VOLTAR

Pesca de pássaros

CB, Brasil, p. 14
30 de Jul de 2006

Pesca de pássaros
Indústria ameaça a vida de 11 espécies de aves marinhas, incluindo o albatroz, na costa brasileira. Ibama estuda saídas para evitar a extinção dos espécimes, que morrem presos nos anzóis atraídos por iscas

Ulisses Campbell
Da Equipe do Correio

Um tipo de pesca industrial feita no Oceano Atlântico está ameaçando 11 espécies de aves marinhas que freqüentam a costa brasileira da Bahia ao Rio Grande do Sul. A maioria das espécies é formada por albatrozes e petréis, que vêm de diversas ilhas oceânicas do mundo para se alimentar em águas brasileiras. A pesca é feita por navios que usam espinhal, uma linha de nylon de 80km de extensão com cerca de 1,2 mil anzóis especiais para pesca de peixes de grande porte, como tubarão, cação, atum e espadarte. O problema é que, além desses peixes, os navios estão matando cerca de 10 mil aves marinhas por ano. A situação é tão preocupante que o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) lançou um plano nacional para tentar salvar esses pássaros. Para se ter uma idéia, na última edição da lista de animais ameaçados de extinção, foram incluídas 28% das espécies de aves marinhas que vivem na costa brasileira justamente por causa da pesca com espinhal.

Tanto o albatroz quanto o petrel são aves de alto mar que dificilmente são vistas em praias.
Elas pousam sobre a água oceânica para se alimentar de lulas e sardinhas que nadam próximo à superfície. Os navios pesqueiros que usam espinhais também navegam em alto mar e usam justamente lulas e sardinhas para atrair os peixes. De olho nessas iscas, os albatrozes cercam os navios. Tão logo o espinhal é lançado ao mar, as aves marinhas pousam na água e comem o máximo que podem. Por conta disso, acabam presas pelo gancho e afogadas. Isso porque, apesar de a linha ser pesada, ela afunda lentamente.

Um único navio pesqueiro, quando puxa o espinhal do mar, chega a trazer 70 aves marinhas mortas junto com os peixes caçados.
"Se não for feito algo imediatamente, a gente prevê que pelo menos cinco espécies de aves marinhas desaparecerão da natureza nos próximos 25 anos. Pode parecer muito tempo, mas não é", prevê a bióloga consultora do Ibama, Tatiana Neves. Ela é coordenadora-geral do Projeto Albatroz, uma organização não governamental criada para salvar aves marinhas da extinção. O maior problema, explica a bióloga, é que os navios pesqueiros usam como isca lula e sardinhas, alimentos preferidos das aves marinhas. "Mas vale ressaltar que as empresas pesqueiras são nossas parceiras no projeto, quando se fala em solucionar o problema. Até porque elas têm prejuízo econômico com a captura de aves", ressalta Tatiana Neves.

Alternativas para salvação

Para tentar salvar esses pássaros, o Ibama e o Projeto Albatroz estão testando duas alternativas. Uma é obrigar os navios pesqueiros a instalar na parte traseira uma espécie de espantalho gigante, que assustaria as aves no momento em que o espinhal for jogado ao mar. O tal espantalho seria composto por dois postes de 4,5m de altura e cordas com faixas coloridas que seriam soltas ao mar com os espinhais. Já está comprovado que, ao ver do alto a combinação de cores ofuscantes, as aves se assustam e deixam de se aproximar do espinhal.

Em alguns países, o uso do espantalho é obrigatório por lei como medida de preservação de aves marinhas. No Brasil, o método já foi testado e os resultados foram positivos. Em 2007, o Ibama poderá obrigar as empresas pesqueiras a instalar os postes com as cordas de faixas coloridas. Outro teste que será feito nas próximas semanas é mais curioso. Os biólogos vão tingir de azul as lulas que os navios usam como isca. Testes semelhantes feitos em outros países comprovaram que as aves marinhas não se sentiram atraídas pelo marisco de cor artificial.

De acordo com o plano de ação, lançado pelo Ibama no mês passado, especialmente para preservar as aves marinhas, serão feitas pelo governo pesquisas e monitoramento desses animais, além do desenvolvimento de projetos específicos para a redução da mortalidade pela captura acidental na pesca.

No Brasil, a pesca com espinhal começou a ser adotada em 1999. Para preservar as aves, o governo brasileiro assinou um compromisso com outros 14 países para a preservação internacional de albatrozes e petréis, já que as aves voam por vários mares do planeta. Ao assinar o compromisso, o Brasil adotou, de forma voluntária, a responsabilidade de desenvolver seu próprio plano de ação nacional. "Esses planos são de vital importância para a solução do problema da captura acidental de aves, porém, o desenvolvimento e a implementação não são obrigatórios por parte dos países", ressalta Tatiana Neves.

Espécime brasileiro
A maior preocupação dos biólogos é com o petrel-brasileiro (Pterodroma arminjoniana), conhecido também pelo nome popular de pardela-de-trindade. Essa ave marinha habita a Ilha de Trindade, em mar brasileiro. É uma das espécies mais capturadas na pesca acidental. A ilha fica no meio do Oceano Atlântico, a 1.167km quilômetros de Vitória (ES) e a 2.400km da África. Detalhe: é o único local do mundo onde essa espécie se reproduz.
"É a que corre mais risco de desaparecer", ressalta Tatiana.

As demais espécies de petréis e albatrozes que voam sobre o mar brasileiro em busca de alimento vêm de todos os lugares do mundo, principalmente da África do Sul. Resistentes, elas têm capacidade de voar um oceano de ponta a ponta ininterruptamente. Tipicamente marinhas, nunca se aproximam das praias. Espertos, procuram correntes marinhas e planam por mais de 300km sem bater asas uma vez sequer. (UC)

CB, 30/07/2006, Brasil, p. 14

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.