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Acesso a terras indígenas é fechado após regiões estarem "lotadas de turistas"

Carta Capital - https://www.cartacapital.com.br/saude
22 de Mar de 2020

Acesso a terras indígenas é fechado após regiões estarem "lotadas de turistas"

GIOVANNA GALVANI 22 DE MARÇO DE 2020

Portaria da Funai limitou acesso às tribos, onde o coronavírus poderia ter efeito devastador. ONGs também auxiliam na prevenção
Ainda que os mais de 1000 casos de coronavírus no Brasil estejam concentrados, por ora, nos centros urbanos, a preocupação com as populações indígenas do País, de norte a sul, faz com que organizações não-governamentais e órgãos de saúde indígena corram contra o tempo para blindar os povos tradicionais do vírus - que teria um potencial ainda mais grave frente a pessoas com baixa imunidade, costumes essencialmente coletivos e difícil acesso à saúde pública.

Até o momento, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) não registrou nenhum caso confirmado de coronavírus entre índios, informou a pasta a CartaCapital. Houve um caso suspeito - uma mulher que trabalhava durante o dia em um hotel em Porto Seguro, na Bahia, e voltava para a aldeia à noite -, mas ele foi descartado após o teste não apontar a contaminação.

A Sesai vinha emitindo documentos de alerta e orientação para as coordenações regionais em relação ao vírus desde o dia 28 de janeiro de 2020, mas foi somente na última terça-feira 17 que a Funai (Fundação Nacional do Índio) resolveu publicar um decreto que proíbe, desde então, a entrada de pessoas não autorizadas e necessárias nas terras indígenas.

De acordo com o secretário-chefe da Sesai, Robson Santos, a medida foi tomada após as autoridades perceberem a quantidade de turistas presentes em regiões de reserva. "Essa portaria saiu porque está lotado de estrangeiro. Tem turista, tem missionário, e a maioria é italiana, francesa , justamente onde está o maior foco. Você imagina o que pode acontecer? Essa medida é para a proteção, não para o cerceamento dos indígenas", argumenta Santos.

Entre as orientações passadas da Sesai para as coordenações regionais, que são 34, estão as informações básicas de prevenção pela higiene e pedidos para que indígenas que estudem ou trabalhem fora da aldeia interrompam o movimento pendular para evitar um possível vetor dentro das tribos.

A portaria da Funai também regula as atividades de contato com comunidades isoladas, que estão todas suspensas até segunda ordem. Surgiram críticas, porém, sobre um trecho do texto que permite que a regra seja rompida caso uma "atividade essencial à sobrevivência do grupo isolado" apareça.

Robson explica que o texto foi assim editado para que as autoridades possam prestar auxílios aos índios isolados somente se eles procurarem ajuda por questões médicas, por exemplo. "O ministro [Luiz Henrique Mandetta, da Saúde] é radicalmente contra o contato com comunidades indígenas isoladas. Se eles estão isolados, eles precisam se manter no direito de não manter contato.", diz o secretário.

ONGs auxiliam a tirar dúvidas
Se o vírus se espalha rapidamente nas cidades, o seu efeito dentro de comunidades indígenas mais afastadas pode ser de letalidade muito maior. O médico sanitarista Eugênio Scannavino argumenta que o momento é de levar informações precisas e de linguagem adaptada sobre a prevenção a fim de evitar o pior.

"As comunidades indígenas são muito mais vulneráveis e suscetíveis a todas as viroses nossas porque eles têm menos exposição ao vírus. Qualquer gripe ataca todo mundo, então tem uma taxa muito maior de pneumonia e complicações. Todo cuidado é pouco.", diz o médico.

Scannavino é fundador do Projeto Saúde & Alegria e navega com um barco-hospital, que presta atendimento médico a comunidades ribeirinhas e mais isoladas, pelo Rio Tapajós, no Pará. Conversando com a população local, o médico afirma que estão todos "assustados" e com receios de receberem pessoas de fora nas comunidades.

"Estamos em uma grande campanha educativa de prevenção, com os cuidados de higiene que já foram comentados, mas com uma linguagem bem simples e adaptada, para incentivá-los a lavar as mãos, ter cuidado com os mais velhos, e, caso alguém apresente algum sintoma, que fique em um local isolado", diz o médico.

Algumas dúvidas, porém, são específicas sobre o modo de vida de tribos indígenas, como o compartilhamento de objetos e o fumo do rapé, que é assoprado diretamente no nariz. Para isso, Leticia Leite, jornalista do Instituto Socioambiental, elaborou um podcast com a compilação de diversas respostas para as comunidades tradicionais. Segundo Leite, o programa chega a mais de 4.000 índios espalhados pelo Brasil.

"As dúvidas vão desde o que é o coronavírus e de onde veio, até se os rituais devem continuar, o que usar da medicina tradicional, opções para quem não tem máscara ou álcool. Também perguntaram se a gripe no organismo do índio é diferente do que no organismo do branco", relata Letícia, que recebeu mais de 100 perguntas de lugares como o Vale do Jequitinhonha (Mg), Vale do Javari (AM) e do território indígena do Xingu no Mato Grosso.

Para Eugênio Scannavino, o esforço é duplo porque a saúde na região, diz, é uma "emergência crônica", e qualquer aumento nos casos de coronavírus poderia ser o pior dos cenários. Assim como em metrópoles do tamanho de São Paulo, o isolamento é a melhor maneira para evitar cruzar no caminho da Covid-19.

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