamente. No local, uma manilha lança esgoto in natura no mar de forma intermitente. O pescador Pedro Paulo Bolpato, de 50 anos, conta que algumas espécies desapareceram da Baía de Guanabara.
- De uns dez anos para cá, a gente só pega tainha e corvina, que resistem à sujeira. Outros peixes, como a sardinha, sumiram. Às vezes, vou para o mar e volto sem pegar nada. A rede só puxa lixo. Tem dias que a praia fica coberta por uma espuma fedorenta, esgoto puro.

As obras começaram em Março de 1995

As obras de despoluição da Baía de Guanabara se arrastam desde março de 1995, com resultados que sempre ficaram aquém da propaganda dos diversos governos. Desde 2007, uma ação tramita na Justiça cobrando do estado um cronograma físico-financeiro do programa e datas precisas para a conclusão das obras.

O Globo, 20/04/2012, Rio, p. 16

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