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6 horas na agência. E 24h na selva

O Globo, Economia, p. 31
22 de Nov de 2009

6 horas na agência. E 24h na selva
Com ajuda do Exército, BB avança em novas fronteiras da Amazônia

Vivian Oswald
Enviada especial Manaus

Em uma verdadeira operação de guerra, o Banco do Brasil está ajudando o governo a ocupar as fronteiras do país na região amazônica. O banco está investindo R$ 2 milhões para abrir 28 postos bancários em 14 localidadeschave bem no meio da selva.

A maior delas, Iauaretê, tem seis mil habitantes, entre eles militares e indígenas. A menor é Estirão do Equador, onde vivem 400 pessoas. Maturacá, Vila Bitencourt, Palmeiras de Javari e Ipiranga também serão contemplados na primeira fase do projeto, que deve atingir 25 localidades da jurisdição do Comando Militar da Amazônia nos próximos meses.

Hoje, em várias destas localidades - nas fronteiras com Venezuela, Peru e Colômbia - só tem acesso a banco quem se dispõe a gastar 14 horas de barco para sacar a aposentadoria no município mais próximo.

Ou de avião das Forças Armadas, o único meio de transporte para a maioria destes locais. O sucesso da empreitada depende da sorte, que muda com chuvas e secas, ou ainda com alguns dos vários imprevistos amazônicos.

Em pleno século XXI, não é raro encontrar municípios que não tenham qualquer tipo de atendimento bancário, ainda mais em um país com a diversidade e o tamanho do Brasil. De acordo com dados do Banco Central (BC), até julho deste ano, 549 (9,8%) dos 5.580 municípios em todo o país não contavam com qualquer tipo de dependência bancária.
Em Maturacá, tartaruga é moeda
E é difícil fazer com que os bancos privados se lancem nestes grotões em operações dispendiosas, de logística complicada e retornos duvidosos, apesar da capilaridade de instituições como o Bradesco. Normalmente, a chegada do banco muda a vida de uma localidade, que passa a desenvolver seu próprio comércio, recolher impostos e crescer.

O projeto Fronteira Integrada transformou 30 soldados do Exército em sargentos agrários que serão obrigados até a falar dialetos indígenas para trabalhar com as comunidades.

Outros 20 serão preparados todos os anos. Os profissionais estão sendo treinados para ajudar a população ribeirinha a buscar novos negócios com linhas de crédito voltadas à agricultura familiar e empreendimentos de pequeno porte que permitam sua sobrevivência sem prejudicar a vida na floresta.

Mais 15 funcionários estão sendo contratados nos próprios locais pelo BB para cuidar da atividade bancária.

Farão o trabalho de gerentes, cobradores e caixa.

Seis mil soldados, além dos civis, terão acesso aos terminais eletrônicos.

A estratégia é dar cidadania aos habitantes da região, muitos deles índios, que negociam majoritariamente por meio de escambo ou dólares. Em Maturacá, três tartarugas pequenas são usadas como moeda de troca para quem quer aproveitar algumas horas do televizinho - como os locais chamam os vizinhos que têm televisão em casa. É difícil ver os reais brasileiros circulando em operações locais.

O próprio efetivo do Exército, que passa meses a fio no meio da selva, enfrenta problemas graves. Para sacar o salário, soldados mandam seus cartões com as respectivas senhas pelas mãos de outros colegas encarregados da tarefa. A confusão já desencadeou todo o tipo de dificuldade e há quem diga que já deu até alguns dias de detenção para espertalhões.

Mais do que levar homens armados para garantir a segurança da fronteira do país - sob ameaça iminente, na opinião de populações locais -, a ideia é garantir que brasileiros tenham acesso a serviços e dinheiro brasileiros.

Para realizar este projeto em conjunto com o Exército, que se responsabiliza pela logística e segurança da empreitadas, o BB se viu obrigado a mudar as regras de transporte de numerário, para adequá-las às dificuldades amazônicas. Normalmente, a instituição contrata empresas terceirizadas para transportar dinheiro. Mas, na selva, não é qualquer companhia que se dispõe a enfrentar todos os riscos e a imprevisibilidade.

As notas levadas para as 14 localidades do projeto serão transportadas em voos regulares - quando não são cancelados de última hora - do Exército e da Aeronáutica.

Em geral, deverão ser usados voos mensais, que aproveitam a carona das missões de transporte de suprimentos para os pelotões.

Projetos de desenvolvimento sustentável devem acompanhar os novos postos de atendimento do BB. Os sargentosagrários, que também têm formação de técnicos agrônomos, devem estimular o extrativismo e as culturas temporárias em parte dos 30 milhões de hectares de terras que se abrem todos os anos, pelas contas do BB, para o cultivo às margens do Rio Solimões quando a maré está baixa.

- Daria para alimentar o planeta com o cultivo temporário de milho ou feijão, por exemplo, nestes locais, tão férteis quanto o Rio Nilo.

São áreas que podem ser exploradas sem que se destrua a floresta - sonha o superintendente do BB em Manaus, Rui Ruas.

Em todo o país, há 19.228 agências bancárias. Além disso, existem 6.570 Postos de Atendimento Bancário (PABs), que oferecem os serviços de uma instituição financeira dentro de empresas ou órgãos públicos, e os Postos de Atendimento Avançado (PAAs), que trabalham com um funcionário do banco em localidades mais difíceis. Há 1.464 municípios com uma única agência em operação

Imprevistos ditam o ritmo
Mesmo sem chuvas, o acesso é difícil

Por maior que seja o planejamento das missões para a instalação das máquinas do Banco do Brasil (BB) na selva, uma coisa é certa: tudo pode acontecer. A Amazônia impõe um ritmo de trabalho no qual o imprevisto é uma constante.

Voos cancelados pelo mau tempo, por problemas nas aeronaves que a Aeronáutica empresta ao Exército - que, por sua vez, dá carona ao BB -, alagamentos ou nevoeiros estão sempre no radar.

Mesmo quando não chove, as dificuldades são imensas. Há algumas semanas, a região de São Gabriel da Cachoeira está inacessível por causa da seca. Sem chuva, o volume de água do rio diminuiu, impedindo a passagem das balsas que carregam o combustível que abastece a região. Não há como reabastecer. Portanto, as poucas aeronaves que chegam aos grotões mais afastados não saem e esperam a chuva cair. Esta é uma das razões para os trabalhos lentos no local.

Os idiomas indígenas oferecem dificuldades adicionais. Em Maturacá, há uma importante população ianomâmi. Em Iauretê, os locais falam 20 dialetos. Muitos destes indígenas são analfabetos. Alguns não leem nem escrevem porque não enxergam bem. O BB tem investido no tratamento destas pessoas.

O desafio de fazer estes povoados amazônicos usarem os terminais do BB parecem não ter fim. O banco teme a falta de abastecimento de notas nas máquinas, diante das inúmeras dificuldades de acesso e a imprevisibilidade das missões. Por isso, decidiu manter dois terminais por localidade. Assim, há mais dinheiro disponível, e aumentam as chances de as pessoas continuarem usando o banco, ainda que uma máquina falhe.

As missões podem ser mais curtas ou mais longas, mas isso é algo que só se sabe de última hora. Estes aviões também carregam os suprimentos para os pelotões do Exército no interior da Amazônia.

Este que ainda não saiu deve levar duas toneladas de alimentos, além de equipamentos do BB.

Os imprevistos não pouparam a inauguração dos terminais do banco. Os atrasos e problemas de logística não permitiram marcar nova data. Diz-se que a queda do avião Caravan da FAB na Amazônia, no mês passado, teria prejudicado ainda mais os trabalhos do Exército. Mesmo quando saem voos com suprimentos, não dá para saber quando voltam. (Vivian Oswald)

Nos grotões do país, até boiadeiros já levaram malotes a agência bancária
Funcionários têm que driblar falta de estrutura e de hábitos de moradores

Vivian Oswald Enviada especial

A história do pioneirismo das agências em lugares inóspitos se mistura à vida dos gerentes que se lançam nestas aventuras há anos.

Em 1986, Luis Felípedes Ilkiu, então com 22 anos, mudou-se para Juína, no Mato Grosso - quase na divisa com Amazonas e Rondônia -, para abrir a primeira agência do Banco do Brasil (BB) na região. Não havia luz nem telefone, e água, só de vez em quando.

O avião que levava dinheiro ao banco da cidade tinha o hábito de dar dois rasantes sobre a agência para sinalizar a sua chegada, tendo em vista a dificuldade de comunicação.

Pousava no aeroporto e esperava os funcionários que iriam buscar os malotes com o dinheiro. O código deu certo até o momento em que a agência instalou um gerador próprio, e, em seguida, aparelhos de ar-condicionado. O barulho da refrigeração impediu que se ouvisse o avião.

- Ele pousou no aeroporto, esperou, e nada. Decolou de novo, deu outros três sobrevoos, pousou, e nada. Voou novamente, viu um caminhão de boiadeiros na estrada, pousou lá mesmo. O pessoal desceu com os malotes e pegou uma carona com o caminhão - conta Ilkiu, que hoje é gerente de uma grande agência no Paraná, seu estado natal.

O rádio amador que fazia a comunicação da agência com Cuiabá, quando o sol não estava a pino, não funcionava o tempo todo. Mas trabalhou o suficiente para dar a oportunidade de estabelecer o contato inicial entre os operadores dos dois lados, que acabaram se casando.

Para chegar a locais difíceis, opção são voadeiras e balsas Em Autazes, no Amazonas, o banco Bradesco foi obrigado a distribuir cartões de crédito gratuitamente para a população, além de regularizar os CNPJs (o CPF das empresas) do comércio. Segundo o diretor-executivo do banco, Odair Rebelato, tudo isso foi feito para tentar conter o fluxo cada vez maior de dinheiro em circulação e reduzir os voos dos malotes nestes locais mais difíceis.

Mas 120 dias depois de tudo resolvido, descobriu-se que a contabilidade das empresas não estava em dia. Em vez de organizá-la, os lojistas preferiam deixar os cartões de lado, o que quase levou o plano da instituição por água abaixo.

A solução foi oferecer presentes para os usuários de cartão. Assim, eles acabariam obrigando os comerciantes a fazer transações com esta forma de pagamento.

Quem vive o desafio de abrir as primeiras agências bancárias em locais difíceis também se expõe aos riscos de sobrevoar as florestas ou navegar os rios, muitas vezes traiçoeiros, da Amazônia. Parte dos trabalhos é feita pelas chamadas voadeiras, pequenos barcos a motor usados para o deslocamento nos locais mais remotos, ou por balsas mesmo.

Algumas delas são levadas a estas localidades de avião.

Sem isso, o Exército não teria como se embrenhar pela mata apenas pelas trilhas que precisam ser feitas a pé, abrindo picadas pelo caminho.

Funcionários do banco e militares tampouco podem se esquecer das dicas para viver na floresta: complexo B e repelentes para afastar os mosquitos da malária.

- Tudo isso mostra a dificuldade deste nosso trabalho de tentar entrar pela Amazônia, integrar as regiões e as populações ao resto do Brasil e desenvolvê-la de forma sustentável - diz o superintendente do BB em Manaus, Rui Ruas

Crescer no interior foi estratégia

Segundo maior banco privado do país, o Bradesco fez da conquista do interior do Brasil uma de suas principais armas para, na década de 80, se tornar um dos conglomerados financeiros mais importantes da América Latina. Dez anos antes, em pleno milagre econômico, o Bradesco implantou um programa batizado de Agências Pioneiras em grotões e cidadezinhas país afora.

"Nos anos de 1978 e 79, (o Bradesco) abria uma agência por dia útil", relata o economista Fernando Nogueira da Costa no trabalho "Origem do Capital Bancário no Brasil".

A interiorização do serviço bancário tinha como mola uma economia que crescia a taxas de dois dígitos e precisava de crédito. Não só para financiar automóveis, mas ainda as novas fronteiras agrícolas.

Segundo Costa, em 1967, o banco cobria 11 estados, com 326 agências. Em 1978, teria mil agências.

Mas, a partir de meados de 1980, o projeto de expansão perdeu força.

O Globo, 22/11/2009, Economia, p. 31

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