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Acusadas de trabalho escravo doaram para petistas no Pará

FSP, Brasil, p. A10
18 de Dez de 2006

Acusadas de trabalho escravo doaram para petistas no Pará
Ana Carepa e Paulo Rocha receberam de siderúrgicas autuadas por irregularidade
Petistas, historicamente ligados ao combate do uso de mão-de-obra escrava, têm projetos para combater o crime que afeta o Norte

Elvira Lobato
Da sucursal do Rio

Combatente histórica do trabalho escravo, a governadora eleita do Pará, Ana Carepa, do PT, recebeu ajuda financeira em sua campanha de três siderúrgicas acusadas pelo Ministério do Trabalho de serem co-responsáveis pelo uso de mão-de-obra escrava em carvoarias do Pará e do Maranhão.
Ela é autora do projeto de lei, em tramitação no Congresso, que proíbe instituições financeiras públicas de concederem empréstimos a empresas e pessoas físicas que estejam na ""lista suja" do trabalho escravo.
O governo já proíbe crédito público a empresas que foram condenadas pelo Ministério do Trabalho, em âmbito administrativo, mas empresários têm conseguido exclusão da lista, via Justiça, sob a argumentação de que a medida não está respaldada em lei.
Outro expoente do PT do Pará no combate ao trabalho escravo, o deputado federal eleito Paulo Rocha também recebeu doação para campanha eleitoral de siderúrgicas autuadas pelo Ministério do Trabalho. Ele é autor da proposta de emenda constitucional para expropriação de terras de fazendeiros e de empresas condenados por uso de mão-de-obra escrava.
Segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Ana Carepa recebeu R$ 629 mil em doações, na campanha eleitoral, das siderúrgicas Cosipar, Ibérica do Pará, Simara, Sidepar e Sidenorte. As três primeiras foram autuadas pela fiscalização móvel do Ministério do Trabalho, acusadas do que a governadora eleita mais combate publicamente: o uso de mão-de-obra em condição análoga à escrava. Sidemar e Ibérica também doaram para a campanha de Rocha, que recebeu R$ 146 mil de siderúrgicas do Pará.
Segundo a Justiça Eleitoral, além dos dois, receberam doações de siderúrgicas um candidato ao Senado e outros três deputados federais e quatro estaduais eleitos.
As doações suscitaram suspeitas de que haveria uma articulação no governo para proteger as siderúrgicas, que estão sendo alvo de ameaças de retaliação por parlamentares democratas nos EUA e por empresas norte-americanas que compram ferro gusa das siderúrgicas da área de Carajás.

Multas
Ao assumir o governo federal, em 2003, o Ministério do Trabalho baixou nota técnica orientando os auditores a responsabilizar as siderúrgicas por trabalho escravo quando constatassem que os empregadores nas carvoarias não tinham autonomia financeira e eram ""laranjas" ou ""gatos" a serviço das empresas.
Oito siderúrgicas foram autuadas em 2004: Fergumar (Ferro Gusa do Maranhão), Simasa (Siderúrgica do Maranhão), Viena Siderúrgica do Maranhão, Siderúrgica Ibérica do Pará, Cosipar (Companhia Siderúrgica do Pará), Usimar, Margusa (Maranhão Gusa), Cosima (Companhia Siderúrgica do Maranhão).
Três delas são ligadas a grupos conhecidos: a Margusa é subsidiária do Grupo Gerdau; Simasa e Cosima pertencem à empreiteira pernambucana Queiroz Galvão.
Em 2005, a Simasa sofreu duas autuações por trabalho escravo em carvoarias em Açailândia (MA) e Dom Eliseu (PA). Também foi autuada em Dom Eliseu a siderúrgica Gusa Nordeste. Neste ano, o Ministério do Trabalho recebeu 26 denúncias de trabalho escravo em carvoarias, fiscalizou 17, e resgatou 407 trabalhadores que se encontravam em condição classificada como análoga à de escravo: sem água potável e alojamento adequado, trabalhadores impedidos de deixar o local e presas por dívidas aos contratantes, que estariam a serviço de siderúrgicas.
Em fevereiro, a Siderúrgica Ibérica foi autuada em Marabá (PA). Entre março e abril, a Simasa sofreu duas autuações em carvoarias de Dom Eliseu (PA). No mesmo período, também em Dom Eliseu, foram autuadas a Viena e a Fergumar.
Em maio, a Usimar foi autuada após inspeção em São Geraldo do Araguaia (PA). Em setembro, a Cosipar foi autuada durante inspeção em carvoarias em Goianésia (PA).

Governadora eleita do Estado afirma não ter responsabilidade sobre doadores

Da sucursal do Rio

A governadora eleita do Pará, Ana Júlia Carepa (PT), afirmou, por meio de sua assessoria, que não tem responsabilidade sobre os atos praticados por empresas que doaram para sua campanha e que não foi responsável pelos contatos com empresas para arrecadação na campanha eleitoral.
Segundo a assessoria, Carepa disse que quem praticar trabalho escravo no Pará, durante seu governo, "seja lá quem for", pagará pelo fato.
Ao ser eleita governadora do Estado, uma das primeiras iniciativas de Carepa foi assinar um compromisso para priorizar em sua gestão o combate ao trabalho escravo.
O deputado federal eleito Paulo Rocha (PT-PA) disse que, se soubesse que as siderúrgicas que doaram para sua campanha respondem a processos administrativos do Ministério do Trabalho por uso de mão-de-obra escrava em carvoarias, não teria aceitado as contribuições financeiras.
"Sinceramente, eu não sabia. Se soubesse, com certeza não pediria ajuda a elas, para não ficar nesse constrangimento. Mas isso não me tira a condição para continuar lutando pela aprovação da emenda constituição para expropriação de propriedades envolvidas com trabalho escravo", disse Rocha.
Ele disse que tomou a iniciativa de pedir contribuição às empresas e que o presidente da Sidemar (Siderúrgica de Marabá), Demétrius Ribeiro, é seu amigo de longa data. O empresário, de Marabá, é suplente do senador eleito Mário Couto, do PSDB, que também recebeu contribuição da Simara.

Ibama e siderúrgicas
Paulo Rocha disse que apóia a autuação das siderúrgicas nos casos em que é evidente que elas controlam as carvoarias onde há trabalho escravo.
O deputado disse que, há mais de um ano, vem negociando com o governo a assinatura de um termo de ajuste de conduta entre o Ibama e as siderúrgicas, para definir um prazo para que elas se tornem auto-suficientes na produção de carvão. Isso levaria ao fim da produção de carvão com madeira retirada ilegalmente de florestas. "Uma parte da produção é feita com madeira legal, mas há uma grande parte de carvão ilegal, fornecido por pequenos produtores, que detonam a floresta."
O deputado disse que foi acompanhado pelo secretário-executivo da Asica (Associação das Siderúrgicas de Carajás), Luiz Correia, e por representantes de sindicatos dos carvoeiros nos encontros com o governo e com o Ministério Público do Trabalho.
Paulo Rocha cumpriu mandato de deputado federal até outubro de 2005, quando, acusado de envolvimento no mensalão, renunciou para não correr o risco de ser cassado. Ele foi acusado de ter recebido, por meio de uma assessora, R$ 420 mil do valerioduto. Afirma que usou o dinheiro para pagar dívidas da campanha de 2002. O deputado foi reeleito com 117 mil votos. (Elvira Lobato)

FSP, 18/12/2006, Brasil, p. A10

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