VOLTAR

Acordo nuclear com a China pode beneficar o Amazonas

A Crítica, Tema do Dia, p. A3
28 de Mai de 2004

Acordo nuclear com a China pode beneficar o Amazonas
Reserva de urânio em Presidente Figueiredo é a maior do País, o que a torna forte candidata à exploração

O Amazonas possui a maior reserva de urânio do País, com volume estimado em 187 mil toneladas na mina do Pitinga, no Município de Presidente Figueiredo. A reserva amazonense será avaliada pelo Governo Federal e poderá ser exportada para a China.

JOUBERT LIMA
ESPECIAL PARA A CRÍTICA

A reserva de urânio do Amazonas, a maior do País, tem grandes chances de ser aproveitada comercialmente por conta do acordo de cooperação nuclear que está sendo negociado entre Brasil e China. Esse mineral estratégico para qualquer nação não está sendo beneficiado no Município de Presidente Figueiredo por falta de demanda interna e acordos para fornecimento internacional.
Durante a visita do presidente Lula à China, o Governo daquele país mostrou interesse em comprar urânio brasileiro não-enriquecido, isto é, sem o tratamento necessário para ser usado como combustível em usinas nucleares. Entre outros benefícios, a exploração do urânio do Pitinga poderá aumentara receita do Município de Presidente Figueiredo em royalties, além de incrementar a pauta de exportações do Estado.
Para o chefe de fiscalização do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), geólogo Gert Rodolfo Woeltje, 47, a produção de urânio do Amazonas tem totais condições de ser incluída no acordo com a China. Além do grande volume, o urânio amazonense tem a vantagem de já estar sendo retirado e armazenado adequadamente. A exploração no Pitinga é feita pela Mamoré Mineração e Metalurgia, empresa do grupo Paranapanema.
No Pitinga, o urânio é extraído com outros minerais, separado e armazenado em covas isoladas do contato com o solo e seladas por cima, de acordo com procedimentos determinados pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), que monitora constantemente a operação.
A Paranapanema não pode comercializar esse urânio, pois a exploração desse minério é monopólio do Governo Federal, por meio das Indústrias Nucleares do Brasil (INB), entidade ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. A assessoria de imprensa da Paranapanema explicou que o grupo está negociando com a INB uma forma de aproveitara produção. A venda para a China pode ser a melhor alternativa.
Apesar de ter a sexta maior reserva de urânio do mundo - estimada em 309 mil toneladas, o Brasil só explora o necessário para o funcionamento das usinas nucleares de Angra 1 e 2, no Rio de Janeiro, ou seja, 370 tonelada por ano. Além disso, o País não participa do comércio internacional de minério de urânio, deixando de aproveitar toda a demanda Internacional. Por essa razão, jazidas como a do Pitinga continuam embaixo da terra.
A mina do Pitinga tem capacidade para produzir aproximadamente 240 toneladas de urânio por ano, o que elevaria a produção do País para mais de 600 toneladas de urânio. Isso colocaria o Brasil na terceira posição entre os países produtores desse mineral.
Gert Rodolfo Woeltje explicou que a difícil logística da região não seria problema para o aproveitamento do urânio do Amazonas. Uma vez envazado em recipientes adequados, o produto poderia utilizar a mesma estrutura de transporte que a Paranapanema já emprega para escoar outros minerais, como o estanho, carro-chefe da mina do Pitinga.
0 ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos, afirmou que a política do País quanto à utilização das reservas nacionais de urânio começará a ser revista a partir de agosto, quando será criado um grupo interministerial para estudar o assunto. 0 grupo - que será composto por membros do MCT e dos ministérios das Minas e Energia, Defesa e Relações Exteriores - terá como uma de suas primeiras tarefas realizar o levantamento de toda a reserva de urânio disponível no País, Inclusive a do Pitinga.
0 objetivo é identificar o volume disponível de urânio não-enriquecido para definir o que poderá ser exportado para a China. 0 país de Mao-tse-tung tem apenas três usinas nucleares em operação. Porém, oito novas unidades estão em construção, daí a necessidade de fechar acordos com novos fornecedores de urânio. Os chineses também querem ser independentes no processo de enriquecimento do minério e pretendem aproveitar a tecnologia que está sendo desenvolvida no Brasil.

EM NÚMEROS
186 mil é o volume, em toneladas, da reserva de urânio na mina do Pitinga, em Presidente Figueiredo, a maior do País
142 mil é o tamanho, em toneladas, da reserva de urânio em Itataia, no, Município de Santa Quitéria, no Ceará
100,7 mil toneladas, volume da reserva de Caetité, na Bahia. É a única mina de urânio em funcionamento no País

Dependente de um empréstimo
A Paranapanema está em fase final de negociação com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para financiamento de US$ 20 milhões. 0 dinheiro será usado na implantação do projeto rocha sã, que vai permitir a continuidade das atividades na mina do Pitinga, em Presidente Figueredo, por meio da exploração de uma grande rocha rica em vários minerais.
A mina estava ameaçada de fechar por esgotamento das reservas de aluvião - depósitos minerais no leito dos rios e igarapés. Endividado, o grupo não dispõe do capital necessário para começara explorar a rocha sã. Por isso precisou recorrer ao BNDES. Esse endividamento se deve, principalmente, a problemas de gerenciamento. 0 grupo chegou a ser composto por 70 empresas no início dos anos 90, um aglomerado de difícil administração.
Desde 1996, o grupo Paranapanema passou a ser controlado pela Previ (Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil) e outros fundos de pensão, além de acionistas minoritários. 0 atual presidente é Geraldo Haenel, que está promovendo uma reforma administrativa desde o ano passado, reduzindo o grupo a quatro empresas. A mina do Pitinga é a maior jazida polimineral do mundo, com aproximadamente 195 milhões de toneladas de minério, entre eles: estanho, nióbio, tântalo e urânio.

Jefferson Péres
Senador da República

Pólo mineral consolidado

O Brasil é um dos poucos países do mundo capazes de realizar todo o ciclo do urânio dentro do seu território. Possui jazidas relativamente abundantes desse mineral,já faz o seu processamento inicial, para a produção do chamado yellow cake (urânio beneficiado),já domina o processo de enriquecimento, mediante a centrifugação, e já produz os elementos combustíveis utilizados nos reatores. Sem contar que os próprios reatores já podem ser produzidos aqui, na fábrica da Nuclep, resultante do antigo Acordo de Cooperação firmado com a Alemanha. E possui, em funcionamento, duas usinas termelétricas, Angra I e II, que consomem urânio.
O Amazonas se insere nesse contexto porque as jazidas de cassiterita de Pitinga contêm vários minerais associados, entre os quais o urânio, hoje um resíduo não aproveitado. Segundo me informaram os técnicos da empresa mineradora, estudos preliminares indicam ser economicamente viável a separação do urânio contido na rocha, a fim de transformá-lo em combustível nuclear.
Se assim for, e com a possível implantação, futuramente, de uma unidade processadora, com agregação de valor, teremos consolidado o pólo mineral de Pitinga e criado uma nova fonte de riqueza para Presidente Figueiredo e para o Amazonas.

Riqueza mineral armazenada no subsolo

Por falta de transporte até os centros consumidores, o urânio de Presidente Figueiredo também é extraído e guardado sob o solo. 0 mineral vem sendo armazenado há dois anos pela Paranapanema. O geólogo Gert Woeltje, do DNPM, explicou que esse processo é totalmente seguro, pois utiliza materiais que isolam a radioatividade do urânio. Nessas condições, o urânio pode ficar armazenado por tempo indeterminado. Esse isolamento é necessário pois o urânio é um elemento radioativo, Isto é, emissor de radiação. A radiação é a liberação de certas partículas em altíssima velocidade. A exposição por tempo prolongado a essas partículas pode causar lesões no organismo e até levar à morte.
Segundo Gert, no caso da reserva do Pitinga, a radioatividade é muito pequena e não representa perigo, desde que não haja exposição prolongada, como alguns meses ou' anos.

A Crítica, 28/05/2004, Tema do Dia, p. A3

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.