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Temos que amargar a lentidão e o mau humor do Meio Ambiente

O Globo, Economia, p. 21
Autor: LOBÃO, Edison
26 de Dez de 2009

Temos que amargar a lentidão e o mau humor do Meio Ambiente
Para ministro, demora nas licenças levará a uso de energia mais poluente

Entrevista: Edison Lobão

Gustavo Paul
Brasília

Toda vez que o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, se senta à mesa de trabalho, se depara com um mapa do Brasil na parede. Ali estão, ao lado das linhas de transmissão e do parque de geração de energia, reservas ambientais por todo o país. A relação entre energia e meio ambiente é parte de seu cotidiano, e ele não disfarça a ira ante a dependência de sua pasta. Irônico, diz que chegou a sugerir a união dos dois ministérios. Alega que o fato de um funcionário de segundo escalão do Ibama ter ficado ofendido atrasou em um ano a obra da usina de Belo Monte, no Pará. Sem citar nomes, Lobão responsabiliza, com a declaração, o ex-coordenador de licenciamento de infraestrutura do Ibama, Leozildo Tabajara, pelo atraso.

O Globo: O marco regulatório do pré-sal será aprovado no ano que vem?

Edison Lobão: Já atrasamos com a votação das mensagens do presidente, que as encaminhou com pedido de urgência constitucional para votação em 90 dias. Atendendo a ponderações, ele retirou o pedido de urgência, recebendo o compromisso de que tais projetos estariam votados até 10 de novembro.
Isso não aconteceu. Se não for resolvido até fevereiro, o presidente pode retomar a urgência.
Quanto ao mérito, a discussão se tornou radicalizada e não esperávamos por isso. A questão tem que ser resolvida no voto e pela negociação.

O Globo: O que está sobre a mesa?

Lobão: Os estados não produtores poderiam ceder um pouco suas pretensões, os estados confrontantes poderiam ceder um pouco e, a União, que já cedeu tanto, pode ceder mais um pouco. Fora daí, só no voto. É preciso considerar que essa é uma lei ordinária, sujeita à sanção presidencial.

Mas o desgaste político do veto é muito grande.

Lobão: Se o presidente for levado a vetar, terá que cumprir seu papel constitucional.

Dá para aprovar o projeto até o final de 2010?

Lobão:Não trabalhamos com a ideia de ir além do primeiro semestre.

Que lição o senhor tira do apagão de novembro?

Lobão:Não chamo de apagão nem de blecaute. Chamo de interrupção temporária de energia. Quatro estados sofreram interrupção de três horas e pouco. Os demais, passaram por interrupção de 15, 12 minutos. Não tivemos interrupção de 100% em 18 estados.

Os estados foram Rio e São Paulo, onde se concentra uma grande população.

Lobão: Isso ocorreu no Rio, em São Paulo, Espírito Santo e Mato Grosso. Quanto se perdeu do total de energia no país? 42%. Em 1999, perdemos 70%. Em 2002, foram 60%. E não tivemos racionamento.

O que o governo fará para evitar novos incidentes?

Lobão: Espero que tenhamos algo a ganhar desse episódio.

Até o momento, todos os relatórios apontam que a origem está nos fenômenos atmosféricos adversos. Se chegarmos à conclusão de que houve uma falha do sistema, não vamos esconder nada. No fundo, estou quase que torcendo para que tenha havido falha de algum equipamento. Porque aí sim, teremos do que nos proteger no futuro.

E os problemas de distribuidoras de energia, como ocorreu no Rio?

Lobão: A Light pagou o preço da modernidade, tirando o fio aéreo e deixando debaixo do chão. Aí vêm os vândalos, cavam aquilo lá, cortam fios para vender cobre. Aí é uma tragédia.

As questões ambientais são os maiores gargalos do setor?

Lobão: Tenho muita cautela e prudência em falar de meio ambiente. Há muita sensibilidade ali. Certo dia cheguei a sugerir que o presidente promova a fusão dos dois ministérios. Já que o Ministério do Meio Ambiente acha que tem que gerir o ritmo das concessões de licença, e portanto da construção das hidrelétricas, então que ficasse o Ministério de Minas e Energia adstrito ao Meio Ambiente.

E quais seriam as consequências da manutenção deste ritmo?

Lobão: É difícil manter a segurança energética brasileira com as dificuldades que estamos enfrentando com o Meio Ambiente. Como não conseguimos as licenças nem em número nem em tempo, estamos com cinco hidrelétricas no rio Parnaíba sem licença ambiental.

Temos uma grande hidrelétrica a ser construída no Rio Tocantins, chamada Serra Quebrada, mas também por dificuldades com a Funai.

E o caso de Belo Monte?

Lobão: Por que não se concedeu a licença de Belo Monte? Porque um técnico do Ibama ficou ofendido pela declaração da ministra da Casa Civil (Dilma Rousseff) e do ministro de Minas e Energia de que na segunda-feira seguinte o Ibama concederia a licença. Ele ficou dizendo que não poderia aceitar que esses dois ministros estabelecessem prazo da licença. Sucede que quem estabeleceu esse prazo foi o ministro do Meio Ambiente (Carlos Minc) e o presidente do Ibama (Roberto Messias), numa reunião com o presidente da República e vários ministros. Repetimos o que eles disseram. Se tivesse que ficar ofendido, teria que ficar com o ministro e o chefe dele. Ainda que tivéssemos dito isso da nossa cabeça, é razão para não emitir a licença?

Temos energia suficiente para os próximos anos?

Lobão: Atrasamos um ano na construção de Belo Monte. E isso é sério, porque se trata da terceira maior hidrelétrica do mundo. Temos energia, porém mais cara e poluidora. Há estoque de mais de 20 mil megawatts de energia, que são as termelétricas. Desejo não usar nunca esse estoque estratégico. Mas, como o Meio Ambiente não nos deixa construir hidrelétricas, somos obrigados a contemplar a hipótese de despachar as térmicas.

Mas vai ser sempre assim?

Lobão: Infelizmente. Temos de amargar a lentidão e o mau humor do Meio Ambiente. Dizendo isso, estou defendendo o meio ambiente.

O programa de troca de geladeiras parou?

Lobão: Em razão da crise, ampliamos para todo o Brasil o projeto da geladeira, previsto apenas para os pobres. Quando terminar o prazo dessa concessão do IPI (redução do imposto sobre a linha branca), entraremos com a troca das geladeiras ano que vem.

E a politica de reduzir o preço do gás para os beneficiários do Bolsa Família?

Lobão: Estamos estudando reduzir o preço do botijão de gás para as classes mais necessitadas de 20% a 30%. Estudos já foram feitos. O ministro da Fazenda não concordou com algumas coisas, pois ele é quem bancaria a diferença e isso daria uma repercussão de R$ 1 bilhão por ano. Estamos procurando solução. O presidente insiste em fazer. Vai sair ano que vem.

O Globo, 26/12/2009, Economia, p. 21

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