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Autor: WAACK, Roberto
30 de Jan de 2025
As afinidades climáticas eletivas
Parece claro que capital natural terá, no futuro, valor econômico maior do que tem hoje
Roberto Waack
Membro do conselho de administração da Marfrig, presidente do conselho do Instituto Arapyaú e cofundador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura
30/01/2025
Tem sido impressionante a avalanche de textos e comentários, em todas as mídias, tratando de temas ambientais. O mesmo ocorre com a quantidade de eventos empresariais e posicionamentos políticos dedicados a esse assunto. Os movimentos do novo presidente americano, Donald Trump, reforçam o burburinho. Aparentemente, há apenas uma certeza: o risco climático aumentou significativamente, como mostram fatos, constatações e percepções que independem da afinidade de cada um com a ciência ou com as diversas narrativas de plantão.
Tempos de Afinidades "Climáticas" Eletivas! O romance escrito por Goethe trata da história de um casal que se apaixona, ao mesmo tempo, por convidados que passam alguns dias em sua casa. Goethe descreve com imensa sutileza o conflito que surge entre paixão e razão, conduzindo o processo ao caos e a um fim inesperado.
A atração pelo tema climático, pela Amazônia, pela agenda ESG e pelos recursos naturais, como sói acontecer com paixões, conflita atrozmente com a racionalidade. Esses assuntos, ou personagens, entraram, como convidados ou penetras, nas casas empresariais, financeiras, governamentais e filantrópicas. Vigora o caos opinativo, a sensação de incertezas e a desorientação na formulação de estratégias.
Em sua obra, Goethe consegue expor como poucos os elementos racionais e sensíveis que compõem a paisagem humana e as paixões entre os personagens. No imbróglio ambiental dos nossos tempos, o cenário não é menos disruptivo. No centro está a natureza, com sua imensa complexidade e imprevisibilidade. Naturalistas apaixonados defendem seu valor intrínseco, não mercantil. No outro extremo, economistas e contadores buscam formas de indicar impactos positivos ou negativos em instrumentos contábeis e valuations. Analistas colocam as mudanças climáticas entre as principais ameaças corporativas no curto prazo. Esse é um fato novo indicado no último relatório do Fórum Econômico Mundial, ocorrido em Davos. Riscos climáticos deixaram de ser ameaças reconhecidas apenas nos médio e longo prazos.
Emoções conflitantes e ruidosas afloram nas abordagens sobre métricas e monetização de ativos naturais. Seja como for, parece claro que o capital natural terá, no futuro, valor econômico maior do que tem hoje. Como nos relacionamentos relatados por Goethe, as afinidades eletivas conduzem a apostas. No campo estratégico empresarial, como modelos de negócio incorporam os ativos naturais? Como esses ativos entram nos portfólios de investimentos? Como medir retornos de conceitos complexos, considerados intangíveis?
A paixão suscita ações audaciosas, como a implementação de novos sistemas de custeio, precificação e valoração de ativos, com base no conceito de "positividade natural", ou seja, algo que é mais que a neutralidade de impactos, tendo a construção de valor do capital natural como modelos de negócios (e de políticas públicas).
No campo dos riscos, afinidades eletivas têm consequências. Nesse cenário caótico, pode-se agrupar estratégias empresariais em quatro tipologias. Uma é a trumpista, em que as empresas aderem integralmente à proposta do presidente americano de negacionismo climático e a posturas anticientíficas nesse campo.
Num segundo grupo estão empresas que aderem publicamente à narrativa vigente do novo líder global, mas que se mantêm atentas aos sinais e consequências das mudanças climáticas e depleção dos recursos naturais planetários nos seus negócios. Entre elas estão várias organizações que aproveitam o momento político para ganhar tempo nas suas estratégias relacionadas à redução de externalidades negativas no campo ESG, mas que não abandonarão de fato essas frentes em seus negócios. Alguns atores do mercado financeiro e várias empresas de tecnologia digital compõem esse conjunto.
Um terceiro grupo, provavelmente com o maior número de empresas, é formado pelas que exercem o chamado green hushing: buscam certa invisibilidade, permanecendo escondidas nas moitas (cada vez menores, vale lembrar). E, finalmente, há o grupo que leva os riscos ambientais de curto prazo a sério. Entre elas, é comum a condução de estratégias de adaptação às mudanças climáticas. Nesse grupo estão praticamente todas as grandes seguradoras.
A tensão entre paixões e racionalidades ambientais navega pelos desconhecidos e poderosos caminhos do poder de mercado como forjador da incorporação do capital natural no campo político empresarial. Tudo indica que será ele, e não os mecanismos de regulação, que prevalecerá.
A conexão do capital natural e sua complexidade com a Inteligência Artificial vem demonstrando seu poder de fascínio e sensualidade. Decodificar os segredos dos códigos genéticos, manipulá-los livremente, como Goethe apresentaria, toca o desnudamento, a indiscreta intimidade com a natureza, seus aromas, sabores, texturas e aplicações conhecidas e desconhecidas. A Inteligência Artificial explora recônditos da biodiversidade como nenhum amante da natureza já ousou fazer.
O mundo real, fora do leito sensual da natureza e dos dramas que ela pode nos apresentar, trata das afinidades eletivas com subsídios à economia dependente dos combustíveis fosseis. Estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI) indica valores de US$ 7 trilhões anuais, ou 7% do PIB mundial, utilizados nesses subsídios, envolvendo preços abaixo dos níveis de eficiência econômica (custos) e impactos negativos no aquecimento global (e suas consequências econômicas). É um exemplo claro de como paixões e razão convivem embaixo de edredons que evitam a explicitação de atos que deixam a literatura libidinosa climática constrangida.
Aos elementos ambientais, somam-se os sociais, levando a paisagem das afinidades climáticas eletivas para um baile. Já não marchamos em direção ao futuro, mas, sim, dançamos com ele num palco chinês, com múltiplas tonalidades desconhecidas e estranhas aos nossos ouvidos. Ainda assim, as afinidades eleitas nesses tempos obscuros e incertos serão determinantes para a sobrevivência de empresas e sistemas políticos. Vale a pena abstrair o belo livro do autor alemão, não por propor um único final possível, mas pela relevância das escolhas apaixonadas em combinação com as propostas que a racionalidade apresenta.
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