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Ação do homem contribuiu para distribuir espécies pelo planeta, o que diminuiu biodiversidade

O Globo - http://oglobo.globo.com/
Autor: Cesar Baima
12 de Jun de 2015

Durante milhares ou mesmo milhões de anos, espécies parecidas, porém diferentes, dos mais diversos tipos de organismos se espalharam pelo mundo, formando conjuntos populacionais distintos. Separados por barreiras geográficas como rios, cadeias de montanhas e, principalmente, os oceanos, estas populações evoluíram e se adaptaram às condições únicas de seus ambientes. Nos últimos séculos, no entanto, a ação humana tem derrubado estas barreiras, introduzindo novas espécies, voluntária ou involuntariamente, em locais onde antes sua ocorrência era naturalmente limitada pela geografia e a distância. Muitas vezes livres de seus predadores naturais ou outros fatores que controlam sua proliferação, estas chamadas espécies invasoras acabam competindo e tomando o lugar de organismos nativos do mesmo tipo ou até diferentes, sendo apontadas, junto com a destruição de habitats, entre as principais causas da perda de biodiversidade no planeta atualmente.

Outra consequência esperada deste processo de globalização e introdução de espécies é uma crescente "homogenização" mundial dos conjuntos populacionais locais, antes distintos, de espécies do mesmo tipo de organismos. Mas embora há tempos imaginada pelos cientistas, ainda faltavam pesquisas que mostrassem que isso também está acontecendo, lacuna que acaba de ser preenchida com a publicação de estudo na edição desta semana da revista "Science" indicando uma grande similaridade entre as populações de gastrópodes - grande classe de moluscos que inclui lesmas, caracóis e caramujos - no mundo. Seja a bordo das naus portuguesas que começaram a cruzar os oceanos nas Grandes Navegações a partir do século XV ou de carona em caixas de frutas e vegetais hoje exportadas e importadas por vários países, estes animais se espalharam de tal forma que agora seus conjuntos populacionais parecem ser praticamente iguais de um lado a outro do planeta, tendo como único fator diferenciador o clima onde conseguem sobreviver.

Para isso, uma equipe de pesquisadores liderada por César Capinha, do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto, em Portugal, e do Centro de Pesquisas de Biodiversidade da Alemanha, analisou dados sobre 175 espécies de gastrópodes encontradas em 56 países ou sub-regiões geográficas. Para cada local, eles compilaram uma lista de quais espécies eram invasoras para obter sua distribuição global atual, isto é, após a ação humana. Depois, os cientistas fizeram outra lista indicando de onde cada uma das espécies era nativa, ou seja, como seria o conjunto populacional destes animais em cada um dos locais antes do início do processo de globalização, por volta do ano 1500.

Por fim, os cientistas usaram um reconhecido modelo matemático para obter um índice de similaridade da biodiversidade das populações de lesmas em todos os 56 locais então e agora, chegando à conclusão de que elas são praticamente iguais onde o clima parecido. Estes índices mostraram a existência de duas grandes "faixas" na distribuição das espécies que abrangem as regiões tropicais e temperadas da Terra, no que os pesquisadores chamam de uma nova "biogeografia do Antropoceno", referência ao período geológico ainda não reconhecido oficialmente que marcaria as profundas mudanças produzidas no planeta pela ação humana.

- Como esperado, antes da dispersão mediada pelos humanos, comunidades similares eram encontradas só dentro de cada uma das mais importantes regiões biogeográficas - diz Capinha. - Mas depois da dispersão pelos humanos, as comunidades seguem um padrão completamente diferente e estão organizadas em apenas duas grandes regiões biogeográficas: os trópicos e as áreas temperadas.

Segundo os cientistas, antes desta dispersão pelas mãos humanas, nenhuma espécie de lesma era comum em comunidades separadas por mais de 11 mil quilômetros de distância, e muito poucas eram comuns a até 6,5 mil quilômetros. Já hoje, mesmo locais separados por 20 mil quilômetros, isto é, um do outro lado do mundo do outro, podem ter um grande número de espécies em comum.

Apesar de limitado às lesmas, o estudo serve como mais um alerta para o perigo representado pelas espécies invasoras à biodiversidade do planeta, sendo seu combate um dos principais pontos de ação previstos na Convenção sobre Biodiversidade das Nações Unidas, em vigor desde 1993. Estimativas indicam que animais, plantas, fungos, insetos e micro-organismos que migraram junto com a expansão da Humanidade pela Terra causam prejuízos anuais de mais de US$ 1,4 trilhão, ou cerca de 5% da economia global, na forma de extinções, perdas em criações e colheitas e gastos com saúde.

E o Brasil é um dos países que mais sofrem com o problema. Exemplos disso são o coral-sol, espécie originária do Pacífico que está se espalhando pelo litoral brasileiro e dizimando corais nativos, ameaçando até o Arquipélago de Abrolhos, um dos maiores e mais ricos complexos de recifes de coral do Atlântico Sul, e o também asiático mexilhão dourado, que chegou ao país na água de lastro de navios que aportaram em Guaíba, no Rio Grande do Sul, e se tornou uma verdadeira praga em nossos rios. Mais recentemente, com ajuda involuntária de pescadores, o molusco também começa a tomar o Pantanal, aproximando-se perigosamente da Bacia Amazônica, um dos ambientes de maior biodiversidade do planeta.

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