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O legado arqueologico da Amazonia

OESP, Viagem, p.V2
Autor: MAGALHÃES, Marcos Pereira
18 de Out de 2005

O legado arqueológico da Amazônia
Marcos Pereira Magalhães
Na Amazônia, quando se fala em turismo arqueológico, os sítios focados, geralmente, são os que apresentam gravuras ou pinturas rupestres.
Mas até recentemente, quando o turista pensava em arqueologia, pensava, especialmente, em pirâmides. Houve época em que ocorreu até uma corrida pela procura de pirâmides na Amazônia, feita por aventureiros lunáticos financiados para realizar suas quixotescas excursões.
Por outro lado, para as pessoas em geral, se quiséssemos ter alguma perspectiva histórica anterior ao descobrimento do Brasil”, deveríamos olhar para o passado de além-mar. No fim das contas, a ausência de pirâmides, estruturas urbanas e tesouros de ouro e pedras preciosas era atribuída a um suposto fracasso do indígena amazônico para o desenvolvimento de civilização.
Porém, os arqueólogos sérios sempre se surpreenderam com os artefatos cerâmicos encontrados na Amazônia, de rara beleza estética (marajoara, maracá, tapajônica e outras). Hoje, esses artefatos são conhecidos mundialmente e fazem parte do acervo de importantes museus tanto no Brasil quanto no exterior.
São para as sociedades que os produziram que as pesquisas arqueológicas vêm se dedicando desde a década de 1940. Com o progresso das pesquisas ficamos sabendo, por exemplo, que a tecnologia de produção da cerâmica foi exportada da Amazônia para outros rincões das Américas.
Por maior que seja o interesse científico pelos sítios ceramistas deixados por sociedades agricultoras (baseadas no cultivo da mandioca), a história da ocupação humana da Amazônia não se encerra aí. Foram sociedades precedentes, de cultura tropical (caçadores-coletores-pescadores), de população reduzida e com extensos territórios para a exploração sazonal de seus recursos, que desenvolveram as técnicas de produção da cerâmica e de processamento da mandioca.
Integradas aos recursos biodiversificados dos diferentes ecossistemas amazônicos, especialmente aos de floresta, elas criaram as condições para que sociedades agricultoras complexas, organizadas em aldeias relativamente sedentárias e situadas em territórios fixos ocupados por grandes populações, surgissem e viessem a constituir a chamada cultura neotropical.
Os estudos das diferentes épocas da História, em especial dos processos civilizadores da cultura tropical, seguida dos processos da cultura neotropical, mostram que a maior contribuição das sociedades amazônicas para a evolução cultural humana está, surpreendentemente, nas relações políticas.
Suas relações sociopolíticas, por diversas razões de ordem econômica e histórica, são, acima de tudo, culturais e extrapolam aquelas próprias do chamado biopoder”, que se manifestam na centralização do poder.
Elas possuíam mecanismos culturais que colocavam, constantemente, a centralização do poder e as fronteiras territoriais em xeque. Nessas sociedades, o Estado estava a serviço de interesses coletivos.
Obviamente, tais características não possuem visibilidade turística, já que são imateriais. Deste modo, as representações rupestres, tão ao gosto do turismo arqueológico, na Amazônia, devem ser reforçadas com elementos de pura informação, capazes de mostrar a importância dos grafismos para o entendimento da nossa História.

Marcos Pereira Magalhães é arqueólogo do Museu Paraense Emílio Goeldi e autor do livro A Phýsis da Origem: o sentido da História na Amazônia

FSP, 18/10/2005, p. V2

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