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11 mitos e verdades sobre a base de Alcântara e o acordo com os EUA

Revista Galileu - https://revistagalileu.globo.com/
09 de Abr de 2019

11 mitos e verdades sobre a base de Alcântara e o acordo com os EUA
Com polêmicas, o centro de lançamento de foguetes localizado no Maranhão voltará a entrar em operação - entenda os principais pontos das discussões
08/04/2019 - 09H38/ atualizado 17H56 / por AJ Oliveira

O governo brasileiro acaba de dar o primeiro passo na direção de consolidar alguma relevância para o país no efervescente mercado espacial. No último mês, foi assinado nos Estados Unidos um documento que viabiliza o uso comercial do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA). Chamado oficialmente de Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST), o texto cria as condições para que comecemos a atuar conjuntamente com os EUA em Alcântara - e abre todo um leque de possibilidades para o Brasil.

Como esclarece a Agência Espacial Brasileira (AEB), o AST nada mais é do que um compromisso firmado entre os dois países para proteger tecnologias e patentes de ambas as partes. Acontece que 80% dos satélites e objetos espaciais do mundo todo têm componentes norte-americanos. Sem o AST, o Brasil estava de mãos atadas e impossibilitado de atuar em um mercado que movimenta US$ 5 bilhões anuais com o lançamento de satélites.

O acordo é um importante primeiro passo e pode trazer muitos ganhos para o Brasil. Mas sua implementação ainda é incerta. Ela deve ser aprovada pelo Congresso - e ele já barrou a mesma proposta em 2000. Duas décadas depois, já se ouvem os mesmos argumentos que justificaram a primeira rejeição: de que o projeto fere a soberania nacional.

Listamos abaixo os pontos que mais aparecem nas discussões a respeito de Alcântara e o acordo recém-firmado com os EUA para ajudar a entender o que é mito e o que é verdade.

Alcântara é uma das bases mais bem localizadas do mundo.
É verdade. O grande motivo para isso é o fato de estar a dois graus da Linha do Equador: a velocidade de rotação da Terra ali é maior que em latitudes mais elevadas. A diferença é pequena, mas esse empurrãozinho facilita a vida dos foguetes - e resulta em economia para quem os lança. Estima-se que, partindo de Alcântara, um veículo lançador gaste até 30% menos combustível. Outros fatores como as condições climáticas do Nordeste, vulcões e terremotos inexistentes, a baixa densidade demográfica e a possibilidade de lançar satélites em órbitas equatoriais e polares fazem do CLA uma das melhores bases do planeta.

Acordo assinado em 2000 com os EUA feria a soberania nacional.
Esse foi o entendimento do Congresso Nacional daquela época, que barrou o avanço da primeira tentativa de fechar acordo com os norte-americanos. Inclusive, o então deputado Jair Bolsonaro foi um dos parlamentares que votaram contra a medida. A restrição do acesso de brasileiros a áreas da base em uso pelos EUA gerou polêmica: foi interpretada como um golpe à soberania nacional. Mas na verdade é uma prática comum em centros de lançamento, para evitar espionagem e garantir que a propriedade intelectual dos países envolvidos seja respeitada. No final das contas, AST é de natureza técnica, não política.

Tragédia de 2002 que matou 21 técnicos foi sabotagem dos EUA.
Mito. Segundo o relatório final da investigação, elaborado pelo Comando da Aeronáutica, a causa do trágico acidente foi o "acionamento intempestivo" de uma peça que acionava um dos três motores do VLS - foguete orbital que estava em desenvolvimento pelo programa espacial brasileiro. Ou seja: o motor ligou três dias antes do lançamento devido a uma falha elétrica. Não houve sabotagem, de acordo com a comissão do caso. Causas foram a falta de recursos, desorganização, improviso e pressa, combinação que costuma ser fatal nessa área. Nossas ambições espaciais entraram em coma após a tragédia de Alcântara.

Governos do PT arquivaram as negociações sobre Alcântara.
Verdade: as gestões de Lula e de Dilma deixaram as negociações para o uso comercial do CLA totalmente de lado. Em vez disso, apostaram em uma parceria com a Ucrânia que não gerou bons frutos. Em 2006, a Alcântara Cyclone Space (ACS), uma empresa pública binacional, foi criada para comercializar o lançamento de satélites em Alcântara através do foguete ucraniano Cyclone-4. A previsão para o início das operações era 2010, só que o veículo nunca ficou pronto. O acordo que custou meio bilhão de reais aos cofres públicos foi rompido em 2015 e, no governo Temer, a conversa com os EUA foi retomada.

EUA não querem que o Brasil desenvolva seus próprios foguetes.
Como revelou o WikiLeaks em 2011, é verdade. O governo dos Estados Unidos sempre fez questão de impedir a produção de foguetes brasileiros. A organização vazou um telegrama enviado pelo Departamento de Estado dos EUA à embaixada de Brasília em que a política é reiterada. O texto ressalta a importância de garantir que a Ucrânia, nossa então parceira espacial, não transferisse tecnologia para a construção de foguetes. Historicamente, esse desencorajamento é justificado como forma de evitar que o Brasil produza mísseis balísticos intercontinentais, que são iguais aos foguetes utilizados para fins científicos.

Acordo assinado em 2019 com os EUA fere a soberania nacional.
Era mito em 2000 e segue sendo em 2019. Com uma diferença: os pontos mais controversos do acordo foram "suavizados". Em vez de proibir a entrada de brasileiros às áreas cedidas aos americanos, o que os críticos classificavam como extensões do território dos EUA no Brasil, agora o termo é acesso restrito. Pessoas autorizadas por ambas as partes podem entrar. O texto também passou a permitir que os recursos gerados em Alcântara sejam aplicados no programa espacial brasileiro e não prevê mais a entrada de contêineres lacrados, sem inspeção, em Alcântara. É pegar ou largar.

Aprovação do acordo é certa já que maioria na Câmara é governista.
Mito. O PSL, partido do presidente, é o segundo maior em número de representantes na Câmara, com 52 deputados. Só perde para o PT, que tem 56. Estima-se que as bancadas aliadas de Bolsonaro somem pelo menos 250 votos, já suficientes para aprovação da maioria das matérias. Mas deputados da oposição estão questionando os mesmos pontos de soberania do passado. A ratificação vai depender da articulação política do governo e da capacidade de explicar o real papel do acordo.

Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) é praxe.
Realmente, esse tipo de entendimento é comum e amplamente disseminado nas operações do setor espacial. O próprio Brasil já tem um acordo semelhante assinado com a Ucrânia, e os EUA com a Rússia, China, Índia, Ucrânia e Nova Zelândia. O objetivo central dos ASTs é a proteção de tecnologias dos países envolvidos. No caso do documento assinado em março, ele viabiliza o uso comercial de Alcântara, evita transferência não autorizada de patentes e estabelece normas e procedimentos.

Governo e empresas dos EUA vão monopolizar Alcântara.
Mito. Como declarou Marcos Pontes em entrevista ao jornal O Globo, seu objetivo é garantir que o CLA preste serviços de lançamento de classe mundial. Ele afirma que "diversas empresas" estão interessadas em atuar no centro: durante sua visita aos EUA, ele visitou a SpaceX para discutir com executivos a possibilidade de a empresa de Elon Musk lançar foguetes em Alcântara. O fato é que o ambiente criado pelo acordo com os Estados Unidos estimula que outros países e empresas procurem o Brasil para fazer lançamentos.

Uso comercial da base é estratégico para o Brasil.
Verdade. A posição privilegiada do centro pode atrair players importantes do mercado mundial de lançamento de satélites, que movimenta cerca de US$ 5 bilhões anuais. Com o aluguel de Alcântara, a Força Aérea Brasileira estima que será possível arrecadar R$ 140 milhões por ano - valor cinco vezes maior que a média do orçamento anual do programa espacial brasileiro. Além de beneficiar o PEB, os recursos que vão entrar também podem alavancar o desenvolvimento do Brasil e do Maranhão.

Ampliação do complexo pode prejudicar comunidades locais.
Infelizmente, é verdade. Quando o CLA foi criado, em 1983, mais de 300 famílias de 24 povoados foram retiradas de suas casas no litoral e movidas para agrovilas no interior. O impacto social foi grande, já que essas comunidades quilombolas viviam da pesca. Lideranças afirmam estar apreensivas com a retomada das negociações e os planos do governo em expandir as instalações de Alcântara. No passado, elas não foram indenizadas como deviam. Daqui para a frente, se o centro de lançamento realmente deslanchar, é importante que contrapartidas e políticas públicas também beneficiem a população local.

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