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15% do Brasil para 0,2% dos brasileiros

Estado de S. Paulo-São Paulo-SP
09 de Set de 2003

O que fazer com 3.500 famílias que vivem, trabalham e se mantêm (boa parte delas assentadas pelo Incra, desde fins dos anos 70 e início dos 80) nos 400 mil hectares, parte do 1,8 milhão de hectares da reserva indígena Baú, dos índios caiapós, localizada nos municípios de Altamira e Novo Progresso, no sudoeste do Pará, e com os fazendeiros que lá resolveram barrar a demarcação de terras determinada pelo Ministério da Justiça, com base em sentença do Superior Tribunal de Justiça (STJ) prolatada em 2001, que nem os esforços de 40 agentes da Polícia Federal e dos técnicos e agrônomos da Fundação Nacional do Índio (Funai) têm conseguido fazer cumprir?

E o que fazer com os índios terenas, que invadiram 11 fazendas em Mato Grosso, em Sidrolândia, região a 140 quilômetros de Campo Grande, e se recusaram a cumprir ordem de reintegração de posse expedida pelo juiz da terceira vara da Justiça Federal? Como evitar a proliferação de conflitos e o recrudescimento da violência, num tipo de disputa fundiária que só este ano já provocou 11 mortes - o dobro do registrado no mesmo período do ano passado?

As questões envolvendo áreas indígenas - legislação, demarcação, ocupações, invasões e demais ingredientes que compõem uma salada de conflitos - já estão conseguindo ser tão ou mais geradoras de violência, em algumas regiões do País, do que os esbulhos possessórios praticados pelas lideranças e militância do Movimento dos Sem-Terra (MST), o que já atesta o número de mortes mencionado. Na raiz dessa questão está, de um lado, a necessidade de preservar a cultura e a diversidade étnica de povos indígenas que já ocupavam, desde tempos imemoriais, o território onde se instalou a base territorial do Estado brasileiro, visto que a moderna visão antropológica - em boa parte acolhida por nosso direito positivo - reconhece a riqueza dessa diversidade, o valor de sua preservação e a estreita ligação das culturas indígenas com seu tradicional hábitat. Mas, de outro lado, há o irrecorrível dado da realidade histórica (raramente isento de crueldade) pelo qual povos e civilizações são dominados por outros, assim como Estados organizados e processos de colonização tendem a se expandir. Neste contexto, a muitos pode parecer um contra-senso que uma população de 330 mil indígenas, que corresponde a 0,2% da população brasileira, detenha cerca de 15% do território nacional.

A decisão do Ministério da Justiça - com base em decisão do STJ - foi em favor de 120 índios caiapós, o que significa (dividindo-se pelos integrantes de grupo o total de 1,8 milhão de hectares, riquíssimos em madeira e minérios) conferir-se a cada índio caiapó a "propriedade" de 15.400 hectares de terra. Registre-se que em uma outra reserva já demarcada - a dos índios denis - para cerca de 740 índios foi atribuído um território com tamanho equivalente à metade da Bélgica. Dirão, com razão, que as várias nações indígenas que perderam para os portugueses colonizadores o imenso território do Brasil, deveriam, hoje, merecer um tratamento bem especial. Por mais que se considere tal posição justa e correta - e se a valorize quando corresponde (o que nem sempre ocorre) a políticas de preservação do meio ambiente e da biodiversidade -, não se pode fugir do razoável, do que se balize pelo bom senso, ou daquilo que os latinos exprimiam pelo brocardo est modus in rebus (há uma medida para as coisas).

Dois outros pontos precisam ser tocados nesse tema: um é a sistemática de demarcação das terras indígenas, que de uns tempos para cá passou a ser um tanto relegada aos próprios grupos indígenas interessados, para posterior ratificação dos órgãos do governo. O outro diz respeito a outra espécie de capitis diminutio governamental, quando o Estado segue a reboque de pressões de entidades que se incumbem de liderar todo o processo de proteção das nações indígenas. E é claro que aqui estamos falando do todo-poderoso Conselho Indigenista Missionário (CIMI) ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que há muito tempo parece ditar as regras, para os governos (não sabemos com qual autoridade constitucional ou legal), sobre tudo o que se refira a tamanho e localização das terras indígenas. Em nenhuma das hipóteses, o Estado - e os governos escolhidos pela sociedade brasileira - podem delegar suas responsabilidades decisórias a que grupos ou entidades sejam.

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