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Os escravocratas do Pará

O Globo, O País, p. 3
31 de Jul de 2004

Os escravocratas do Pará

A família Mutran, proprietária de diversas fazendas no sul do Pará, será obrigada a pagar a maior multa aplicada no país até hoje por exploração de trabalho escravo e por submeter empregados a condições degradantes de trabalho. O Ministério Público do Trabalho estabeleceu a multa de R$1.350.440, a ser paga em 18 parcelas mensais. O juiz Jorge Vieira, da 2ª Vara do Trabalho de Marabá (PA), daria ontem a sentença mas, como havia o risco de a multa ser ainda maior, os fazendeiros decidiram fazer um acordo e pagar o valor estipulado na ação civil pública movida pelos procuradores do Trabalho.

A multa foi aplicada ao grupo Jorge Mutran Exportação e Importação, uma das maiores empresas de agronegócios do Pará e proprietária da Fazenda Cabeceiras, em Marabá, onde em duas operações de fiscalização, em 2001 e 2002, foram encontrados e libertados 47 trabalhadores submetidos a condições de trabalho consideradas desumanas. Os fiscais encontraram na fazenda péssimas condições de alojamento, sem direitos trabalhistas e em condições análogas às de escravo.

Família Mutran é reincidente

A Fazenda Cabaceiras foi autuada pelo Grupo de Fiscalização Móvel, que reúne Ministério Público, fiscais do Ministério do Trabalho e agentes da Polícia Federal. Por essa violação, o grupo Jorge Mutran aparece na primeira lista negra divulgada pelo Ministério do Trabalho com nomes dos infratores que exploram trabalho escravo. Estão proibidos de ter acesso a recursos públicos e financiamentos de instituições estatais, como Banco do Brasil, Banco da Amazônia e Banco do Nordeste.

A família Mutran é reincidente e já foi citada três vezes nas duas listas negras divulgadas até hoje pela Secretaria de Inspeção de Trabalho do governo federal. Na mais recente, aparece o nome de Evandro Chukuia Mutran, acusado de ter mantido ilegalmente na Fazenda Peruano, no Pará, 54 trabalhadores. Na primeira relação, elaborada no fim de 2003, aparece além do grupo Jorge Mutran, o nome de Aziz Mutran Neto, autuado por manter 48 pessoas em regime análogo ao de escravo na Fazenda Mutamba, também no Pará.

O dinheiro da multa a ser paga pelos Mutran será destinado ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). O acordo, homologado na 2ª Vara do Trabalho de Marabá, foi proposto pelo procurador Paulo Germano da Costa Arruda e põe fim a diversas ações que tramitavam na Justiça contra a família.

Na mais recente fiscalização do grupo móvel na propriedade, em fevereiro deste ano, foram encontrados 18 trabalhadores em condições degradantes, sem condições adequadas de alimentação, alojamento, saúde e segurança.

Empregados terão que ser registrados

Pelo acordo, se a Jorge Mutran Exportação e Importação não cumprir as cláusulas, o valor da multa será triplicado e a empresa terá que pagar R$3.858.400. O grupo assumiu outras obrigações e se comprometeu a registrar todos os empregados, manter alojamentos e alimentação adequados, fornecer equipamentos de proteção individual e água potável. Também deverá oferecer treinamento para os operadores de motosserra e dar orientação sobre uso adequado de agrotóxicos.

Ficou acertado ainda que será aplicada uma multa diária de R$5 mil se houver novos flagrantes na fazenda de uso de trabalho escravo e degradante. A punição será de R$10 mil a cada dia em que forem descumpridas as outras cláusulas do acordo.

A secretária de Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho, Ruth Vilela, confirmou que essa multa é a maior aplicada por exploração de mão-de-obra escrava e a maior que também será paga por um infrator. Ruth Vilela comentou o acordo.

- É um sintoma positivo de que estamos caminhando para erradicar o trabalho escravo no país - disse Ruth Vilela.

Multas somam R$500 mil até hoje

O juiz Jorge Vieira, que preside a 2ª Vara do Trabalho de Marabá, disse que se trata de um acordo inédito. Ele disse as multas recolhidas até hoje por condenação de trabalho escravo totalizavam R$500 mil.

A família Mutran preferiu o acordo a correr o risco de pagar valor maior numa condenação do juiz Vieira. O GLOBO procurou ontem Evandro Mutran, responsável pelo grupo, mas ele não retornou as ligações.

O Globo, 31/07/2004, O País, p.3

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