CB, Cidades, p. 29
17 de Jun de 2008
Ação contra invasores
Índios rejeitam acordo proposto pelo MP para deixar as terras onde vivem no futuro bairro. A Terracap considera que o caso é de invasão de área pública e vai adotar medidas judiciais para desocupar o local
Helena Mader
Da Equipe do Correio
Em reunião ontem à tarde no Ministério Público Federal, os índios que habitam a área do Setor Noroeste acabaram com qualquer possibilidade de acordo com o Governo do Distrito Federal para deixar o terrenos que ocupam no futuro bairro. Eles não vão aceitar a transferência para uma fazenda no Recanto das Emas, como propôs da Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap), e disseram aos procuradores que vão brigar na Justiça para ficar no local. A Terracap, por sua vez, vai tentar uma liminar que garanta a desocupação dos lotes. A estatal garante que o futuro bairro está em área pública e que os ocupantes não passam de invasores.
Esse novo embate irá atrasar mais uma vez o lançamento do Noroeste. Até que a Justiça se posicione sobre o caso, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) não poderá emitir a licença ambiental do setor e o governo ficará proibido de lançar editais de licitação para vender terrenos na área.
O procurador da República Peterson de Paula Pereira, que assumiu as negociações sobre uma possível transferência na semana passada, propôs aos índios um acordo para garantir a área no Recanto das Emas no caso de uma possível derrota na Justiça. "Como eles estão irredutíveis, não será possível assinar o TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) para a liberação da licença ambiental. Agora, a Terracap terá que tomar as medidas que julgar cabíveis", explicou o procurador.
No final da tarde de ontem, o procurador telefonou para o presidente da Terracap, Antônio Gomes, para comunicá-lo da falta de acordo. O presidente da empresa disse que vai esperar até amanhã para tomar medidas judiciais. "O interesse de 27 pessoas não pode prevalecer. O Setor Noroeste vai abrigar mais de 40 mil pessoas, isso é uma incongruência", afirmou. "Eles não são índios de verdade, são totalmente civilizados, são invasores de terras públicas", acrescentou Antônio Gomes.
Peterson de Paula visitou a área do Setor Noroeste ocupada pelos indígenas e relatou que o local está preservado. "Fiz uma visita a essa área e ela prima pela defesa da natureza. Eles plantam e cuidam do local", disse Peterson. "Fiz contatos para levar aos índios a proposta da Terracap, mas não houve aceitação. O argumento deles é o vínculo espiritual com as terras. Os índios explicaram que há antepassados enterrados no local", justificou o Peterson.
Derramamento de sangue
Os indígenas chegaram cedo ao Ministério Público Federal e protestaram contra o projeto do Setor Noroeste. Com um megafone, estudantes que participaram da manifestação e índios ameaçavam um "derramamento de sangue" caso o governo insista na implantação do bairro. A comunidade não quis cogitar a transferência para o Recanto das Emas nem em caso de derrota na Justiça. Diante da resistência, o Ministério Público Federal anunciou que não vai assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para regulamentar uma possível remoção dos indígenas.
Ao todo, 27 índios de nove famílias vivem em uma área de aproximadamente 8 hectares (veja Para saber mais). No ano passado, o governo ofereceu um terreno de mesma extensão no Recanto das Emas, ao lado do Núcleo Rural Monjolo. Os índios deveriam conhecer o local na última sexta-feira, mas cancelaram a visita em cima da hora. Towe Fulni-Ô, que vive no Setor Noroeste, contou que a comunidade não vai aceitar nenhum tipo de acordo. "Essa terra é sagrada, vivemos nela há muito tempo. Somos guardadores da floresta, cuidamos do meio ambiente e não vamos sair", disse o índio.
Na saída da reunião, depois de anunciarem que não aceitariam nenhum tipo de acordo, um grupo de índios, vestidos com roupas tradicionais, fez uma dança no hall de entrada do prédio da Procuradoria da República no Distrito Federal. A performance chamou a atenção dos funcionários do edifício, que se aglomeraram para ver os cantos e a dança. Líder da área ocupada, o cacique Santxiê Tapuya não quis falar com a imprensa ao final da reunião.
A Defensoria Pública da União vai assumir a defesa dos índios e deve entrar com uma ação na Justiça Federal para assegurar a posse das terras. O coordenador de Identificação e Delimitação de Terras Indígenas da Fundação Nacional do Índio, Paulo Santilli, disse que a instituição poderá fazer estudos para transformar olocal em uma reserva indígena - nesse caso, a Terracap não poderia licitar a área. "Não existem estudos conclusivos, mas há elementos que mostram que são terras tradicionalmente ocupadas. A Funai vai trabalhar junto com a Defensoria Pública para garantir o interesse dos índios", disse Santilli. Caso a Justiça aceite a ação declaratória que deve ser proposta pela Defensoria, será designado um perito judicial para fazer estudos que vão apontar se a área é ou não uma terra indígena.
O presidente da Terracap disse não acreditar que a Justiça aceite essa alegação. "Essa hipótese é completamente absurda. Não existem terras indígenas em Brasília, nem Darcy Ribeiro citou essa possibilidade. Esses índios vieram de fora, as terras tradicionais deles ficam longe daqui", disse Antônio Gomes.
Para saber mais
Ocupação dura 30 anos
Ao todo, 27 pessoas de três tribos remanescentes do Nordeste - Fulni-ô, de Pernambuco, Kariri- xocó, de Alagoas, e Tapuya, da Bahia - moram na área onde será o Noroeste. Além disso, a aldeia serve de hospedagem para outros indígenas que vêm a Brasília resolver problemas na Fundação Nacional do Índio (Funai). De acordo com o órgão, não existem outras áreas para indígenas em Brasília, nem outras tribos vivendo na cidade.
Os primeiros habitantes do local chegaram à capital há cerca de 30 anos. Vieram à cidade em busca de tratamento médico e, como a Funai não dispunha de locais para albergá-los, ocuparam as terras do futuro Setor Noroeste. Existem quatro chácaras ocupadas no local. Na chácara 1, há uma residência de 112 metros quadrados. Na chácara 2, existem três construções de 80, 60 e 40 metros quadrados. Na terceira chácara, os índios não permitiram o acesso da Terracap e na chácara 4, há uma casa de 80 metros quadrados.
O argumento dos índios para não aceitar qualquer negociação para a transferência é que eles teriam uma forte ligação espiritual com as terras. Na petição encaminhada à Terracap, os indígenas disseram que o terreno tem uma comunicação direta com Tupã, o deus da Terra. Além disso, eles argumentam que há antepassados enterrados no local.
CB, 17/06/2008, Cidades, p. 29
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