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Recursos genéticos alijam a população

A Crítica, Cidades, p. C6.
27 de Ago de 2002

Juliana Santilli, do Instituto Socioambiental da Amazônia (ISA), discorreu sobre a legislação brasileira de proteção ao conhecimento tradicional das comunidades locais, lembrando que esses povos - indígenas, quilombolas, seringueiros e outros - foram alijados do processo de regulamentação do acesso aos recursos genéticos e da repartição dos benefícios derivados desse acesso.

Ela ressaltou que a mensagem enviada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso esta semana ao Congresso Nacional, incluindo as ONGs na composição do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, é louvável. Mas afirmou que a iniciativa presidencial poderia ter ocorrido mais cedo. "A decisão foi tomada a quatro dias da abertura da Rio+10 e ainda tem que ser aprovada no Congresso para se transformar em lei", lembrou.

Segundo o ISA, a discussão sobre um regime sui generis de proteção aos conhecimentos tradicionais é ainda muito limitada, e sua concepção é mais um instrumento dentro do modelo vigente de proteção à propriedade intelectual. "Não há proposta concreta de um novo mecanismo, diferente do modelo atual, que contemple as características particulares do conhecimento tradicional", lamentou Juliana.

Adilson Vieira, do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), alertou os estrangeiros presentes que pensar a Amazônia brasileira como uma região desabitada é acreditar num mito. "Na floresta vivem 20 milhões de pessoas, sendo 3 milhões em comunidades tradicionais e outro tanto em comunidades rurais de pequenos agricultores ou extrativistas", disse.

Segundo Vieira, as lutas socioambientais das populações amazônicas provam que a região tem "seus donos", que pretendem e têm condições de proteger a floresta a partir de um modelo de governança que respeite a sustentabilidade e a biodiversidade. "Os pescadores e ribeirinhos, por exemplo, desenvolveram formas de manejo e reprodução de peixes, com limites de pesca para cada espécie e combate à pesca industrial e predatória", contou.

Vieira enumerou ainda outras iniciativas, desenvolvidas por seringueiros, castanheiros e catadores de babaçu, além de agricultores familiares, visando a criação de créditos ambientais, o desenvolvimento do turismo ecológico e a extração racional de madeira. Grupos também estão sendo constituídos por estas populações para se proteger da violência histórica praticada contra elas por posseiros, garimpeiros e jagunços ligados ao latifúndio e às empresas madeireiras e mineradoras.

O dirigente do GTA finalizou sua exposição demonstrando que a Amazônia brasileira não precisa de intervenção internacional, como querem alguns, uma vez que todos os mecanismos para proteger a maior floresta do mundo já foram estabelecidos em convenções internacionais. "A participação exigida das populações e dos governos está estabelecida na Agenda 21, a proteção aos conhecimentos genéticos e tradicionais está prevista na Convenção sobre Diversidade Biológica e a função essencial da floresta prevista na Convenção de Mudanças Climáticas", afirmou.

Para Vieira, o que falta mesmo é boa vontade política por parte das lideranças governamentais. "A Amazônia não precisa se internacionalizar, o mundo é que precisa se amazonizar", disse.

A Crítica, 28/08/2002, Cidades, p. C6.

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