OESP, Paladar, p. P9
28 de Out de 2010
Pelo Vale, com os discípulos de Petrini
Na universidade fundada pelo Slow Food, em Pollenzo, na Itália, os alunos estudam história, botânica, agricultura, economia... E viajam para conhecer novas culturas
Cíntia Bertolino
Às margens do rio Ribeira de Iguape, incrustado num pequeno pedaço de Mata Atlântica, fica Ivaporunduva, uma das primeiras comunidades no Estado a ser reconhecida como quilombo.
Na mata repleta de árvores frutíferas, não é preciso caminhar muito para reconhecer esparsos pés de palmito juçara que, com a ajuda do ISA, o Instituto Socioambiental , a comunidade se empenha em proteger.
Não foram as belezas naturais, porém, as responsáveis por atrair até Ivaporunduva um grupo de estudantes italianos de ciências gastronômicas. Nem o nome difícil de memorizar da cidade. Eles cruzaram o Atlântico para conhecer in loco a experiência de uma comunidade que ainda produz grande parte do que consome. E o que não plantam, acabam trocando ou vendendo para os vizinhos.
Formado por 15 estudantes, de 20 a 27 anos, o grupo passou três dias em Ivaporunduva, caminhou pelas ruas de terra, conheceu a história do lugar e entendeu porque ali, no Vale do Ribeira, o clima quente e úmido é o terroir ideal para o cultivo da banana.
Voltou para a Itália com a certeza de que para fazer farinha de mandioca do zero é preciso acordar cedo e ter força para arrancar a raiz da terra seca e dura. Guardar energia para carregar lenha que vai alimentar as chamas do fogão de barro e ser suficientemente habilidoso na hora de ralar a raiz na roda de cravos afiados - importantíssimo para manter todos os dedos das mãos intactos.
Isso tudo os alunos aprenderam em um dia que começou cedinho e só terminou à noite, quando a farinha pulou do tacho de cobre, estalando de fresca. Mas, antes que isso acontecesse e todo mundo voltasse com seu quinhão de farinha para casa, o dia de trabalho foi longo.
Na casa de farinha, um cômodo de pau a pique no quintal cercado por pés de jaca, amora, goiaba e até cacau, os estudantes foram ensinados pelas irmãs Odete dos Santos Pontes e Maria de Fátima dos Santos a preparar os 44 kg de mandioca.
Acocorados no chão de terra batida, munidos com uma faca pequena, todos se puseram a descascar mandioca. "É um trabalho duro demais", diz a estudante Viola Capriola.
Antes do almoço, a mandioca ralada foi posta na prensa, para soltar a água com goma de tapioca. Algumas horas depois, ela é peneirada e vai para o tacho de cobre pelando. A massa precisa ser mexida o tempo todo - com as mãos. "Pode estar queimando a pele, mas tem de mexer para não embolar", diz Fátima, achando graça ao ver um estudante não resiste mais do que cinco minutos executando o trabalho que ela labuta por horas.
Ninguém duvida que o esforço vale o sabor da farinha de mandioca fresquinha, ainda mais saborosa depois de tanta trabalheira.
A viagem termina com um almoço preparado pelos estudantes só com produtos colhidos e "matados" ali mesmo, como as galinhas caipiras.
Os produtos desconhecidos - maná, brejaúba e o fruto do juçara, que lembra um açaí - não foram empecilho para o almoço brasileiro com toque italianado.
Nada de cozinha. Na Università degli Studi di Scienze Gastronomiche , Universidade de Ciências Gastronômicas, aprende-se quase tudo sobre comida. Só não se aprende a cozinhar. Instalada em Pollenzo, cidade romana histórica, a cerca de 4 km de Bra, foi fundada pelo Slow Food, movimento criado pelo italiano Carlo Petrini em 1986. Lá, em parceria com as regiões do Piemonte e Emilia-Romana, são oferecidos cursos de graduação e pós-graduação.
O curso de graduação propõe uma imersão total no universo gastronômico. Em três anos, os alunos aprendem biologia animal e vegetal, métodos orgânicos de cultivo, história da comida e da agricultura, microbiologia alimentar, viticultura, enologia, marketing, economia, tecnologia dos alimentos, sociologia ambiental, filosofia da comida e semiótica...
Em paralelo com o curso regular, a universidade organiza viagens de estudo pela Itália e para vários países do mundo, para que os alunos conheçam ingredientes e hábitos culinários, como esta que o Paladar acompanhou ao Vale do Ribeira.
Quilombo turístico
Quem visita Ivaporunduva pode dar a sorte de voltar para casa com farinha de mandioca fresquinha - isto se sobrar um pouco para vender. Ou com ovo caipira, banana orgânica, tudo de lá. Fundada em meados do século 17 por escravos fugitivos, a comunidade quilombola viveu durante muito tempo da agricultura de subsistência, da extração do palmito juçara e do cultivo de banana. Com a titulação das terras, conseguido em 2008, o quilombo também virou atração turística.
Comunidade Quilombola de Ivaporunduva
Tel. (13) 3879-5000. Visita só com horário marcado. ivaporunduvatur@yahoo.com.br www.quilombosdoribeira.org.br
OESP, 28/10/2010, Paladar, p. P9
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