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Adriana Ramos: "a relevância da pauta ambiental está cada vez maior, e isso não tem volta!"

Conexão Planeta - https://conexaoplaneta.com.br/
Autor: RAMOS, Adriana
08 de Jun de 2020

Adriana Ramos: "a relevância da pauta ambiental está cada vez maior, e isso não tem volta!"

8 de junho de 2020 Maura Campanili

Coordenadora do Programa de Política e Direito do Instituto Socioambiental (ISA), Adriana Ramos é conhecida por sua facilidade de conectar pessoas e negociar interesses da pauta socioambiental e da sociedade civil nas mais diversas instâncias governamentais do país e também na cooperação internacional. Como bem se define, é uma lobista do bem.

Ela contou ao blog Mulheres Ativistas, do Conexão Planeta, que, desde as eleições de 2018, porém, o movimento ambientalista passou a ser considerado inimigo do governo federal, o que afetou o cenário de liberdade e transparência da militância. "Nunca o país teve um governo tão anti-ambientalista e anti-sociedade civil e a favor da ilegalidade, como este. Sua luta é para destruir as organizações e passar o trator por tudo o que construímos. E tem demonstrado uma capacidade destrutiva muito forte para isso".

Por outro lado, Adriana ressalta que, por ser um assunto de motivação pessoal do presidente, este é o momento em que a temática ambiental mais se aproxima do debate sobre democracia, desenvolvimento e futuro do Brasil. E a tendência veio para ficar.

Como é o ativismo junto ao poder público no Brasil?
O Instituto Socioambiental foi uma das primeiras organizações não-governamentais a abrir uma frente organizada de interação com diversos níveis de governo. Fazemos lobby do bem. Não que esta fosse uma atividade nova para a política ambiental. O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) já era um espaço de incidência, mas trouxemos a experiência das organizações que deram origem ao ISA - como o Núcleo de Direitos Indígenas (NDI) - de trabalhar com foco na implementação dos direitos dos povos indígenas.

Passamos a atuar diretamente com parlamentares e outras instituições, construindo relações e acumulando conhecimento, e adquirimos a capacidade de acompanhar os processos para ter incidência cirúrgica nesses temas. Em geral, naquela época, os grupos da sociedade civil sabiam o que queriam, mas não como endereçar. Nosso segredo foi ajudar as organizações locais a direcionar as demandas para que fossem atendidas.

É preciso conhecer a burocracia, para poder encaminhar corretamente. Saber o que é lei, o que é resolução. Entender os regulamentos, regimentos e construir relações. Esse é o diferencial do meu trabalho. Sou uma pessoa de comunicação, tenho facilidade nas relações interpessoais, o que me favoreceu fazer conexões e pontes. Esse perfil pessoal agregou ao trabalho que o ISA já fazia.

Como você começou nesse trabalho?
Sou do Rio de Janeiro e trabalhava com produção cultural e publicidade. Quando me casei, meu marido (o antropólogo Henyo Barretto Filho) foi dar aula na Universidade em Manaus e nos mudamos para a Amazônia. No início, atuava na mesma área, mas produzir shows em Manaus era chocante por conta da desigualdade social. Pessoas que gostavam dos artistas não tinham dinheiro para comprar ingressos. Quem podia pagar, só ia quando o espetáculo saía em coluna social. Me deu certo desgosto. Quando a empresa em que estava fechou, não quis mais trabalhar para o lucro de alguém. Conhecia pessoas da Fundação Vitória Amazônia (FVA) e me chamaram para atuar na comunicação.

Na época, a FVA era uma organização pequena e tinha acabado de fechar o primeiro convênio com o Ibama para cogestão do Parque Nacional do Jaú. Fiz um treinamento e acabei atuando em relações interinstitucionais.

Henyo já tinha uma trajetória militante indígena anterior à minha. Participou dos primeiros levantamentos sobre terras indígenas como estagiário do Museu Nacional, antes de irmos para Manaus. O Parque Nacional do Jaú tinha comunidades dentro e os biólogos da FVA não tinham expertise para lidar com isso. Convidaram o Henyo para integrar o conselho da Fundação e para a equipe de pesquisa do parque, para estudar as comunidades. A ida para a Amazônia nos aproximou da realidade da região e construiu essa junção de interesses que mantemos até hoje, mas com caminhos diferentes.

Quando Henyo passou em concurso para a Universidade Federal de Brasília, nos mudamos novamente. Voltei a procurar trabalho quando minha filha fez sete meses e queria continuar na mesma área. O ISA tinha acabado de ser criado. Fui conversar com o Márcio Santilli, que tinha conhecido na Amazônia, e ele precisava de uma pessoa da área ambiental, pois a equipe era formada mais por indigenistas. Fui uma das primeiras funcionárias contratadas. Caí nesse mundo socioambiental por acaso, mas me viciei rápido.

Como foi o início da sua atuação no ISA?
Quando cheguei, em 1995, a organização tinha acabado de surgir. A pauta para a política ambiental ainda não estava clara, a área de políticas públicas se limitava a acompanhar o que estava acontecendo. As primeiras coisas que fiz foram ler quase todo o arquivo do NDI e frequentar espaços de interação na política ambiental. Fui aprender como levantar projetos de lei de interesse no Congresso Nacional. O que hoje fazemos com cinco cliques, na época demandava ir até lá, pedir uma pesquisa etc.

Os veteranos do ISA me mostraram como funcionava a burocracia, o Conama, me levavam às reuniões. Eu identificava o que havia de interessante e mandava as informações para o mailing do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (FBOMS). A ideia era ajudar ativistas em diversas regiões do país. Passei a usar essa minha habilidade para fazer conexões e pontes e, com isso, conheci muita gente. Até hoje as pessoas me ligam para pedir contatos ou ajudar com referências de outras pessoas. Me tornei porta-voz de instituições e grupos. Não foi fácil, mas conquistei esse espaço.

Você era mulher e jovem em um ambiente como o Congresso Nacional. Sentiu alguma dificuldade por isso?
Fui protegida pela inocência. Venho de uma família em que minha mãe nos cuidou praticamente sozinha e sempre disse para eu buscar independência financeira pelo trabalho. Ela nunca permitiu que eu me intimidasse. Quando precisei lidar com personalidades fortes no trabalho, desenvolvi um lado espirituoso, com a língua mais rápida que o pensamento que ajudou a não me amedrontar.

No Congresso, faziam (e ainda fazem) piadinhas, mas nunca vivenciei algo drástico. A única vez que presenciei uma situação de discriminação foi em um encontro na Papua Nova Guiné. Participava de um grupo de trabalho, cujo relator era daquele país e não escrevia nada do que eu falava. Um colega do Greenpeace percebeu e repetia tudo o que eu dizia e aí ele anotava.

Como você expandiu sua atuação também para questões internacionais?
Pouco mais de um ano depois que entrei no ISA, Márcio Santilli se tornou presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) e outros colegas se mudaram para São Paulo, onde fica a sede do Instituto. Era uma época de atividade forte na agenda indigenista e comecei a interagir diretamente com as lideranças indígenas. Além disso, o ISA tem como característica trabalhar com experiências e parceiros locais e procurei conhecer de perto o que acontecia em campo. Trazíamos experiências e opiniões de parceiros locais, o que dava legitimidade às nossas ações.

Além disso, falava inglês, o que não era tão comum naquele tempo, e isso me levou a interagir com parceiros internacionais. Comecei a fazer viagens para fora do país a partir de 2000 e tive contato com o universo da cooperação internacional e como a sociedade civil funcionava nesse contexto. Assim, comecei a fazer lobby em relação à participação da sociedade civil nessas instâncias.

Cite grandes vitórias das quais você participou?
No Legislativo, a Lei da Mata Atlântica, a Medida Provisória do Código Florestal, que permaneceu entre o inicio dos anos 2000 até 2012, a construção do processo de valorização das terras indígenas. Tenho orgulho de ter participado da organização do seminário de Macapá, em 2009, que definiu as áreas prioritárias para conservação na Amazônia.

Mas também houve grandes frustrações, como a mudança no Código Florestal, em 2012, e derrotas, como a flexibilização do licenciamento para pequenas centrais hidrelétricas no país.

O que mudou na sua atuação após as eleições de 2018?
Sou uma ativista construída no processo democrático, com a participação em conselhos, fóruns. Sempre militei em um ambiente de liberdade e transparência, acreditando em construções coletivas. De repente, nos vimos em uma situação em que somos considerados inimigos públicos número um. Isso reduz o espaço de transparência das militâncias.

É mais fácil ser ativista em Brasília. Corremos menos riscos do que quem está em campo, onde os conflitos socioambientais acontecem. Mas, quando o poder público tem como estratégia criminalizar o ativismo, é preciso ter cuidado, mesmo aqui. Queremos resultados, mas não riscos pessoais.

Quando comecei, os representantes da sociedade civil tinham peso. Só a nossa presença no Congresso obrigava os parlamentares a negociar. Mas as redes sociais tornaram a opinião pública mais próxima, relativizando a importância da nossa presença. Agora, precisamos convencer as pessoas a nos apoiar nas redes, e mobilizar a opinião pública passou a fazer parte do nosso trabalho, para que tenha respaldo.

Vivemos um momento único para o movimento ambientalista após as eleições de Bolsonaro. Nunca o país teve um governo tão anti-ambientalista e anti-sociedade civil e a favor da ilegalidade. Sua luta é para destruir a sociedade civil e passar o trator por tudo o que construímos. E tem demonstrado uma capacidade destrutiva muito forte.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que representa um ideal de certa parcela da população, que o considera de boa aparência, tem uma competência para destruir o que foi conquistado com requintes de crueldade. Militarizar o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), por exemplo, é inverter a lógica do perfil ambientalista desse órgão. Estar na área ambiental do governo sempre foi um trabalho mal remunerado, em locais longínquos, o que pressupõe um engajamento de quem atua que é contrário à lógica militar.

O que o ISA tem feito em relação a essa situação?
Esse novo modelo nos forçou a mudar a forma de atuação. Sempre trabalhamos acreditando no poder do Estado. Procurávamos o executivo federal, responsável pelas terras indígenas, por exemplo, para buscar soluções. Mas o governo atual não é mais receptivo às demandas, não quer ver a agenda avançar. Virou uma frente de embate.

Precisamos nos contrapor e, ao mesmo tempo, ampliar a articulação dentro do Congresso Nacional. Temos fortalecido nosso trabalho no Legislativo e para ampliar o diálogo com a sociedade. Trabalhamos com as frentes parlamentares e tentamos garantir que o Legislativo ainda seja um poder moderador. O ISA também sempre atuou junto ao Judiciário. Por conta da postura do executivo, tentamos fazer funcionar os pesos e contrapesos da República para que o governo não consiga fazer tudo o que pretende.

É uma tristeza ver o desmonte que vem acontecendo. Por outro lado, ao ser um assunto de motivação pessoal do presidente, é o momento em que a temática ambiental mais se aproxima do debate sobre democracia, desenvolvimento e futuro do Brasil.

Você acredita que essa incidência do tema ambiental é uma tendência?
A crise climática e a pandemia fizeram a sociedade ficar mais preocupada, mesmo que não saiba o que fazer. Mas ela se movimenta e sua resposta é um alento. Perdemos na política, mas ganhamos espaço na sociedade. Artistas com milhões de seguidores apoiam a causa.

O ISA é uma instituição que ganhou reconhecimento, e a relevância da pauta socioambiental para o futuro do Brasil é sem volta. Sou privilegiada por estar em um espaço de luta e poder trabalhar em uma área que me permite intervir diretamente em questões importantes.

Edição: Mônica Nunes

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