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Consumo consciente

O Globo, Economia, p. 32
18 de Jul de 2010

Consumo consciente
Redes sociais e sites são usados como ferramenta para educação e mobilização

Rennan Setti e Luciana Casemiro

Arena preferencial de consumidores insatisfeitos que despejam queixas contra empresas e serviços, a internet começa a ganhar um novo papel na defesa do consumidor e do planeta. A discussão sobre consumo consciente e sustentabilidade está em toda parte nas redes sociais, como Facebook, Orkut, Twitter, blogs etc. É o uso das ferramentas colaborativas da web para educar e mobilizar consumidores ao redor do mundo.

Uma dessas iniciativas é o movimento SWU - Começa com Você, cujo foco é sustentabilidade e que culminará com um festival de rock e debates durante três dias em outubro. Idealizado pela empresa de comunicação Totalcom, o SWU investiu em publicidade em mídias tradicionais (como TV, jornais e rádio), mas seus organizadores não escondem que a internet é o grande trunfo para mobilizar o público.

Segundo Helder Castro, diretor da TOD, uma das empresas envolvidas no movimento, a página do SWU já foi acessada por 240 mil pessoas, e o perfil no Twitter tem 17 mil seguidores.

- Após sete meses de elaboração, optamos por um processo colaborativo que mobiliza bastante a garotada mais jovem, que gosta de música, mas ainda acha o tema da sustentabilidade muito distante da sua realidade, às vezes até chato - afirma Castro. - Entendemos que uma das etapas do nosso projeto é informar sobre sustentabilidade, tanto por meio de conteúdo em mídias tradicionais como pela internet, com o próprio usuário dando o seu recado.

Usamos a linguagem da internet para transmitir mensagens universais, a da música e a do planeta mais sustentável.

Além de estar nas redes sociais mais conhecidas, a SWU mantém um site (www.swu.com.br) onde os internautas deixam dicas sobre, por exemplo, como reduzir o consumo de água ou comprar produtos menos nocivos ao ambiente. Outros frequentadores da página podem dizer que já aderiram a determinada dica e disseminá-la por sua rede de contatos. Já são cerca de 1.500 dicas acumuladas em um mês.
Blog sustentável é feito com e para crianças
Em Campinas, interior de São Paulo, a experiência positiva com 700 alunos da Escola Municipal André Tosello fez com que o projeto social do Sindicato dos Varejistas de Campinas e Região (SindiVarejista) resolvesse estreitar a relação entre crianças e sustentabilidade por meio de um blog.

Nascido há um mês, o Blog do Júlio (www.conexaosocial.org.br/blogdojulio) deu vida cibernética a um personagem fictício, de 14 anos, que ensina meninos e meninas a tomar atitudes sustentáveis. A página também divulga material produzido pelos alunos da escola, como uma história em quadrinhos sobre o caminho das frutas da lavoura até a mesa. Além do blog, o "Júlio" está no Orkut, Twitter e Facebook.

- A linguagem deles é a internet, não adianta apenas filosofar em sala de aula. É muito interessante ver essa meninada de 10, 11 anos falando de meio ambiente e orçamento familiar.

A web faz tanto parte da realidade deles que as meninas chegam a ficar curiosas para saber se o Júlio tem namorada - brinca Sanae Murayama Saito, presidente do SindiVarejista e idealizadora do projeto que mantém o blog.

Grupos de defesa do direito do consumidor também já se despertaram para o poder de mobilização da web. Após aderir ao Twitter há alguns meses, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) está envolvido em dois movimentos colaborativos baseados na rede. São o climaeconsumo.org e o reformadireitoautoral.org.

No primeiro, o internauta aprende como seus hábitos de consumo afetam o clima, pode calcular a quantidade de carbono que emite e participar de um abaixo-assinado para exigir políticas públicas para o setor. Ele também pode solicitar o envio de um cartão virtual às redes de supermercado pedindo para que só revendam carne bovina que não seja produzida por pecuaristas desmatadores. O segundo é um fórum, mantido por 11 instituições, que discute a reformulação da lei do direito autoral.

- O site representa para a pessoa comum um instrumento concreto e muito poderoso de pressão. Tivemos muitos acessos durante a COP15 (conferência sobre clima promovida pela ONU em dezembro, na Dinamarca) - observa a pesquisadora do Idec Adriana Charoux. - Mas é claro que ainda temos muitas dificuldades para estabelecer a causa na internet brasileira, tanto pela escassez de recursos quanto pela falta de domínio amplo dessas novas ferramentas. Mas acreditamos que a rede é o caminho, e, até por isso, o Idec está reformulando sua página na internet.

O Instituto Akatu - pelo Consumo Consciente é um entusiasta do uso da internet para mobilização e disseminação de conceitos de sustentabilidade. A entidade tem perfil no Twitter e no Orkut e até o fim do ano estará também no Facebook e com um novo portal na internet, muito mais interativo que o site atual. Para Ricardo Oliani, coordenador de jogos, dinâmicas e projeto de mobilização comunitária do Akatu, lidar com redes sociais é estratégico:
- Há uma disseminação rápida da mensagem. O que precisamos medir é quanto conseguimos influenciar para uma mudança real no comportamento - afirma Oliani, acrescentando que esses consumidores internautas são mais exigentes em relação à atualização e qualidade da informação. - Precisa ser informação rápida e de ponta.

'No Brasil, isso ainda está começando', afirma especialista
A eficácia dessas campanhas, continua Oliani, podem ser medidas por sucessos como o da mobilização mundial da "Campanha tictactictac", que levou milhares de pessoas mundo afora a apagarem as luzes de casa em 12 de dezembro do ano passado. Ou a "Faça xixi no banho", da SOS Mata Atlântica, que ganhou repercussão mundial após ser comentado no site da mega top model Gisele Bündchen. O próprio Akatu trabalhou com duas campanhas recentes nesses moldes: a "Mais é menos", sobre desperdício de alimentos, e a "Saco de ideias" que recebia vídeos sobre como reduzir o uso de sacolas plásticas.

- Criar conteúdos lúdicos e criativos para disseminar os conceitos da sustentabilidade é algo em que estamos trabalhando. Queremos entrar inclusive na área dos videogames. As mídias estão convergindo, e nós ainda não sabemos trabalhar bem no Brasil essas ferramentas de mobilização - explica Oliani, do Akatu.

Além da pouca experiência do brasileiro na internet, Leo Cid Ferreira, dono da agência de marketing digital Ad.Brazil, acredita que o próprio movimento de sustentabilidade no país ainda carece de maturidade e de recursos:
- As redes sociais são raios X da sociedade. Por isso, aqui no Brasil, ainda estamos começando a mobilização para causas ambientais pela rede. O brasileiro ainda vê engajamento como caridade. Não é à toa que a mobilização só é realmente forte quando ocorrem tragédias naturais. Nos Estados Unidos, várias organizações conseguem angariar milhões de dólares por meio do aplicativo do Facebook "causes" (causas), pelo qual as pessoas podem aderir a uma causa e doar dinheiro para ela.

Marta Rocha, diretora da Atitude Brasil, empresa de comunicação social focada nos princípios da sustentabilidade, está coordenando a campanha "Limpa Brasil", que pretende mobilizar voluntários para a limpeza de 14 cidades brasileiras. Ela reconhece a velocidade de disseminação das mídias sociais, mas ressalta que para alcançar participação é preciso persistência:
- Em duas semanas, nossa campanha virtual já tem mais de cinco mil voluntários. Estamos no Twitter e no Facebook, e cada cidade terá seu blog. A questão é que o volume de participação efetiva não é tão rápido. Por isso, essas mídias precisam ser um espaço de diálogo, de manter o assunto vivo. Mas quando é necessária criação de uma consciência de massa, ainda usamos os meios de comunicação tradicionais.

O Globo, 18/07/2010, Economia, p. 32

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