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Abandono Histórias de desperdício

CB, Brasil, p. 16
26 de Nov de 2004

Abandono Histórias de desperdício
Numa das regiões que serão "beneficiadas" pela transposição, obras que deveriam se transformar na redenção de famílias vítimas da seca viraram exemplo mau uso do dinheiro público

Bernardino Furtado
Do Estado de Minas

A história dos projetos de irrigação São Gonçalo e Várzeas de Sousa, ambos no município de Sousa, Paraíba, revela como, em nome da população assolada pela seca, centenas de milhões de reais são investidos em obras conflitantes e ineficazes, muitas vezes contaminadas por disputas políticas locais.
São Gonçalo, projetado para ter três mil hectares de lavouras, irriga só 1,5 mil hectares. Ainda assim, apenas nos anos em que há reserva suficiente de água nos açudes associados. Várzeas de Sousa, inaugurado em 2002, não tem um único hectare irrigado. Custou R$ 105 milhões, metade aplicada no Canal da Redenção, de 37 quilômetros, que está completamente seco.
Lastreado no suprimento dos açudes Engenheiro Ávidos e São Gonçalo, no rio Piranhas, construídos na década de 30, o perímetro de irrigação São Gonçalo usa a obsoleta técnica de inundação das lavouras por meio de pequenos canais. Implica um consumo de água elevadíssimo, inaceitável para um estado seco como a Paraíba. Talvez por isso, a cooperativa dos irrigantes esteja tecnicamente falida, afundada numa dívida superior a R$ 100 milhões. Os sistemas mais modernos usam microaspersão e gotejamento que, em alguns projetos, são controlados eletronicamente.
Em 1998, o governo da Paraíba, com a ajuda de recursos do orçamento federal, começou a construção do Canal da Redenção, a partir da Barragem Coremas-Mãe D'Agua. Esse complexo, de dois grandes açudes interligados, foi inaugurado no governo Juscelino Kubitschek, na segunda metade da década de 50. Com 1,4 bilhão de metros cúbicos, é formado pelas águas do rio Piancó, um afluente que deságua no Piranhas próximo à cidade de Pombal, 60 quilômetros abaixo de Sousa.
No projeto original do Canal da Redenção, previa-se um reforço do abastecimento de água do perímetro de irrigação São Gonçalo, para torná-lo perene. 0 segundo governo de José Maranhão decidiu, no entanto, dirigir a totalidade da água para um projeto de irrigação novo, o Várzeas de Sousa, de cinco mil hectares.
Foram investidos, também com participação do governo federal, R$ 55 milhões em barragens auxiliares, bombas e tubos. O perímetro Várzeas de Sousa tornou-se a menina-dos-olhos da administração. José Maranhão entregou a obra no fim do mandato em 2002, com infra-estrutura montada para irrigar a primeira etapa, com 1.320 hectares. Seu candidato à sucessão, Roberto Paulino (PMDB), no entanto, foi derrotado por Cássio Cunha Lima (PSDB).
Nada de licitação
Passados dois anos, o governo estadual ainda não realizou a licitação dos lotes da primeira etapa do Várzeas de Sousa. O Canal da Redenção sofreu avarias e a rede de cabos de alta tensão do perímetro de irrigação foi roubada. Críticos do governo, a exemplo do deputado estadual Frei Anastácio (PT), atribuem a demora no assentamento de agricultores à rivalidade entre Cunha Lima e o "pai" do Várzeas de Sousa, José Maranhão.
Cerca de 300 famílias que viviam da agricultura nas Várzeas de Souza foram desalojadas para a implantação do perímetro. Junto com a indenização, receberam a promessa de prioridade na seleção dos ocupantes dos futuros lotes irrigados. Preocupados com a demora na implantação do projeto, os desapropriados montaram barracas de lona na área e tentam pressionar o governo estadual para acelerar o assentamento. 0 governo federal está investindo mais R$ 11 milhões para recuperar a infra-estrutura do perímetro e o Canal da Redenção, mais de 10% do que custou o empreendimento.
Apesar dos elevados investimentos e das modernas instalações, Várzeas de Souza e o Canal da Redenção foram desprezados no projeto de transposição. Em vez de injetar água do São Francisco no sistema Coremas-Mãe
d'Água, optou-se pela linha de açudes Engenheiro Ávidos-São Gonçalo, que tem uma capacidade de armazenamento três vezes menor. A opção adotada interessa ao governo do Rio Grande do Norte, beneficiário final da transposição no eixo formado pelos rios Piranhas e Assu. Os potiguares temiam que a Paraíba usasse a maior capacidade do Coremas-Mãe D'Agua para reter parte da água destinada ao Rio Grande do Norte.

CB, 26/11/2004, Brasil, p.16

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